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O ensino nas tabas

CB, Brasil, p. 13
30 de Set de 2005

O ensino nas tabas
Cimi denuncia falta de infra-estrutura, de bancos escolares e até de professores nas aldeias indígenas

Todas as vezes que chove na aldeia dos índios cuicuros, no Alto do Xingu (MT), as aulas nas duas escolas indígenas que existem no local são interrompidas. No telhado, buracos deixam a água escorrer para dentro da sala de aula. Do outro lado do país, o povo da etnia Geripankó, no interior de Alagoas, vive situação pior. Além de não terem professores índios nas salas, as aulas estão limitadas a 15 alunos por turma. O motivo: não existem carteiras escolares para as crianças.
No Nordeste, a situação das escolas indígenas é tão grave que o coordenador do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) na região, Alexandre Fonseca de Paula, está preparando um relatório para enviar ao Ministério da Educação. Vai denunciar a situação precária de 28 escolas que funcionam dentro das áreas indígenas. "Nós temos aqui escolas modelos, como a da aldeia Sucuru, no agreste pernambucano, que tem até lajotas no chão. Em compensação, as escolas em Kapinawa, no município de Carnaubera da Penha (PE), estão quase caindo na cabeça dos alunos", lamenta.
De acordo com o Cimi, ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), das 2.228 escolas indígenas que existem no país, metade tem problemas de infra-estrutura. Cabe aos governos estaduais a responsabilidade pela manutenção das escolas indígenas. Em alguns casos, as prefeituras assumem as escolas, mas só se a comunidade indígena aceitar. "Independentemente de quem administra a educação indígena, foram investidos em 24 estados R$ 114,7 milhões do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental (Fundef) em 2005 para todas as escolas exclusivas para índios, que funcionam dentro das aldeias", observa o coordenador-geral de Educação Indígena do MEC, Kleber Gesteira.
O gerente da equipe de Educação Indígena da Secretaria de Educação do Mato Grosso, Sebastião Ferreira, visitou com uma equipe do governo, no final de agosto, todas as 28 escolas do Alto do Xingu. Ele constatou que a maioria precisa de reforma. Na aldeia dos índios cuicuros, onde ocorreu a cerimônia do Kuarup este ano, faltam carteiras escolares e quadros negros para as crianças.
Na escola dos índios geripancós, em Alagoas, os banheiros estão interditados há quase quatro meses. "Muita gente pensa que índio não usa banheiro, o que é um grande engano", ressalta o assessor pedagógico do Cimi, Otto Mendes. Ele denuncia que, nas escolas indígenas da Bahia da Tradição, no litoral norte da Paraíba, apenas duas escolas indígenas existem para atender a uma população de mais de 6 mil índios. Não existe material pedagógico nem livro didático. O quadro negro caiu e, se quiserem assistir às aulas sentados, os alunos têm de levar os bancos de casa. "Os livros sempre chegam perto do final do ano", relata Mendes.
Preservação cultural
Não é de hoje que a educação indígena é uma preocupação do Ministério da Educação. O país tem 147,5 mil alunos matriculados. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) determina que os índios devem ter professores indígenas, já que boa parte ainda não fala a língua portuguesa. A idéia é ensiná-los aspectos importantes da própria etnia para preservação seus costumes. No Brasil, existem 500 professores não-índios em sala de aula dando aulas para crianças indígenas. "O problema é que a população indígena cresce muito rápido e não há como formar os professores a tempo", explica Gesteira.
Outro problema enfrentado pelos técnicos que trabalham com índios é a falta de vagas no ensino fundamental. Atualmente, o déficit de vagas entre as 5ª e 8ª séries passa dos 50 mil. "Esses alunos param de estudar ou migram para escola dos 'brancos', correndo riscos sociais", ressalta o coordenador do MEC. Na Amazônia, as crianças das comunidades indígenas abandonam a escola quando os rios da região secam. Nômades, o povo da aldeia de Jaminawa, no Acre, anda mais de 300 quilômetros para chegar às margens dos rios que permanecem cheios na época da vazante. No percurso, a escola fica para trás.
A coordenadora-geral de Educação da Funai, Maria Helena Sousa da Silva Fialho, reconhece a existência dos problemas enfrentados pelas comunidades indígenas. Ela ressalta que a maioria das escolas está em estado precário. "Apesar das constantes reivindicações de representantes indígenas e da Funai, as secretarias estaduais de Educação ainda não possuem propostas de melhoria da infra-estrutura para todas as escolas indígenas. Além disso, muitas delas estão situadas em regiões de difícil acesso", confirma Maria Helena. Ela lamenta ainda o fato de os governos estaduais e as ONGs que atuam na educação indígena promoverem ações desarticuladas.

