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O clima na cidade de São Paulo

OESP, Espaço Aberto, p. A2
Autor: GOLDEMBERG, José
21 de Jul de 2008

O clima na cidade de São Paulo

José Goldemberg

A Prefeitura de São Paulo tem no momento uma excelente oportunidade de abrir caminho para a adoção de medidas que não só melhorem a qualidade do ar na cidade, mas contribuam também para reduzir a participação do Município nas emissões de gases que estão aquecendo a Terra e provocando mudanças do clima, com todas as suas características negativas.

Apenas a capital da China enfrenta uma oportunidade semelhante, e isto devido ao fato de que a Olimpíada de 2008 será realizada em Beijing, que é uma das cidades mais poluídas do mundo no momento. A situação naquela capital se tornou tão grave que o governo está transferindo indústrias para fora do perímetro urbano e adotando toda sorte de outras restrições ao tráfego para reduzir a poluição, que, aliás, é o preço que a falta de previsão acarreta.

São Paulo não está sob tal pressão, mas pode tomar iniciativas pioneiras que a coloquem como líder nessa área. A oportunidade está no projeto de lei Política Municipal sobre Mudança do Clima para São Paulo, que tramita no gabinete do prefeito para ser enviado à Câmara Municipal. Ele foi preparado com a colaboração do Iclei - que é uma associação não-governamental de governos locais pela sustentabilidade - e da Fundação Getúlio Vargas e foi objeto de amplas discussões.

O projeto de lei tem a finalidade principal de reduzir, na cidade de São Paulo, as emissões de gases de "efeito estufa", isto é, que são responsáveis pelo aquecimento da Terra. No processo, contudo, ele tem condições de ajudar a resolver os problemas locais mais urgentes, tais como as emissões de poluentes pelos milhões de automóveis e caminhões que circulam pela cidade, a disposição de resíduos sólidos urbanos, o tratamento de esgotos e efluentes e mudança do uso do solo, bem como o do dióxido de carbono. A cidade emite cerca de 15 milhões de toneladas de carbono por ano, que representam quase 10% das emissões de todo o País - excluídas as emissões da Amazônia, da qual cerca de 15% já foram desmatados. Na realidade, esta é a segunda vez que isto acontece em nosso país: no passado já destruímos a mata atlântica.

Apesar da contribuição relativamente modesta que a cidade pode fazer, ela poderá colocar-se na liderança desta área no País, assim como acontece com o Estado da Califórnia, nos Estados Unidos, pioneiro na adoção de medidas de redução de emissões.

As medidas propostas no projeto de lei são basicamente as seguintes:

Na área de transportes - Ampliação da oferta de transporte público, por meio da expansão do Metrô e de corredores expressos para ônibus, e restrição do acesso de veículos ao centro da cidade, como já está em vigor em Londres.

Na área de energia - Introdução de medidas de eficiência energética na cidade, por meio do aperfeiçoamento do Código de Obras e pelo aumento do uso de energias renováveis, como a captação da energia solar para aquecimento de água, já objeto de legislação municipal.

Na área de gerenciamento de resíduos - Incentivo da reciclagem de resíduos urbanos e coleta seletiva, sobretudo em grandes condomínios e shopping centers. A Prefeitura de São Paulo já conta com serviço de coleta seletiva e centrais de triagem, mas são necessários a expansão do programa de coleta e o desenvolvimento de atividades de conscientização da população.

Na área de uso do solo - Aumento de áreas verdes e parques urbanos; o setor privado será encorajado a criar reservas ambientais particulares.

Instrumentos para implementação dessas medidas são, entre outros, a redução de alíquotas de tributos para os empreendimentos adequados e o uso do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, que gerará recursos para a implantação de várias medidas, como já ocorreu com a captação de gases no Aterro Bandeirantes.

A grande inovação do projeto de lei em preparação, contudo, é a adoção de uma meta de redução de emissões de gases do "efeito estufa" de 30% até 2012, que é pioneira no Brasil.

O projeto de lei não prevê, no entanto, sanções para o descumprimento das metas, mas este é um defeito geral da Convenção do Clima e do Protocolo de Kyoto.

O governo federal tem-se recusado a adotar metas de qualquer espécie, desde 1997, quando foi adotado o Protocolo de Kyoto, e tornou essa posição o eixo básico de sua política ambiental, na contramão dos esforços que estão sendo feitos em muitos países nesse sentido e, sobretudo, em muitos Estados, como a Califórnia, e municípios de grandes cidades, como Nova York. Essas iniciativas foram tomadas apesar da resistência do governo norte-americano.

O argumento usado pelo governo brasileiro é o de que a adoção de metas poderia prejudicar o crescimento econômico do País, o que não é correto, pois está sobejamente demonstrado que a adoção de tecnologias modernas permite obter essas reduções e a melhoria resultante das condições ambientais sem prejudicar o crescimento e o desenvolvimento econômicos. Não há razão para repetir os erros do passado!

A iniciativa da Prefeitura de São Paulo poderá romper o imobilismo do governo federal e abrirá um debate nacional sobre os rumos que o País deverá seguir nessa área.

As metas de redução adotadas e um calendário para atingi-las podem ser flexibilizados e, provavelmente, a Câmara Municipal os tornará menos radicais, mas, no caso, é o princípio que importa. A sua introdução forçará a reorganização dos sistemas de transporte coletivo e de coleta e disposição de resíduos urbanos, o que trará outras vantagens para a população da cidade, além da redução das emissões de gases do "efeito estufa".

José Goldemberg é professor da Universidade de São Paulo

OESP, 21/07/2008, Espaço Aberto, p. A2

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