VOLTAR

O caminho do baixo carbono

O Globo, Razão Social, p. 16-17
16 de Mar de 2010

O caminho do baixo carbono
Seminário no Centro do Rio reúne economistas e ambientalistas para discutir propostas para uma nova economia mundial

Amelia Gonzalez e Martha Neiva Moreira

Diz-se da sustentabilidade que é o jeito de usar hoje os recursos naturais de forma a deixar às futuras gerações a opção de viver sem privações. No entanto, este conceito, criado na década de 70, foi pensado depois de a humanidade já ter feito um grande estrago no planeta. Como mostram várias pesquisas atuais, estamos gastando muito mais do que a Terra tinha para oferecer. Portanto, cabe à geração que hoje tem cabelos brancos e que, embora tenha se beneficiado involuntariamente da farra, não teve voz para dar limites aos gastadores, pensar numa solução que a cada dia se torna mais urgente. E a resposta para este desafio, segundo o escritor e economista Eduardo Gianetti, é "a transição para uma economia de baixo carbono."
Para ajudar a refletir sobre como se fazer esta transição de maneira eficiente, o Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio) e o Instituto Arapyaú de Educação e Desenvolvimento Sustentável promoveram, no início do mês, o seminário "O setor energético e a transição para a economia de baixo carbono", que reuniu na mesa que fechou o evento, além de Gianetti, o economista e ambientalista Sergio Besserman e a senadora Marina Silva. Gianetti focou sua palestra na questão dos preços das coisas que, segundo ele, hoje estão distorcidos, o que não colabora em nada para uma mudança de cenário econômico e ambiental.
Se eu fizer uma geradora de eletricidade à base de energia solar, isso custará 15 centavos de dólar por kilowatt/ hora. Se eu fizer uma geradora de eletricidade à base de carvão, ela custará 3 a 4 centavos de dólar por kilowatt/ hora, porque é muito mais barato.
No entanto, a emissão de CO2 produzida pela usina a carvão não está sendo contabilizada. Outro exemplo: quando eu pego um avião para ir de São Paulo ao Rio, ou a qualquer outro lugar, não vou pagar, embutido na passagem, a emissão de CO2 que esta viagem causou na atmosfera - disse ele.
Gianetti acha que os preços estão refletindo uma visão monetária, mas são cegos para o impacto ambiental.
Muitos economistas preferem ainda não levar em conta este fator, como também não considerar a questão social no cenário econômico. São estes que estão, como lembrou Bessermann, encarando a crise econômica - que em 2008 levou à falência grandes e poderosas instituições como um filme, "ou um seriado de televisão":
Sabe aqueles seriados que reproduzem plantões médicos? O paciente está à morte, com uma crise de alguma coisa que os médicos não sabem bem o que é. Mas eles conseguem tirar o paciente da crise aguda e o mandam embora. Na verdade, temos problemas imensos ainda pela frente. Só poderemos dizer que saímos da crise econômica quando houver recuperação da taxa de investimento, e que ela seja sustentada. O que tem tudo a ver com a transição para uma economia de baixo carbono porque estamos falando, o tempo todo, de investimento.
No curto prazo, no cenário até 2020 haverá incertezas relevantes de precificação - disse Besserman.
É por isso que, segundo Gianetti, uma mudança de paradigma econômico teria que passar por uma mudança de preços. O que está diretamente ligado também a uma mudança de comportamento da sociedade. A humanidade hoje está na escalada do consumo. Se, na corrida armamentista, os países inventam cada vez armas novas, nas famílias brasileiras acontece algo parecido com relação ao consumo.
O economista lembra que há dois tipos de bens de consumo: os normais e os posicionais: Se eu tomo um copo de leite, o meu prazer não depende dos outros, é uma coisa que tem a ver comigo e com aquele copo de leite na minha frente.
Uma outra possibilidade é eu querer muito comprar um automóvel BMW.
Vou para o mercado de trabalho, arranjo um emprego, batalho muito e consigo comprar um BMW. No dia seguinte, acordo, olho em volta e descubro que todos os carros da cidade são BMWs iguais ao meu. Será que isso vai me tornar uma pessoa admirada na sociedade? Não. É que o valor que se dá ao bem posicional depende do fato de os outros não terem acesso a ele. Diferente do copo de leite. O que se pode dizer é que o bem posicional é um tipo de escassez que jamais será vencida.

