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O campo, sob a otica do capital

JB, p.A2
Autor: KRAMER, Dora
16 de Jan de 2004

O campo, sob a ótica do capital
No comando do setor responsável por 37% do emprego e 33% do Produto Interno Bruto no Brasil, o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, acha que falta eficiência e visão capitalista na execução da reforma agrária.
Na opinião dele, o Estado gasta além do que poderia e resolve muito menos do que deveria.
O resultado é insatisfatório para todo mundo. A não ser para os que sobrevivem do problema: tanto os que fazem carreira política nos movimentos de sem-terra, até os que encontraram nos acampamentos um modo de viver sustentados pelas cestas básicas do governo.
Quando critica o projeto de reforma agrária em vigor, Roberto Rodrigues não se refere apenas a este governo, mas a todos os anteriores que, por equívocos na política agrícola, acabaram criando uma enorme dívida social com os excluídos da produção no campo.
O passivo, na visão do ministro, o poder público tem obrigação de resolver, sem permitir, no entanto, que a instrumentalização ideológica sustente um movimento como o MST, cujo mote é o conflito permanente com o setor agrícola produtivo.
Forma-se aí um típico desencontro entre presente e passado. Enquanto um ocupa-se da defesa de bandeiras com prazo de validade vencido há décadas, o outro sustenta a economia do país.
A politização, na visão do ministro, não acrescenta coisa alguma ao aperfeiçoamento institucional da democracia e ainda acaba impedindo o Estado de pagar sua dívida social.
Ela perpetua a lógica da reivindicação e do confronto, vive da ampliação de demandas impossíveis de serem atendidas e transforma os líderes políticos em protagonistas de uma causa cujos personagens principais deveriam ser o produtor excluído pelas agruras do setor e pelas conseqüências da modernização resultante da necessidade de superar os obstáculos.
O ministro lembra que, entre 1991 e 1995, os produtores rurais enfrentaram uma conjunção de episódios ruinosos para quem vivia num país de economia fechada, inflação alta e presença estatal forte: a abertura comercial sem nenhum tipo de proteção governamental; a estabilização da economia; e a falência das políticas públicas.
Isso, diz o ministro, produziu ''duas revoluções'': uma silenciosa, que acabou por capacitar o campo ao ponto de torná-lo carro-chefe da economia. A outra, barulhenta, levada a termo pelos que foram sendo deixados de fora do processo.
Em relação ao agronegócio - que inclui não apenas a produção agrícola, pois em termos de produção engloba de adubo a aço, passando por construção de estradas -, Roberto Rodrigues não está preocupado. ''Basta o Estado não atrapalhar.''
O que precisa ser resolvido de uma vez por todas, na opinião dele, é a questão da reforma agrária.
Para isso, faz a sugestão que vem fazendo aos diversos governos desde José Sarney: o Estado fornece - doando ou vendendo, tanto faz - a terra, e o setor privado, através das cooperativas agrícolas, organiza a produção dando acesso àqueles que perderam suas terras e aos realmente interessados em viver da lavoura.
''Com isso, o governo se desobriga de uma despesa enorme, a sociedade pára de pagar a conta, as cooperativas aumentam seu poder político no mercado e o produtor tem onde e como trabalhar.''
Sim, mas aí o MST e adjacências deixariam de existir como entes políticos. ''Seguramente. Ficariam os trabalhadores do campo e muito provavelmente os desempregados urbanos. Os políticos procurariam outra área de atuação, talvez um partido.''
De nenhum dos presidentes aos quais apresentou a proposta - na condição de dirigente de entidades do setor produtivo, como a Sociedade Rural Brasileira -, Roberto Rodrigues recebeu resposta.
Agora, ministro, conversou a respeito também com o presidente Luiz Inácio da Silva e ficou animado. Diz que, se a proposta tem possibilidade de vingar, ''é justamente neste governo''.
Ante a incredulidade do interlocutor quanto à disposição do PT retirar da reforma agrária o caráter político-ideológico, o ministro da Agricultura não se alonga: ''O presidente é um homem pragmático.''
E Roberto Rodrigues, considerando-se a chance de o governo tirar a bandeira das mãos do MST para profissionalizar o tema, é um ministro disciplinado, exímio na administração das palavras.

JB, 16/01/2004, p. A2

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