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O drama da extinção

Veja, Ambiente, p. 114-117
05 de Nov de 2014

O drama da extinção
A morte de um dos dois rinocerontes-brancos machos remanescentes é prova de quão destrutivo pode ser o homem em sua relação com a natureza

Jennifer Ann Thomas

Em outubro ocorreu uma morte chocante: a de Suni, aos 34 anos, um rinoceronte-branco-do-norte, macho, um dos quatro da espécie vivendo na reserva Ol Pejeta, no Quênia. Até recentemente, ainda não se sabia se ele tinha sido morto por caçadores, se perdera a vida em um acidente ou se morrera de causas naturais.

Por que a importância? Suni era um dos dois últimos exemplares machos no mundo. Sobrou apenas Sudan, que mora no mesmo local, mas tem 40 anos (idoso para um rinoceronte) e é tido como incapaz de reproduzir-se. A esperança de ver o nascimento de filhotes está guardada em outro lugar, no Instituto Leibniz para Pesquisa em Zoologia e Vida Selvagem, em Berlim. Lá permanecem congelados potes com esperma colhido de machos. Com esse material, cientistas esperam engravidar as últimas cinco fêmeas que restam, ou criar clones.

A espécie teve sua população reduzida pela caça. É mais uma vítima da estupidez humana: eles são mortos por causa de seus chifres, que valem 57 mil dólares no mercado negro. Quem os compra? Representantes da pseudomedicina chinesa, que lhes atribui propriedades mágicas. O rinoceronte-branco-do-norte é o exemplo máximo de como é preciso combater os abusos na delicada relação entre o homem e a natureza.

Conservacionistas consideram quase impossível recuperar a população de rinocerontes-brancos. Em 1960 havia 2 mil. A caça, já ilegal na época, fez a população cair para quinze em 1984. Desde então, a espécie é conservada em cativeiro. Diz a bióloga Jana Mysliveckova, porta-voz do zoológico Dvur Králové, na República Checa, onde nasceu Suni, e que abriga um outro exemplar: "Tudo leva a crer que não há esperança de vê-los reproduzir-se, mas temos de continuar com o esforço".

Em 2003, uma equipe de cientistas espanhóis e franceses usou genes preservados em laboratório para trazer de volta à vida uma espécie de cabra selvagem extinta há catorze anos. O clone morreu dez minutos após o nascimento, por má-formação dos pulmões. Há planos para utilizar método similar para criar filhotes de rinocerontes-brancos. Afirma o paleontólogo Michael Archer, especialista em conservação, da Universidade de New South Wales, na Austrália: "Os desafios para progredir com os experimentos são tecnológicos, não biológicos. É possível criar um animal a partir de seu genoma, mas ainda não temos técnicas capazes de realizar isso com apuro, sem risco para o filhote".

O esforço conservacionista tenta reverter danos causados pela humanidade e que eram considerados irreversíveis há uma década. Um relatório da União Internacional para a Conservação da Natureza destacou que cerca de 20 mil espécies estão hoje ameaçadas de extinção. Só no Brasil, o país com a maior biodiversidade do planeta, há 1.051 à beira do desaparecimento. Todo ano, ao menos 200 espécies são extintas. O aniquilamento impacta todo o habitat. Os rinocerontes, por exemplo, estão na categoria dos mega-herbívoros, que na cadeia alimentar ficam no patamar dos superpredadores, como o leão. Se um animal desses tipos desaparece, o ecossistema é desbalanceado: pragas se multiplicam, a diversidade das plantas é afetada e, no fim, o impacto pode alterar definitivamente o bioma local. Em efeito contínuo, homens deixam de ter acesso a recursos naturais da região com os quais estavam acostumados.

O homem, assim como qualquer ser vivo, depende da natureza. Todos os animais, incluindo nós, retiram o que precisam do ambiente. O ser humano, no entanto, parece ter excedido sua cota. No atual ritmo de consumo, o planeta precisa de um ano e seis meses para repor o impacto humano de um ano. A conta não fecha e, a continuar nessa toada, o fim inevitável é o colapso. Felizmente, é crescente o empenho em criar ações concretas para proteger o ambiente.

Houve inegável progresso nas últimas quatro décadas. Passou-se a discutir a necessidade de controlar a emissão de CO2 na atmosfera, surgiram programas de reciclagem e agora se fomenta a utilização moderada de recursos naturais. É lógico que o homem, onívoro, acaba por matar animais. Mas a caça de bichos silvestres não só deixou de ser glorificada, como é abominada pela maioria. Mesmo assim, ela continua a pôr em risco centenas de espécies, como as ararinhas-azuis brasileiras (inspiração do personagem Blue, da série de desenho animado Rio, 1 e 2, dirigida pelo brasileiro Carlos Saldanha).

Em 2007, milicianos assassinaram sete raros gorilas-das-montanhas no Congo apenas para envergonhar guardas-florestais que tentavam impedir um esquema de corrupção que repassava a criminosos o valor pago por turistas para ver os animais. É clichê dizer que o homem é como um vírus para o planeta. Resta saber se a humanidade escolherá corresponder a essa imagem destrutiva, ou se aprenderá a controlar seus instintos animais.

RINOCERONTE-BRANCO-DO-NORTE
Quantidade: seis (todos em cativeiro)
Onde vivem: na reserva Ol Pejeta, no Quênia, e em zoológicos de San Diego, nos Estados Unidos, e da República Checa
A ameaça: a caça para a comercialização dos chifres, aos quais a pseudomedicina asiática atribui poderes milagrosos, como prevenir infartos
Chance de sobrevivência: quase nula, já que a espécie é considerada extinta na natureza desde 2008 (só existe em cativeiro, e há apenas um macho)

ELEFANTE-AFRICANO
Quantidade: 500 mil (1 mil em cativeiro)
Onde vivem: no sul, no leste e no oeste da África
A ameaça: são mortos pelo marfim de seus dentes. Nos anos 80, eram abatidos 100 mil ao ano. A proibição do comércio, na década seguinte, permitiu a recuperação da espécie
Chance de sobrevivência: enorme. Um estudo na Tanzânia identificou que o número de elefantes aumenta 7,1% ao ano. A espécie virou símbolo de práticas eficientes de sustentabilidade

TIGRE-DE-SUMATRA
Quantidade: 711 (361 em cativeiro)
Onde vivem: na Ilha de Sumatra e em zoológicos
A ameaça: a caça responde por 78% das mortes, o que supre farmácias chinesas clandestinas, nas quais partes do corpo são vendidas como se tivessem propriedades mágicas
Chance de sobrevivência: pequena, já que o número de caçadores não diminui desde a década de 90. Só restarão exemplares na natureza se houver maior fiscalização, não só da caça, como também da venda ilegal na China

ARARINHA-AZUL
Quantidade: 86 (todas em cativeiro)
Onde vivem: em criadouros no interior do Estado de São Paulo, e, no exterior, na Alemanha, na Espanha e no Catar
A ameaça: pela sua beleza, é muito procurada, e caríssima, no mercado negro de tráfico de animais; indígenas ainda usavam penas do pássaro em cocares
Chance de sobrevivência: muito pequena. A espécie é considerada extinta na natureza desde 2000. Espera-se que cheguem a 150 em cativeiro antes de começar a reintrodução em seu habitat

Veja, 05/11/2014, Ambiente, p. 114-117

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