A realidade dos povos da floresta
O Brasil tem 440 mil índios, distribuídos em 220 etnias e falando 170 dialetos distintos
2.228 escolas indígenas, com 147 mil alunos e 7,5 mil professores, estão espalhadas pelos estados
Cerca de 120 mil alunos estão no ensino fundamental, mas a
maioria abandona a escola antes da 5ª série
50 mil alunos índios estão fora das escolas
No Alto do Xingu, 8.857 alunos estão matriculados no ensino fundamental
Para 2005, o governo Lula reservou R$ 11 milhões no Orçamento da União para a educação indígena

Mais investimentos do governo
Apesar da precariedade das escolas nas aldeias, o orçamento destinado pelo governo federal à Educação Índigena em 2005 teve aumento de 233%, em relação a 2004, segundo a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do MEC. No ano passado, os recursos destinados para atender às crianças indígenas foi de R$ 3,3 milhões. Em 2005, os recursos liberados somaram R$ 11 milhões. Há dois anos, a União destinou R$ 2 milhões para o ensino nas aldeias.
Do total de recursos previstos para este ano, R$ 5 milhões foram destinados à construção de 140 escolas indígenas. Cerca de R$ 1 milhão banca as despesas com professores. E R$ 1,7 milhão é para custear a produção de materiais educativos, como livros e CD-ROMs. Para o ensino médio foram reservados R$ 600 mil. O resto do dinheiro cobre os investimentos na formação de professores. Segundo o Censo Escolar, as escolas indígenas tiveram aumento de 11%, entre 2002 e 2003, e 7%, até o ano passado.
Segundo o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Mércio Pereira Gomes, o governo Lula deve homologar até o final de 2006 cem terras indígenas no país. Até agosto, haviam sido homologadas 54 áreas indígenas e mais 10 devem ser assinadas até dezembro.
Para completar o processo de reconhecimento das terras indígenas no Brasil, ainda faltam 160 territórios, dos quais cem estão em processo de demarcação e 60 ainda em fase de identificação. Depois de concluídas as demarcações, 12,5% do território nacional serão oficialmente considerados áreas indígenas. "Nenhum país do mundo tem essa dimensão de reservas. Nem mesmo na América Latina, que tem 95 anos de tradição indigenista republicana como Brasil. Mesmo o México, que tem 12 milhões de índios, só reconhece 5% de seu território para seus povos", ressalta Mércio Pereira Gomes.
O país assiste a um crescimento da população indígena. Existem hoje no país cerca de 440 mil índios, divididos entre 220 povos que falam 170 diferentes dialetos. Há quem critique no Congresso Nacional o fato de o governo federal conceder tanta terra para os índios. Mércio rebate as críticas dizendo que a quantidade de terras "não é pouca nem muita".
Pelo menos 95% das terras indígenas homologadas, em termos de área, estão na Amazônia. A Funai pretende demarcar mais uma reserva com grande extensão de terra, a de Trombetas-Mapuera, situada no estado do Amazonas. A área tem superfície de 3,97 milhões de hectares. Breve, também deve ser homologada a área indígena Caramuru-Paraguassu, em Ilhéus (BA), onde vivem os índios pataxós, palco de conflitos nos últimos 70 anos. O presidente da Funai relata que essa terra foi demarcada na década de 30 e que a Polícia Militar da Bahia usou a Intentona Comunista de 1935 como desculpa para atacar o chefe do posto do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), órgão responsável pela tutela e garantia dos direitos indígenas. Ele tinha sido o responsável pela demarcação da área.(UC)

"Nenhum país do mundo tem essa dimensão de reservas. Nem mesmo na América Latina, que tem 95 anos de tradição indigenista republicana como o Brasil "
Mércio Pereira Gomes, presidente da Funai

CB, 30/09/2005, Brasil, p. 13

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