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O clima nas manchetes

OESP, Espaco Aberto, p.A2
Autor: NOVAES, Washington
23 de Jul de 2004

O clima nas manchetes
WASHINGTON NOVAES
Os debates sobre as relações do maior bioma brasileiro com as condições atmosféricas e climáticas em escala regional e mundial, no âmbito da III Conferência Científica do LBA (Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera da Amazônia), que envolvem 800 cientistas de muitos países, se desenvolvem em Brasília sob o impacto de duas notícias:
Um novo estudo de cientistas da Universidade de Brasília, da Universidade Estadual de São Paulo, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e da Universidade de Washington confirma que as queimadas e mudanças no uso do solo na Amazônia respondem pela emissão de 200 milhões de toneladas anuais de carbono na atmosfera (O Globo, 16/7); as inundações na Índia, em Bangladesh e no Nepal, em conseqüência de chuvas torrenciais relacionadas com mudanças climáticas, já deixaram mais de 10 milhões de desabrigados (o equivalente a toda a população da cidade de São Paulo) e centenas de mortos.
Embora o Brasil ainda não tenha compromisso de reduzir suas emissões de gases no âmbito da Convenção sobre Mudanças Climáticas e embora suas emissões totais estejam muito abaixo das que correspondem aos maiores emissores (EUA, China, Japão), 200 milhões de toneladas anuais de carbono significam pouco menos do que os países industrializados se comprometeriam a reduzir em suas emissões anuais se entrasse em vigor o Protocolo de Kyoto, que prevê para isso 5,2% das emissões totais (uns 300 milhões de toneladas).
Segundo o estudo, em 2003 (até outubro) foram 118.938 focos de calor gerados por queimadas na Amazônia brasileira, que já tem 63,1 milhões de hectares (631,3 mil km2) desmatados. Em média, cada hectare (10 mil metros quadrados) queimado emite 69 toneladas de gases, principalmente carbono. E o último levantamento (2002-2003) acusou a permanência de altas taxas anuais de desmatamento (acima de 20 mil quilômetros quadrados).
Não é difícil prever que, nesse quadro, cresçam as pressões sobre o Brasil, para que assuma compromissos de redução nessa área, quando nada a partir de 2012, ano em que começaria uma nova fase (os compromissos de Kyoto iriam até aí, envolvendo apenas os países industrializados) da convenção. Resta ver quando o tema assumirá o papel relevante que precisa ter nas preocupações governamentais. E quando a comunicação brasileira passará a dar maior importância a mudanças climáticas - que já são uma das principais preocupações da comunicação mundial, principalmente da Europa e Ásia, regiões que estão sofrendo pesadas perdas com as mudanças.
Segundo a European Environment Agency, o custo dos desastres atribuídos a mudanças climáticas em território europeu já supera 6 bilhões de euros por ano (mais de R$ 22 bilhões, equivalentes a 4,4% do PIB brasileiro). Sem falar nos custos para os sistemas de saúde gerados pela poluição do ar, responsável por 100 mil mortes de crianças por ano.
A Grã-Bretanha está particularmente inquieta com o tema. Principalmente depois que o principal conselheiro científico do governo, sir David King, afirmou que já existe na atmosfera terrestre uma concentração de dióxido de carbono equivalente à de 55 milhões de anos, quando se iniciou um grande degelo. É inquietante, se se lembrar que no final da última idade do gelo, há 12 mil anos, os oceanos estavam 150 metros abaixo de seu nível atual. E o Ártico está se derretendo muito rapidamente, assim como outras regiões geladas.
"Mudanças climáticas são o nosso maior problema de longo prazo", admitiu o primeiro-ministro britânico, Tony Blair, reconhecendo também que seria necessário reduzir em 60% até 2050 as atuais emissões de gases poluentes (mas as emissões de carbono continuam aumentando três partes por milhão ao ano). De qualquer forma, já se decidiu que o sistema de transportes britânico, uma das principais fontes de emissões, terá de reduzi-las em 20% até 2010. Começa-se a discutir até a necessidade de reduzir o uso da informática e da energia consumida em aparelhos domésticos, pois respondem pela emissão de 7 milhões de toneladas anuais de CO2 (com a energia que consomem, oriunda principalmente da queima de combustíveis fósseis).
As aflições européias aumentaram muito também em função de declarações dos presidentes de duas das maiores empresas petrolíferas (responsáveis por boa parte das emissões de CO2), Shell e British Petroleum, de que a questão das mudanças climáticas já é muito grave e precisa ser enfrentada sem perda de tempo. Só que a alternativas por elas oferecidas são a energia nuclear ou a injeção de CO2 no fundo do mar e em campos de petróleo esgotados - ainda muito polêmicas, para dizer o mínimo.
Como vencer, entretanto, a lógica econômica que está na base da matriz energética dependente de petróleo e carvão mineral? O mundo, diz a British Petroleum, tem reservas de petróleo para mais 41 anos às taxas atuais de consumo (eram 42,3 anos em 2002), graças às reservas provadas de 1,14 trilhão de barris (contra um consumo 78,1 milhões de barris por dia). O Brasil mesmo tem reservas de petróleo para atender durante 18 anos ao consumo atual de 1,55 milhão de barris/dia, 3,3% superior ao de 2002, e reservas de gás de 175,7 trilhões de metros cúbicos, suficientes para 67 anos. Os EUA consomem 20 milhões de barris/dia, um quarto do total mundial, tanto quanto Europa Ocidental e Oriental juntas. A China responde por 5,9 milhões de barris/dia, 7,6% do consumo total (e o aumenta em alta velocidade); o Japão, por 6,8%.
Mudar a matriz energética pode significar para um país a perda de importantes vantagens econômicas (dependendo das contas que se fizerem) - e por isso os EUA e Austrália (a maior exportadora de carvão mineral) se recusam a homologar o Protocolo de Kyoto. A Rússia, que com sua adesão pode permitir chegar ao total de 55% das emissões dos países que o homologarem, continua indecisa. Uma semana parece que vai, na outra recua - enquanto seus cientistas continuam a polemizar se o compromisso de reduzir emissões afetará o crescimento econômico.
"O Protocolo de Kyoto está moribundo", sentencia o jornal Le Monde. Pode ser. Insensatez é o que não falta no mundo. Mas com ela ou sem ela algum caminho terá de ser encontrado, enquanto parece haver tempo.

OESP, 23/07/2004, p.A2

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