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O desafio da extração sustentável de produtos da floresta

O Globo, Ciência, p. 32
25 de Mai de 2011

O desafio da extração sustentável de produtos da floresta

Roberto Maltchik

O escasso conhecimento científico e o profundo impasse legal devem impor uma espera de quase meio século para que o uso comercial da biodiversidade ganhe escala no Brasil. A avaliação é do presidente da Natura, Alessandro Carlucci, um dos protagonistas do acalorado debate a respeito da pesquisa genética com elementos da flora e da fauna para a concepção de novos produtos.
Para o presidente da indústria de cosméticos, sediada em Cajamar (SP), o contato com as 23 comunidades com as quais a Natura mantém contratos de repartição de benefício para a extração de insumos, como Andiroba e Murumuru, ensina que o país ainda está muito longe da "maturidade" no setor. Aliás, avaliação generalizada no mercado - incluindo botânicos e representantes do governo - é a de que o dilema sobre a extração sustentável de produtos da floresta ainda não foi resolvido em nenhum lugar no planeta.
A diferença é que o Brasil detém a maior biodiversidade da Terra. Portanto, na avaliação de Carlucci, o país estaria em condições de ter os maiores índices de lucratividade, tanto para a indústria quanto para as comunidades que fornecem mão-de-obra (extração de frutos e folhas), se houvesse um marco legal que respeitasse o interesse de todos os atores:
- Falta uma convicção mais generalizada de que este é um tema, uma pauta relevante para o país. Será que tem potencial? Nós achamos que sim. Nossa visão é que isso pode ter muito valor no futuro do país. Não é de curto prazo. Isso é para 30 ou 40 anos para frente.
Segundo Carlucci, além do impasse legal, o maior desafio é identificar lideranças nas comunidades e garantir que os ganhos com o trabalho sejam repartidos de forma justa:
- As comunidades foram se preparando e a resposta mais objetiva é que ainda não estão preparadas. Isso inclui a Natura, que ainda não está preparada totalmente. Liderança (na comunidade) é um fator crítico. A gente não sabe falar, não sabe entender. Não consegue respeitar os hábitos. É um processo de aprendizado das partes. Posso dizer que, passados 10 ou 11 anos, a gente sabe muito mais, mas ainda tem muito a aprender.
De acordo com o presidente da gigante de cosméticos, a companhia investiu R$10 milhões em 2010 com a repartição de benefícios e a compra de matéria-prima extraída da biodiversidade. Atualmente, a empresa adota como política o pagamento preferencial com serviços, especialmente com consultoria de técnica de manejo do solo e ações sociais voltadas à qualidade de vida das comunidades locais.
Para ele, algumas associações comunitárias e prefeituras já começam a entender a importância do negócio. Porém, o desenvolvimento não é homogêneo:
- As comunidades estão em estágios muito diferentes. Algumas estão preparadas para negociar. Têm umas que estão começando, se organizando. Tem de tudo. Passados alguns anos, a gente tem uma evolução muito grande, mas muito a melhorar.
Na Amazônia, o pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) Juan Revilla, um dos principais estudiosos sobre o potencial genético da biodiversidade brasileira, corrobora a opinião do presidente da Natura. Revilla desenvolve uma pesquisa com 60 espécies na cidade de Manaquiri, a 80 quilômetros de Manaus, e conta que já conseguiu formar 300 caboclos e ribeirinhos para a extração sustentável dos elementos da biodiversidade.
Entretanto, o pesquisador explica que muito pouco pode ser feito para transformar o trabalho artesanal em uma produção em escala enquanto o país não definir um marco regulatório factível:
- Qual é a melhor maneira de extrativismo? É a produção sustentável. O que é sustentabilidade? Nada mais é do que gerar renda sem desmatar. Porém, não temos dinheiro para financiar a extração porque são diversos impedimentos legais que destoam violentamente da natureza da atividade.
O marco regulatório, fundamentado em uma Medida Provisória de 2001, diz que o Ministério do Meio Ambiente deve ter conhecimento prévio das pesquisas que envolvam acesso ao patrimônio genético. Foi essa premissa que provocou a operação Novos Rumos, do Ibama, que autuou dezenas de empresas e instituições de pesquisas, brasileiras e estrangeiras.
O presidente da Natura afirma que é praticamente impossível que a indústria e a fiscalização tenham condições de operar no atual sistema. Ele defende que o novo marco legal, emperrado desde 2007 no governo federal, preveja regras para o manejo da produção e o controle da repartição de benefícios, depois que o potencial de determinado produto seja reconhecido.
- Acho que não precisa formalizar nada (antes de fazer o acesso ao patrimônio genético). Tem que formalizar mais para frente, na hora em que se sabe que aquele ingrediente pode se transformar em um produto com valor. Isso (formalização prévia) é impossível. Como eles vão fazer? Vai ser uma locura - avalia.
A Natura contesta administrativamente as multas que recebeu do Ibama, por conta do acesso ao patrimônio genético que levou ao desenvolvimento de cosméticos. Os valores somados, de acordo com a empresa, alcançaram R$21 milhões.
Entretanto, o presidente da indústria anunciou que está disposto a recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para contestar a constitucionalidade do regulamento atual, caso seja necessário.
- O que a gente fez não tem vergonha nenhuma. A gente acha que está fazendo a coisa certa. Vamos questionar a constitucionalidade do atual marco legal até onde a legislação permitir - afirma Carlucci.

O Globo, 25/05/2011, Ciência, p. 32

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