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O desejo irrefreável em construir Belo Monte

Adital
12 de Jul de 2005

O desejo irrefreável em construir Belo Monte

Mayron Régis, Jornalista, Articulação Soja-Brasil/Cebrac

Inacreditável: o deputado Fernando Ferro (PT-PE), que em 2002, durante uma audiência pública na Comissão de Minas e Energia, comportou-se de forma valorosa na defesa da ação do ministério público federal contra o processo de licenciamento da hidrelétrica de Belo Monte e dos indígenas em sua luta contra a construção da hidrelétrica, é o mesmo deputado Fernando Ferro que, neste ano, consegue aprovar um decreto legislativo que autoriza a implantação de Belo Monte pelo governo federal.
Naquela audiência, o deputado Fernando Ferro era minoria, numa comissão composta por deputados completamente favoráveis ao projeto da UHE Belo Monte, que está prevista para o rio Xingu, no estado do Pará, e que, na conversa com o então presidente da Eletronorte, Antônio Muniz, usavam a comissão como uma tribuna ou um palanque político em que atacavam o ministério público e a índia Tuíra, responsabilizando-os pelo apagão de 2001. Quem pariu Mateus que o embale, contudo a falta de planejamento para o setor elétrico do governo Fernando Henrique foi devidamente esquecida e como só havia uma testemunha, e era de acusação, nos documentos, que descrevem a reunião do dia 10 de abril de 2002, os inocentes são taxados de culpados. A maioria decidiu que uma das frentes de luta seria pedir a reconsideração do Superior Tribunal de Justiça. Este havia dado uma liminar ao ministério público suspendendo o licenciamento.
Os deputados, durante a audiência, criticavam a ação do ministério público federal, detratando-a de "violência jurídica"; os índios, pobres inocentes, foram manipulados por um "exagero ambiental e antropológico" que os virava de cabeça para baixo.  Nunca, de tão poucas cabeças e em tão pouco tempo, se escutou tantas deturpações de acontecimentos, de culturas e de instituições. Eles sacrificaram quanto de cultura e de história em defesa da hidrelétrica de Belo Monte? Fernando Ferro, pelo seu lado, flagrava mais e mais desrespeitos; isto o aborrecia; e o fazia discordar dos outros seis deputados e do ex-presidente Antônio Muniz que confeitava de elogios uma proposta da Eletronorte para o projeto da hidrelétrica de Belo Monte. Tantos estudos desde 1977 e vinha o ministério público federal, "de repente", pedir a paralisação do projeto; e qual o problema que há na Fadesp (Fundação de Amparo e Desenvolvimento de Pesquisa) executar os estudos de impacto ambiental, disparava Muniz.
Na comissão, quatro dos sete deputados federais originavam-se de estados que não se relacionavam com a bacia do rio Xingu (Pernambuco, Goiás, Minas Gerais e Amapá); os demais saíram do Pará para Brasília sob a batuta do PSDB, que na época governava o país e o estado e prognosticava a hidrelétrica como a solução permanente que evitaria ameaças de apagão. Mesmo tendo o deputado Fernando Ferro na audiência, quem desses deputados teria estofo intelectual e político suficiente para contradizer o ex-presidente da Eletronorte? Quem o desmoralizaria na sua crença de números impessoais: 60.000 empregos diretos e indiretos no estado do Pará e uma potência instalada de 11.000 megawatts? O bom vendedor infla o produto oferecido, para aqueles que o tiverem ouvindo sejam fisgados e isso Muniz fez e bem no dia 10 de abril de 2002. Tão bem que três anos depois, seu único adversário naquele dia assina o decreto 1785/05 que autoriza o governo federal a implantar o empreendimento hidrelétrico Belo Monte, localizado no rio Xingu.
Segundo o deputado José Geraldo (PT-PA), um dos articuladores desse decreto, a retomada dos estudos de viabilidade, a serem concebidos pela Eletronorte, sobre Belo Monte põe fim a uma interrogação que travava o desenvolvimento econômico da região da Transamazônica. Se Belo Monte seria ou não construída? No seu entender, Belo Monte será de muita serventia para o Brasil, para o Pará e para o povo brasileiro, nesta ordem.
As empresas de alumínio e seus interesses na Amazônia não comparecem no decreto do deputado Fernando Ferro, todavia não resta nenhuma dúvida de que a energia de Belo Monte rumará para o pólo de bauxita e alumina da Alcoa em Juruti, cidade paraense do baixo Amazonas, num futuro não muito distante. Este contará com investimentos da ordem de R$1bilhão de reais para produzir quatro milhões de toneladas de bauxita.
Que Belo Monte está na boca da botija isso é mais do que evidente, a então ministra das minas e energia Dilma Roussef deu mostras inequívocas do interesse do governo federal em retomar o licenciamento da hidrelétrica para que as obras comecem em 2006; apararam-se as arestas com o ministério do meio ambiente; a ministra Marina Silva orgulha-se do fato do licenciamento estar na estaca zero. Agora, o que dirão os movimentos sociais da região e as ONGs?
Na cidade de Altamira, entre os dias 13 e 15 de julho, haverá o lançamento do livro Tenotã-Mõ, o que representa na língua Araweté o que segue em frente, uma promoção da Rede Internacional de Rios, do Movimento para o Desenvolvimento da Transamazônica e Xingu, do ISA, da FASE, do Projeto Brasil Sustentável e da Comissão Pró-Índio, que é uma coletânea de estudos sobre os projetos de hidrelétricas previstos para o rio Xingu, entre eles Belo Monte. São artigos de pesquisadores nacionais e estrangeiros, nas áreas de energia e engenharia elétrica, de ciências sociais e estudos indígenas, de geografia, de avaliação ambiental, de ecologia de represas e mudança climática, dois jornalistas, de um advogado, de um procurador da república, do bispo da Prelazia do Xingu e de dirigentes de entidades locais e internacionais, sob a coordenação do professor Oswaldo seva filho, da Faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp, que batem o martelo, reafirmando a inviabilidade energética e os impactos ambientais e sociais sobre populações indígenas e ribeirinhas e sobre a floresta amazônica. O principal argumento em prol de Belo Monte, de que ela geraria mais de sete mil megawatts, foi feita uma revisão do projeto original, vem abaixo, sob as palavras de Oswaldo Seva: "As simulações, feitas com base em registros históricos de vazão, apontam que a potência assegurada pela usina de Belo Monte, se estiver funcionando sozinha no rio Xingu, seria no máximo de 1.356 MW, por causa das baixas vazões do rio nos meses de verão amazônico (julho a dezembro)". Evidente que o desejo maior dos movimentos sociais e das ONGs é interromper o curso do mundo, mas o governo federal e as empresas que desejam construir Belo Monte aproximam e relacionam a sua construção do fornecimento de energia constante para a região da Transamazônica que urge. Como fazer o contraditório? A aposta dos movimentos sociais e ONGs tem sido a discussão em torno das energias renováveis mais propícias para a região amazônica. Em 2003 aconteceram, em Marabá, as duas primeiras oficinas do projeto "Energia para uma Amazônia Sustentável" e em dezembro de 2004 aconteceu a III oficina onde se aprofundou o debate sobre o Programa Luz para Todos, sobre o biodiesel como indicativo para o fortalecimento da Agricultura Familiar e sobre outras energias alternativas para a Amazônia. (Adital: Notícias da América Latina e Ceribe)

Adital, 12/07/2005

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