VOLTAR

O dilema das cidades

O Globo, Sociedade, p. 27
11 de Nov de 2015

O dilema das cidades
Novo atlas mostra contraste entre cidades da Mata Atlântica
ONG faz mapeamento da devastação em municípios que integram o bioma

Renato Grandelle

RIO - No mapa, pouco mais de 390 quilômetros separam as cidades piauienses de Eliseu Martins e Tamboril do Piauí, localizadas na borda das serras da Capivara e das Confusões. O ambiente, no entanto, não poderia ser mais desigual. Em Tamboril, 96% da vegetação, formada por árvores e mangues da Mata Atlântica, ainda estão de pé. É o município com a maior conservação do bioma no país. Eliseu está na lanterninha no ranking. Entre 2013 e 2014, perdeu 4.287 hectares de floresta. O contraste é um dos destaques do novo Atlas dos Municípios da Mata Atlântica, que também elogia a preservação dos ecossistemas no Rio.
Em sua sétima edição, o Atlas, divulgado ontem pela ONG SOS Mata Atlântica, exibe as contradições do bioma em 3.429 municípios de 17 estados - o levantamento mais abrangente já feito pela organização, com imagens de satélite. Uma das características mais visíveis é a dificuldade das prefeituras em conciliar planos de desenvolvimento econômico com a preservação da cobertura florestal. A expansão das cidades, o avanço da fronteira agrícola, a pecuária e a indústria não poupam sequer sítios arqueológicos e parques nacionais.
- Estes municípios do Piauí são uma amostra de como, em todo o bioma, economia e meio ambiente podem entrar em conflito - ressalta Marcia Hirota, diretora da SOS Mata Atlântica. - Ainda que na mesma região, Eliseu Martins é mais exposto ao agronegócio. O Brasil destrói o que não conhece. As prefeituras permitem atividades predatórias em patrimônios que poderiam ser usados por outros setores, especialmente o turístico.
Esta é a primeira vez que os dados atualizados e o histórico das cidades abrangidas pela Mata Atlântica poderão ser acessadas em um site, o Aqui Tem Mata (www.aquitemmata.org.br), cujo lançamento está previsto para esta semana. Nele, os internautas poderão localizar áreas remanescentes do bioma, com gráficos e mapas interativos.
Segundo Marcia, o Atlas e o endereço na web têm como objetivo incentivar conselhos municipais de meio ambiente a desenvolver projetos para conservação da Mata Atlântica. Como alguns só têm resultado a médio e longo prazos - por exemplo, a recuperação de nascentes de rios -, é importante que a responsabilidade não seja atribuída apenas ao poder público.
- Os prefeitos vêm e vão, então o compromisso não deve ser apenas deles - avalia a diretora da ONG. - Precisamos dar a informação mais próxima possível das pessoas. Nas cidades, é mais fácil fazer uma gestão sobre as áreas críticas, localizar as nascentes dos rios que devem ser protegidas e interligar fragmentos da mata. Infelizmente, para a maioria das pessoas o conceito de proteger a biodiversidade ainda é muito subjetivo.
Quinze dos 17 estados com presença de Mata Atlântica já concordaram em zerar o desmatamento ilegal até 2018. Outra meta é aumentar a cobertura vegetal - atualmente, apenas 12,5% da cobertura original do bioma está preservada. Para isso, os governos estaduais esperam contar com o engajamento das prefeituras. A expectativa de Marcia é que o Atlas sirva como inspiração para a agenda ambiental dos candidatos às eleições municipais do ano que vem. O ideal é que eles entrem na disputa empunhando projetos voltados às unidades de conservação e parcerias com reservas particulares. E, também, que adaptem os planos diretores, para, a partir deles, criarem projetos para a Mata Atlântica.
Depois do Piauí, o estado que exibe os mais elevados índices de desmatamento é Minas Gerais. Jequitinhonha, por exemplo, é a cidade que mais perdeu vegetação de Mata Atlântica nos últimos 14 anos. Suas florestas nativas foram transformadas em carvão e substituídas por eucalipto. Os municípios mineiros e paulistas também precisam se esforçar para evitar a devastação de matas ciliares e a poluição de mananciais, especialmente em um período marcado pela crise hídrica.

ESTADO DO RIO TEM OS PROJETOS MAIS AVANÇADOS

O novo Atlas indica o Rio de Janeiro como o estado mais avançado na preservação do bioma. Das 31 cidades que já criaram planos municipais para a Mata Atlântica, 16 são fluminenses - entre elas, a capital.
- É o estado mais avançado na área ambiental - elogia Marcia Hirota. - Entre 2013 e 2014, foram desmatados apenas 12 hectares. O Rio criou unidades de conservação e está investindo em sua estrutura. E também estabeleceu o compromisso de aumentar a cobertura nativa da floresta.
O estado do Rio concentra a maior unidade de conservação municipal da Mata Atlântica, o Parque Natural das Montanhas de Teresópolis. Tem, também, algumas das cidades com maior número de reservas particulares de patrimônio natural do país, como Silva Jardim.
Nos últimos 14 anos, Angra dos Reis foi o município do estado com maior área de vegetação conservada - 80,1% ainda estão de pé. Resende, por sua vez, registrou o maior índice de desmatamento. A cidade perdeu 509 hectares de florestas desde 2000. Estima-se que a perda de vegetação tenha ocorrido devido a queimadas.
- O Sul Fluminense é extremamente preservado, assim como a região de Itatiaia, onde existe um parque nacional - lembra Marcia. - As queimadas no Vale do Paraíba podem ocorrer de forma natural ou por atividade agrícola. Na capital, o desmatamento pode ser atribuído à expansão da cidade.
Outros problemas do estado são impasses fundiários perto de unidades de conservação e a exploração da cana em trechos do Norte fluminense.
Tradicionalmente, os mapeamentos da ONG SOS Mata Atlântica detectam áreas florestais com três hectares ou mais. Em maio, o estado foi escolhido como laboratório para um levantamento de precisão inédita. Nele, o fragmento mínimo possível de identificação de vegetação foi reduzido para apenas um hectare. Com isso, viu-se que o Rio tem 30,7% - ou 1,3 milhão de hectares - de remanescentes florestais, um índice 50% maior do que se imaginava.
Este levantamento mais refinado será estendido para outros estados. O próximo ocorrerá em São Paulo, onde o estudo deve ser concluído até maio do ano que vem.

O Globo, 11/11/2015, Sociedade, p. 27

http://oglobo.globo.com/sociedade/sustentabilidade/novo-atlas-mostra-co…

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.