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O desafio da Amazônia

FSP, Tendências/Debates, p. A3
Autor: STEPHANES, Reinhold
16 de Nov de 2008

O desafio da Amazônia
O desafio, agora, é dimensionar o nível de responsabilidade de cada agente, adotando alternativas sustentáveis

Reinhold Stephanes

NÃO É preciso derrubar mais árvores na Amazônia para expandir a agropecuária brasileira, mas o mero congelamento da atividade não garantirá a preservação da floresta. Quem conhece a realidade local, bem distante de Brasília, identifica melhor as causas do desmatamento, originadas, principalmente, pela forma como a região foi ocupada, em uma época em que a própria lei estimulava a derrubada da selva.
Hoje, carvoarias, madeireiras, assentamentos, produtores rurais e a população que, literalmente, vive da floresta dividem, em vários níveis, a responsabilidade pela redução gradual do bioma. Porém, o Estado brasileiro merece, também, uma parcela de culpa por ter subestimado a importância da Amazônia no passado.
O desafio, agora, é dimensionar o nível de responsabilidade de cada agente, adotando alternativas sustentáveis -e viáveis economicamente- que contribuam para o equilíbrio entre o homem e a natureza na região.
Sob pressão externa, trata-se o desmatamento na Amazônia de forma emocional e nem sempre com base em dados confiáveis, que, por sua vez, acabam justificando medidas inconseqüentes. Tampouco a estrutura tecnológica disponível é capaz de detectar as ocorrências em tempo real, a fim de reprimi-las.
Perdem-se meses discutindo a credibilidade das listas de desmatadores, quando, na verdade, desconhecemos os proprietários das terras. Aliás, a regularização fundiária da Amazônia é tão necessária que deverá merecer a criação de mecanismos próprios de acompanhamento, propostos pelo ministro extraordinário de Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger, com aval do presidente da República.
A legislação ambiental contribui, também, para engessar o debate sobre as melhores alternativas para a região. As leis mudaram, os critérios foram alterados, mas a realidade persiste. Por exemplo, até 2001, o Código Florestal obrigava os produtores a preservar 50% da área, e não 80%, como atualmente. Quem derrubou metade da propriedade passou a ser obrigado a reflorestar. Foi o que aconteceu com os assentamentos incluídos recentemente na lista dos maiores desmatadores da Amazônia.
Vale lembrar que a legislação ambiental contempla o território nacional, mas não considera as diferentes realidades nem as regiões nas quais a agricultura se instalou há décadas. Se as normas forem cumpridas à risca, praticamente a metade das propriedades rurais do Centro-Sul do país, no qual a agropecuária está consolidada, está ou estará fora da lei.
Outra questão é a existência de duas Amazônias constantemente confundidas: a do bioma e a legal.
Sobre o bioma amazônico, é simples: abrange a marca da floresta, embora registre outros sub-biomas. A Amazônia Legal é uma ficção geográfica, fruto da busca pelos benefícios fiscais da União por parte dos Estados vizinhos à floresta. Alguns destes com parte predominante dos territórios fora do bioma amazônico, sobretudo no Centro-Oeste, onde estão os biomas de cerrado, pantanal ou caatinga.
Mesmo assim, a lei ambiental equiparou áreas desses biomas às da floresta amazônica, impondo-lhes, em grande parte, as mesmas restrições.
No que se refere ao agronegócio, repito, o Brasil tem alternativas para a expansão. Há estudos técnicos apontando para o uso preferencial de áreas agricultáveis, atualmente ocupadas por pastagens e que se encontram em vários níveis de degradação. E isso deve acontecer fora do bioma amazônico. Basta lembrar que a pecuária utiliza 200 milhões de hectares em todo o país para um rebanho estimado de 180 milhões de cabeças de gado.
Ninguém em sã consciência discorda que essa distribuição pode ser refeita e até incentivada pelo governo federal. Além do apoio à atividade econômica, a utilização correta das áreas degradadas evita a erosão e a desertificação, que levam ao assoreamento dos rios e ao empobrecimento do solo, respectivamente.
A questão, porém, é que há áreas degradadas na região amazônica que poderiam ser recuperadas com culturas perenes, como o dendê e outras espécies nativas, que, além de seqüestrarem carbono da atmosfera, recuperam o solo e geram empregos em quantidade suficiente para absorver os que por falta de opção sobrevivem consumindo a riqueza da floresta.
Compreende-se que a defesa da Amazônia exija uma posição protecionista mais rígida. Isso não pode impedir, porém, que ignoremos áreas agrícolas consolidadas há gerações, sem encontrar formas de flexibilização do uso do solo. Ambas as posições são necessárias para alcançarmos o desenvolvimento sustentável que a Amazônia e sua gente merecem.

REINHOLD STEPHANES , 69, economista, deputado federal licenciado (PMDB-PR), é o ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Foi ministro do Trabalho e Previdência Social (1992-1995) e da Previdência e Assistência Social (1995-1998).

FSP, 16/11/2008, Tendências/Debates, p. A3

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