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O crime que mudou a vida de Padre Amaro

O Globo, O País, p 26
11 de Dez de 2005

O crime que mudou a vida de padre Amaro
Marcado para morrer, maranhense carrega no bolso frasco com terra manchada do sangue de Dorothy Stang

O maranhense José Amaro Lopes mantém um hábito desde fevereiro. Costuma andar com um pequeno recipiente de vidro com um punhado de terra dentro. Segundo ele, não é terra comum: está manchada com o sangue da missionária Dorothy Stang e foi colhida no dia da morte da freira. A terra manchada de sangue lembra a Amaro a razão de sua presença no município de Anapu, no Pará: defender a igualdade na luta pela posse da terra. Defender pequenos agricultores.
Amaro é padre há oito anos e é uma das 48 pessoas marcadas para morrer no Pará, segundo o relatório "Violação dos direitos humanos na Amazônia: conflito e violência na fronteira paraense", lançado pela Comissão Pastoral da Terra, Justiça Global e Terra de Direitos na semana em que teve início o julgamento dos acusados de terem assassinado Dorothy.
Lista de marcados para morrer tem 48 nomes
A lista tem 48 nomes. Espera-se que não tenham o mesmo fim que outras 73 pessoas tiveram nos últimos 11 anos no Pará, assassinadas por causa do conflito de terras. A maioria de mortes anunciadas. Como a de Dorothy. Padre Amaro conviveu 15 anos com a missionária americana. Vive hoje entre a luta e o medo.
- A liberdade da gente vai sendo perdida. Não posso mais ir a certos lugares em determinadas horas. Tenho sempre que ter alguém comigo.
Mesmo vivendo sob constantes ameaças, padre Amaro não aceitou segurança ostensiva. O que ele exige é segurança nas investigações.
As ameaças começaram assim que padre Amaro começou a se envolver com a luta dos trabalhadores rurais. Em 2001, andou durante cinco quilômetros na mata com uma espingarda apontada em suas costas por jagunços, que exigiam a saída de 18 trabalhadores rurais de um lote público.
Após a morte de Dorothy, ligações ameaçadoras
Após a morte de Dorothy, o padre passou a receber ligações: "Já matamos um verme. Matar outro não custa nada".
- Mas tudo isso me deu mais ânimo para continuar resistindo, continuar lutando.

Ameaça de morte é rotina para líderes e parentes
'Eles acabam com a vida da gente em vida', diz viúva de sindicalista

Outro personagem emblemático na luta pelos direitos humanos em São Félix do Xingu é frei Henri des Reziers, que já perdeu a conta das ameaças de morte que recebeu de fazendeiros. Vive sob proteção policial, mas diz que depois de ter sido "condenado à morte" não recebe mais ameaças.
Presente no primeiro dia do julgamento dos pistoleiros que mataram Dorothy Stang, frei Henry diz que espera que os culpados sejam punidos:
- Tem que haver punição para toda a rede de criminosos.
Para ele, a presença de pistoleiros em fazendas com trabalho escravo força a permanência dos trabalhadores na condição de presos, sem pagamento.
O frei é advogado de líderes sindicais rurais ameaçados de morte. Já testemunhou diversas vezes em processos que não raro ficam estacionados.
- Há muitos líderes sindicais e agentes pastorais que continuam ameaçados por conta do trabalho que fazem a favor do ser humano menos favorecido.
Sindicalista de Anapu nem atende mais o telefone
O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Anapu, Gabriel de Moura, não atende mais telefone: está cansado de ouvir ameaças de morte devido ao trabalho de apoio aos agricultores nos Programas de Desenvolvimento Sustentável (PDS).
- Mas essa luta é a razão que a gente tem para viver.
Em Altamira, Raimundo Deumiro de Lima dos Santos recebe ameaças por estar envolvido na defesa da criação da reserva de Riozinho do Anfrísio, já sancionada por Lula. Na mesma situação estão Benedito Freire, Raimundo Pereira do Nascimento, e Dionísio Pereira.
Em Marabá, o coordenador regional da Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetagri), Francisco de Assis Solidade da Costa, vem recebendo ameaças de fazendeiros devido ao envolvimento com as ocupações de latifúndios da região. Sua situação é de risco, mas ele não tem proteção especial.
Em alguns casos as ameaças são originadas por parentesco com vítimas. Em Novo Progresso, Ivanilde Maria Prestes Alves tem recebido ameaças por tentar continuar a luta de seu irmão Adilson Prestes, assassinado por denunciar grileiros e madeireiros da região. A viúva do sindicalista José Dutra da Costa, morto em 2000, está sob proteção policial. Maria Joel Dias da Costa recebe ameaças constantes por ter comprado a briga do marido: preside o Sindicato dos Trabalhadores Rurais em Rondon do Pará e é símbolo de resistência. Em depoimento ao relatório sobre os conflitos agrários, conta como é sua vida:
- A gente nunca sabe a hora do ataque. Não consigo mais nem ir à igreja. Eles acabam com a vida da gente em vida. Mas vou continuar até o fim e quero que esta não seja uma história de morte, mas sim de vida, da vida dos trabalhadores.

O Globo, 11/12/2005, O País, p. 26

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