Não há progresso econômico que dê jeito - disse ele.
É, portanto, hora de se pensar também numa mudança ética, disse a senadora e candidata a presidência da República, Marina Silva:
Não está em discussão o que a sociedade quer, que é manter a qualidade de vida. Mas isso tem a ver com a cultura, os conhecimentos prévios que se tem. Ter uma arma, por exemplo, é um bem posicional nas favelas, quase como ter um BMW no asfalto. O que quer dizer que a visão de mundo muda de acordo com o contexto cultural.
Uma pesquisa recente mostrou que em Los Angeles, nos Estados Unidos, de cada cinco jovens, três tinham problemas de ansiedade associada ao adiamento do prazer (não poder comprar o que quer à hora que quer), à decepção (não ter o bem que gostaria de ter) e ao peso da responsabilidade (trabalhar duro para poder comprar, comprar, comprar) - disse Marina.
É este afã de consumir que torna a humanidade tão depredadora. Segundo pesquisa recente do Worldwatch Institute, em 2008 foram vendidos no mundo 68 milhões de veículos, 85 milhões de refrigeradores, 297 milhões de computadores e 1,2 bilhão de telefones celulares. Se contar que, dos 6 bilhões de habitantes do planeta, há apenas cerca de 1 bilhão economicamente capazes de consumir tais produtos, a conclusão certa é: estamos comprando muito. Ainda segundo a mesma pesquisa, se todos vivessem como os Estados Unidos, que em 2006 foram responsáveis, sozinhos, de 32% de tudo o que se consumiu no planeta, a Terra só suportaria 1,4 bilhão de pessoas. E haja energia para tanta produção.
Na parte da manhã, o seminário levou alguns técnicos para discutir justamente a questão crucial: como se conseguir criar um caminho para obter fontes renováveis de energia? Para o professor José Eli da Veiga, da USP, convidado para abrir o encontro, "temos 20 anos até que a questão energética do país se torne um problema grave de fato":
Se não cuidarmos disso agora teremos que nos debruçar sobre o balcão de tecnologias usadas por outros países - disse.
Para Eli da Veiga, o Brasil ainda é um exemplo ruim de eficiência energética e precisa entender que há mais oportunidades neste setor do que sacrifícios.
Foi o que aconteceu nos países escandinavos que, segundo o economista, migraram para uma economia de baixo carbono antes mesmo de a questão do clima estar no topo de agenda internacional. A causa: dependiam 100% do petróleo, e com a crise dos anos 70, tiveram que buscar fontes alternativas de energia.
Nesses países, os empresários foram notando que a transição para uma economia de baixo carbono não era um sacrifício, mas uma fonte para novos negócios. A consciência deles acabou resultando em mudanças também institucionais nesses países. O que precisamos entender é que há mais oportunidades do que sacrifícios neste campo, independentemente do que o mundo venha a decidir sobre as questões climáticas disse ele.
Mas a visão de governo ainda é um pouco diferente. Embora haja um consenso no que se refere à necessidade de o Brasil investir em eficiência energética e reconhecimento que o investimento em fontes renováveis seria uma das alternativas, a estratégia ainda é apostar em hidrelétricas, por poder oferecer um preço mais barato aos consumidores. Foi o que disse Maurício Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisas Energéticas (EPE), entidade ligada ao Ministério de Minas e Energia, que dividiu a mesa que contextualizou a questão energética no país com o empresário David Zilberstein, e o representante do Greenpeace Ricardo Baitelo.
Não devemos abrir mão dos recursos hidrelétricos, por ser uma energia barata. Fizemos leilão da eólica, e o que conseguimos foi um valor duas vezes maior que as hidrelétricas disse Tolmasquim.
Assim mesmo, ele informou, o governo vai tentar ampliar ao máximo a entrada de fontes renováveis na matriz energética do país. Ricardo Baitelo, coordenador da campanha de Energias Renováveis do Greenpeace, criticou a prevalência da energia hidrelétrica em nossa matriz energética. Ele diz que não é uma opção socialmente justa, pois gera um grande impacto ambiental. E defende um sistema energético inteligente para o país, que busque várias fontes de energia.
A criação de redes inteligentes de fornecimento de energia diminui o risco de apagões e favorece o uso racional - disse Baitelo.
As duas mesas seguintes, de inovações tecnológicas e experiências corporativas da Vale e Petrobras, deu o tom do que ainda falta para que possamos ir ao encontro da economia de baixo carbono. Os palestrantes deixaram claro que o investimento em pesquisa e desenvolvimento ainda precisa de mais estímulos. E que o sistema financeiro precisa ajudar.

Para Otávio Lobão Vianna, chefe do departamento de operações de Meio Ambiente do BNDES, só é possível crescer numa economia de baixo carbono com um sistema de taxas sobre as emissões de gases de efeito estufa.

Vianna disse que só 30% das empresas pertencentes ao IBRx 50, espécie de referencial para investidores da Bovespa, reportam suas emissões. Mesmo assim, aposta que, seja qual for o mecanismo adotado de taxação de GEEs, o importante é que ele tenha credibilidade, baixo custo, sustentabilidade a longo prazo, suporte político e flexibilidade.
A indústria brasileira pode ter duas vantagens na economia de baixo carbono: matriz energética limpa e créditos de carbono.

José Miguez, coordenador geral de Mudanças Globais do Ministério de Ciência e Tecnologia, afirmou que a redução de emissão de GEEs só poderá ser conseguida com investimento em tecnologias. No entanto, na corrida de projetos com este fim, outros países podem chegar primeiro.

Hoje há 5804 projetos de Mecanismos de Desenvolvimento Limpo no mundo, a maioria está na China e na Índia - disse.
O que falta para o Brasil? Weber Neves do Amaral, professor do Departamento de Ciências Florestais da Universidade de São Paulo (USP), resumiu: uma espécie de maestro que organize as diferentes iniciativas.

Otávio Lobão: A indústria pode ter duas vantagens na economia de baixo carbono

Eduardo Gianetti: Os prreços hoje refletem uma visão monetária, não o impacto ambiental

Sergio Besserman: No curto prazo, até 2020 haverá incertezas relevantes de precificação

Maurício Tolmasquim: Não devemos abrir mãos dos recursos hidrelétricos

O Globo, 16/03/2010, Razão Social, p. 16-17

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.