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'O cinema existe para fazer o homem sonhar', disse Cao Hamburguer

A Crítica (AM) - http://acritica.uol.com.br/
Autor: Aruana Brianezi
29 de Out de 2011

De malas prontas para Manaus, palco do lançamento mundial de seu mais recente filme, Xingu, o diretor conversa com A CRÍTICA sobre lições e aventuras de cinco anos 'vivendo' com os Villas Bôas.

A história dos irmãos Villas Bôas tem todos os ingredientes de um grande filme: heróis idealistas, cenários imponentes, muita aventura, drama e suspense. Durante cinco anos, o cineasta Cao Hamburguer dedicou-se ao desafio de combinar estes elementos em um filme que fizesse jus à trajetória de Orlando, Cláudio e Leonardo. O resultado, o longa-metragem "Xingu", será apresentado ao público pela primeira em Manaus, na abertura do 8o Amazonas Film Festival, dia 3. Antes da premiére mundial, no entanto, já é possível dizer que a tarefa não poderia ter ido parar em melhores mãos. Só alguém que acredita no poder dos sonhos seria capaz de traduzir, em 110 minutos de filme, a vida desses brasileiros que dedicaram sua existência a um desafiador ideal, transformando a geografia do País e inaugurando uma nova forma de enxergar os habitantes originais destas terras.

O resultado do trabalho dos Villas Bôas, também movidos por sonhos, tem o tamanho da Bélgica: o Parque Nacional do Xingu, que em 2011 completa 50 anos. Mas há também frutos intangíveis, como a inspiração que até hoje contagia quem conhece suas histórias. Cao Hamburguer foi um destes. Arrebatado pela emocionante viagem dos três irmãos, o cineasta conta nesta entrevista a A CRÍTICA como foi conviver com um Brasil distante dos grandes centros e com pessoas que seguem aproveitando o mágico poder do canto e da dança.

Retratar 40 anos de atuação dos Villas Bôas em 110 minutos de filme me parece um enorme desafio. Você considera a missão cumprida?

Impossível fazer um filme que dê conta de toda a incrível e maravilhosa vida dos irmãos Villas Bôas. Nosso filme é um pequeno recorte. É quase uma fábula, inspirada nesse caras tão extraordinários.

De quem foi a ideia do filme? E desde quando os Villas Bôas fazem parte de sua vida?

A minha geração ouviu falar dos irmãos Villas Bôas, mas não os conheceu de fato. Quando o Noel Villas Bôas, filho do Orlando, trouxe a história para o Fernando Meirelles (um dos produtores de "Xingu"), que me apresentou, pedi um tempo para aprender mais sobre eles e sobre todo esse universo. E acabei me envolvendo de forma arrebatadora.

No blog do filme você afirma que trabalhar entre os índios, em contato com a natureza, foi muitas vezes como viver um sonho. Por quê?

Filmamos no Estado do Tocantins, no cerrado e na mata do Parque do Cantão, divisa com o Pará. E filmamos no Parque do Xingu, aldeias e algumas coisas a mais. Guardadas as devidas proporções, nos sentimos como se estivéssemos em uma das expedição dos tempos dos Villas Bôas, tamanha as dificuldades, imprevistos e obstáculos que encontramos. Tivemos que ter muito jogo de cintura, paciência e poder de adaptação para conseguir cumprir o que tínhamos que filmar, no tempo que tínhamos. Aprendemos que contra a natureza não se brinca e não se briga. Se adapta.

Qual foi o momento mais difícil nas filmagens?

Houve muitos. O mais tenso foi quando precisamos de aviões para deslocarmos ou para filmar. As queimadas também nos obrigaram algumas vezes a trocar de locação no mesmo dia. Para você ter uma ideia do que passamos, basta relatar a véspera do primeiro dia de filmagem. Um dia sempre tenso em qualquer filme: pela manhã, chega a noticia de que o local escolhido para a filmagem da primeira cena do primeiro dia de filmagem havia sido queimado pela fogo na noite anterior, saímos então para procurar outro local. Tivemos que ir longe, uma hora de deslocamento.

E o plano inicial era filmar em que localidade?

Na pequena cidade de São Félix, no Tocantins, onde estávamos baseados. Quando voltamos da nova locação, recebemos a notícia que um monomotor com o nosso diretor de cenas aéreas e um produtor havia caído. Por milagre estavam todos vivos. Machucados, mas vivos. Quase não conseguimos jantar tamanho o choque.

Tudo isso na véspera do primeiro dia de filmagens?

Exato. E à noite, algumas pessoas da equipe tiveram os primeiros piripaques estomacais, muito provavelmente pela secura do ar e por problemas com a água. No dia seguinte, acordamos às 5 horas da manhã e começamos a filmar. E foi assim até o fim, aproximadamente 10 semanas depois.

Cassio Amarante, diretor de arte de Xingu, diz que o filme ajudará a mudar a visão que temos dos índios. Você concorda?

Espero que sim. Fizemos o filme pensando nisso.

Que lições você guarda dessa convivência com os povos da região do Xingu?

Eu fui, durante todo o processo, quatro vezes para o Xingu. Convivi bastante com os índios de lá. As lições que você tira dessa experiência são profundas e para sempre. Conviver com a cultura e filosofia desses povos é como olhar para um espelho tão nítido que assusta.

Estrear Xingu no Amazonas Film Festival terá um sabor diferente? Qual a expectativa para essa estreia?

Gosto desse festival. Meu último filme, "O Ano em que meus pais saíram de férias", abriu a mostra de 2006, também fora de competição (depois foi selecionado para o Festival de Berlim). Com o Xingu a simbologia de estrear o filme na Amazônia, no coração da floresta, na casa dos povos indígenas que ainda conseguem manter sua cultura, é muito forte. Espero que traga boa sorte à carreira do filme e à divulgação das ideias que, esperamos, sejam difundidas e discutidas a partir do filme.

Por que você decidiu ser cineasta?

Para ser sincero, o cinema foi a salvação depois de que percebi que não conseguiria ser músico. Me refugiei no cinema e na televisão. E estou muito feliz com a carreira, apesar de saber que os músicos são seres privilegiados. A eles estão reservadas as maiores emoções, as maiores viagens metafísicas e espirituais. Os índios, aliás, mostram bem que não são bobos: todos cantam e dançam. Muito. Se eles passam muito tempo sem dançar e cantar, eles ficam tristes e irritados.

Na sua opinião, para quê o cinema existe?

O cinema existe porque o homem branco, dito civilizado, perdeu, ou nunca desenvolveu, a capacidade de se transportar por diferentes realidades e dimensões. O índio desenvolveu esse poder com outro tipo de tecnologia há muitos séculos. Nós chegamos atrasados e mais pesados. Com câmeras, holofotes, etc... Mas ao menos conseguimos. Precisamos de uma parafernália sem fim, mas pelo menos conseguimos sonhar um pouco.

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