VOLTAR

O case Tucum Brasil: renda para as etnias e a arte indígena valorizada e vendida mundo afora

Draft projetodraft.com
Autor: Marcelo Marcos
10 de Jul de 2017

Imagine estar diante de um acervo de arte indígena brasileira de dezenas de etnias diferentes, cada uma delas com seu modo singular de produção, com cores, grafismos e sementes distintos entre si. A marca Tucum Brasil oferece essa possibilidade ao comercializar peças exclusivas, produzidas por essas etnias (31, ao todo). Criada por três sócios, o antropólogo e indigenista Fernando Niemeyer, 34, a empreendedora social e gestora Amanda Santana (esposa de Fernando), 34, e o geógrafo Thiago Vedova, 34, a Tucum fica no bairro de Santa Teresa, no Rio de Janeiro, faturou quase 1 milhão de reais no ano passado.

"Tucum" é o nome de uma palmeira abundante em algumas localidades do Brasil, cuja fibra - e também a folha - é usada para produzir novelos que servem como matéria-prima para o artesanato dessas diversas etnias indígenas brasileiras (a exemplo dos Kayapó, Krahô e Ticuna). Tudo começou quando Amanda Santana, que já trabalhava com moda, começou a ter contato com esses povos por meio do trabalho do marido, antropólogo.

"Nesse processo, ela conheceu vários produtos de arte e de artesanato indígena e ficava louca, achava aquilo muito lindo. E comprava. E quando ela vinha para o Rio de Janeiro, nos mais variados ambientes, principalmente nesse da moda, as pessoas ficavam muito maravilhadas com os brincos, pulseiras, colares, e ela percebeu que existia um mercado muito grande aí", conta Thiago, amigo e sócio do casal, com quem se uniu com a ideia, inicialmente, de "fazer um elo entre o espaço urbano do Rio de Janeiro e essa imensa quantidade de arte e artesanato que existe dos diferentes povos indígenas brasileiros".

POR QUE SE DIZ "POVOS DA FLORESTA"

Thiago, que é responsável pela comunicação e marketing da Tucum, se refere a "povos" e não somente às etnias ao falar dos produtores porque, além dos indígenas, há também os artesãos da borracha do Acre, as cooperativas de tramas e cores formadas por ribeirinhos da floresta amazônica, enfim, outros não-indígenas diretamente ligados à produção artesanal mestiça. São eles que colocam a mão na massa, ou melhor, na fibra. Cabe à Tucum apresentar-lhes a noção do mercado e, em alguns casos, estruturar a cadeia produtiva. Ele fala:

"Existem vários povos, várias realidades distintas. As relações variam, mas só tem uma regra: não compramos com atravessador"

Ele conta que com alguns povos a marca estruturou a cadeia, outros não, mas que a Tucum só compra diretamente das etnias e cooperativas de produtores. Dos seis funcionários, todos, mesmo os que trabalham no escritório, têm ou já tiveram a oportunidade de entrar em contato com o universo dos nativos, mas as idas às aldeias ficam principalmente por conta do casal Fernando e Amanda. "A gente costuma estar nos primeiros contatos, mas, depois de um tempo, a ideia é que eles já consigam receber as encomendas e entregar os pedidos pra gente", afirma Thiago.

UM TERÇO DO FATURAMENTO VOLTA PARA OS PRODUTORES

De acordo com ele, um dos princípios da Tucum é a transparência nos negócios e é isso que fortalece a relação com os povos da floresta. Um terço do faturamento é revertido aos indígenas e artesãos e, desse valor, 20% deve ser investido dentro da própria comunidade. Quando não há uma associação ou cooperativa envolvida no processo com determinada etnia, a Tucum administra uma espécie de fundo e, quando existe uma associação, 20% vai para ela e o restante fica com quem produziu a peça. "As relações de precificação são muito transparentes com os povos com os quais a gente trabalha. Até porque eles são altamente conectados, adoram se comunicar, falar! Então, nem que a gente quisesse, a gente conseguiria esconder o que a gente faz, os valores do nosso trabalho".

Por falar em valor, a valorização do produto foi essencial desde o início do processo. "Tinha coisas que eles vendiam para a gente por um preço muito baixo. Falamos: 'não dá para vocês venderem por menos que isso. Em quanto tempo vocês fazem essa peça? Como vocês obtêm a matéria-prima?'". Segundo Thiago, os parâmetros de preço incluem tempo de produção, matéria-prima (se é mais ou menos rara) e o potencial que o produto tem para ser vendido no mercado.

Tudo isso acaba refletindo no preço final e talvez explique um dado curioso: 80% dos compradores da Tucum, tanto da loja física quanto do e-commerce, são estrangeiros. Para o sócio, há duas razões para isso: pouca valorização do produto étnico nacional por parte dos brasileiros e os custos para manter um negócio no país. "A gente direciona uma grande parcela (do rendimento) aos artesãos, e no Brasil é muito caro ter uma empresa formal, ter um e-commerce e sustentá-lo, então, quem não valoriza nosso produto e o fortalecimento de renda que ele representa para esses povos tradicionais, acaba achando-o caro. No exterior isso muda muito, até porque o câmbio favorece, e isso é até considerado barato, principalmente por quem vem muito ao Rio".

