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O código dos ruralistas

CB, Opinião, p. 22
Autor: RAMOS, Adriana
02 de Jun de 2011

O código dos ruralistas

Adriana Ramos
Secretária executiva adjunta do Instituto Socioambiental (ISA)

Nada contra o setor rural, muito pelo contrário. A aprovação na Câmara dos Deputados de proposta de alteração do Código Florestal que praticamente desobriga os proprietários rurais de manter florestas em suas propriedades não significa que todo produtor rural considera a floresta um empecilho ao sucesso. Na bacia do Rio Xingu, onde o Instituto Socioambiental (ISA), organização não governamental (ONG) atua há mais de 15 anos, diversos produtores rurais atenderam ao chamado da Campanha Y Ikatu Xingu para recuperar as matas ciliares de modo a garantir as condições ecológicas necessárias à sustentabilidade socioambiental da bacia.

A região da bacia do Rio Xingu é habitada por povos indígenas e por populações oriundas das diversas regiões brasileiras. O processo histórico de ocupação dessa região a caracterizou como importante polo de desenvolvimento agropecuário. Entretanto, esse processo implicou o desmatamento de áreas extensas, afetando as matas ciliares, que têm importância fundamental para a proteção de nascentes e cursos d´água. Estima-se que já foram desmatados quase seis milhões de hectares de vegetação nativa na bacia do Rio Xingu em Mato Grosso, o que significa que aproximadamente 33% da cobertura vegetal original foi suprimida no estado.

Desde 2004, os atores sociais da região - índios, pequenos e grandes produtores, ambientalistas, pesquisadores e lideranças municipais - decidiram se unir em torno de uma campanha pela proteção e recuperação das matas ciliares e dos recursos hídricos da bacia. A campanha foi criada para promover políticas e prover recursos técnicos e financeiros que permitam a proteção dos direitos das terras indígenas, a viabilização econômica dos assentamentos, a redução dos custos de recuperação das matas ciliares nas propriedades rurais e o provimento de serviços de saneamento básicos nas cidades desta região, de modo a garantir a preservação do Xingu e do seu inestimável valor simbólico para as futuras gerações. Mais de 2.400 hectares de nascentes e beiras de rios estão em processo de restauração florestal em mais de 200 propriedades rurais e a técnica de plantio mecanizado de florestas, desenvolvida na região, está sendo disseminada entre acadêmicos, técnicos e proprietários rurais de várias regiões do país.

Também foi no âmbito da campanha que o ISA apoiou a iniciativa do município de Querência de promover a regularização de suas propriedades. Querência, 14 produtor de soja do Brasil, entrou na lista dos maiores desmatadores da Amazônia em 2007 devido a aumento na taxa de desmatamento no município registrado nos cinco primeiros anos da década de 2000. Nos últimos três anos, porém, os proprietários rurais deram exemplo de articulação e conscientização e, além de derrubarem as taxas de desmatamento, iniciaram a restauração de diversas áreas de preservação permanente (APPs) e inseriram 80% de suas terras cadastráveis no Cadastro Ambiental Rural (CAR). Os produtores de Querência já avisaram que, independentemente das mudanças na lei, o programa vai continuar a recuperar as APPs.

O engajamento dos produtores rurais e a construção de parcerias cada vez mais comuns com ONGs contrastam com as tentativas de criminalização dessas organizações pela Confederação Nacional da Agricultura e pelos representantes ruralistas no Congresso que atentam contra a legislação florestal do Brasil. Os esforços dos produtores rurais do Xingu demonstram que não há incompatibilidade entre o cumprimento do atual Código Florestal e a produção agrícola responsável e sustentável.

CB, 02/06/2011, Opinião, p. 22

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