QUANDO O ARTESANATO ENCONTRA O MUNDO FASHION

Embora não tenha sido a primeira e hoje não seja a única loja de artesanato indígena brasileiro, na visão de Thiago, o fato de a comunicação buscar "valorizar as pessoas, as histórias, os modos de vida e o patrimônio cultural" é o diferencial de seu negócio. Disso ele entende bem, já que alia suas experiências anteriores (que incluem já ter lidado com sustentabilidade em comunicação quando trabalhou para a Siemens) ao dia a dia da empresa. A seu ver, o diferencial foi projetar esse comércio para um lugar "mais sofisticado". "Conseguimos criar uma ponte efetiva entre a arte da floresta e a arte urbana", diz.

Essa união gerou, também, inovações em termos de produto. "Ao mesmo tempo em que temos um respeito muito grande pelas diferentes manifestações artísticas e culturais dos povos indígenas, também soubemos entender e valorizar uma parte da produção indígena inovadora, que utiliza modos tradicionais de produção e grafismos tradicionais, mas com novos materiais, produzindo peças que não são utilizadas tradicionalmente por esses povos."

É o caso, por exemplo, dos brincos de miçangas da etnia Kayapó, que estão entre os mais vendidos. De acordo com o empreendedor, o indígena, de um modo geral, não usa brinco, pelo menos não o tipo de brinco que produz para a Tucum, mas os ritualísticos, mais brutos, feitos com sementes. No entanto, eles entendem - muito por conta da sinergia com os sócios - essa diferença entre o uso próprio e o que tem mais potencial para ser comprado. "Muitas vezes, eles incorporam essas técnicas e alguns desses símbolos e recriam peças a partir de novos objetos, de novas produções". A Tucum também cria, mas sempre formando parceria entre os designers e os nativos.

A empresa começou em 2014 com um investimento inicial em torno de 80 mil reais, considerando estoque e a reforma da loja, e cresceu muito, em termos de faturamento, no ano passado, arrecadando cerca de 980 mil reais em vendas - impulsionadas muito pelas Olimpíadas no Rio de Janeiro e pelo aumento de estrangeiros comprando na loja física. O momento mais delicado, na visão de Thiago, é o que estão vivendo agora: "Este ano esperamos faturar menos. Estamos vivendo uma crise política e econômica no Brasil e o Rio de Janeiro é o epicentro dela".

Apesar das parcerias no exterior (eles têm parceiros em Londres, nos Estados Unidos e um espaço da marca em Portugal), foi preciso reduzir custos da operação. "Cortamos muita coisa agora e tivemos que buscar alternativas e usar a criatividade para manter a nossa compra e venda de artesanato e, como consequência, sobreviver com faturamento menor". Sobre o faturamento quase milionário, aliás, Thiago pondera:

"Nesse quase 1 milhão de faturamento, significa que mais de 300 mil reais foram direcionados para cerca de 30 etnias brasileiras. Somos um negócio social e não fazemos retirada de lucro: tudo é reinvestido no próprio negócio"

Se é fato que qualquer negócio, por mais próspero que seja, tem problemas no percurso até se estruturar, para um comércio diretamente ligado à causa indígena, então, dificuldades não faltam. "A Tucum trabalha com um universo que é muito cabeludo, que é a questão indígena. A gente lida com antropólogos, público engajado, Funai, indígenas... Ao longo do tempo, conforme ganhamos visibilidade, também recebemos muitos questionamentos.

Eventualmente o tom de uma determinada campanha ou promoção soava de uma maneira diferente do que a gente pensava, por exemplo".

COLECIONANDO APRENDIZADOS E FORÇA PARA CONTINUAR

Foi daí que veio um aprendizado, digamos, mais prático, já que os responsáveis tiveram que aprender a se comunicar melhor com seu público, esclarecendo dúvidas e adequando a estratégia de marketing. "Isso nunca foi uma crise. Era mais um amadurecimento na maneira de se comunicar. Mas crise, mesmo, é mais o impacto que a crise econômica no Brasil está tendo na economia e no comércio", afirma.

Outros aprendizados são menos práticos, mais sensíveis, adquiridos no contato com outras visões de mundo tão enriquecedoras, até para superar as visões que sequer pensamos ser preconceituosas. Ele fala:

"É muito interessante, curioso e bonito lidar com pessoas que têm uma cultura completamente diferente da sua"

E prossegue: "É um exercício de vida perceber outra cosmologia, outra forma de lidar com a natureza. Isso foi muito importante também para eu mesmo diminuir meu preconceito, de achar que o indígena tem que trabalhar no meu tempo".

Thiago conta que tem como inspiração para o seu trabalho uma campanha do ISA (Instituto Socioambiental) intitulada "Menos preconceito, mais índio", fundamental, segundo ele, para superar a ideia de que os indígenas são algo distante ou isolados da realidade brasileira: "Eles estão vivendo dentro de uma sociedade, são impactados diretamente e reagem, assim como nós, às mudanças e a tudo que cerca a nossa existência" .

O fortalecimento das relações entre a Tucum e o "povo da floresta", principalmente diante dos acontecimentos políticos atuais - a ameaça aos direitos indígenas - é o que motiva os sócios a seguir em frente, apesar dos obstáculos. "É muito difícil para uma etnia que está em uma situação financeira e política conturbada se manter economicamente forte para lutar contra esses grupos (que a ameaçam). Quando trazemos geração de renda para produção de arte de artesanato, estamos fortalecendo a cultura material e imaterial desses povos. Porque existem localidades em que os mais novos já não sabiam mais produzir determinadas peças, e hoje em dia eles estão aprendendo isso com os mais velhos. Quando a Tucum fortalece esses povos, ela está fortalecendo a transmissão desses conhecimentos, mantendo viva essa tradição".

http://projetodraft.com/o-case-tucum-brasil-renda-para-as-etnias-e-a-ar…

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.