O Globo, Rio, p.24
15 de Abr de 2004
O camarão que virou presença rara no ParaíbaTulio BrandãoA famosa lagosta do Baixo Paraíba é muito mais que uma carne macia para Domingos Afonso. Com os crustáceos capturados ao longo de seus 50 anos, o pescador analfabeto garantiu um futuro mais farto para os três filhos, todos universitários. Ironia do destino: eles agora correm o risco de não mais degustar o prato que os sustentou. Durante décadas, a pesca predatória, a Festa da Lagosta de São Fidélis e ainda a degradação do Rio Paraíba do Sul deixaram sob ameaça de extinção o crustáceo, na verdade um camarão (pitu) tão grande atinge 48 centímetros que ganhou o nome de lagosta. A escassez virou um símbolo do descontrole da pesca no Paraíba. Projeto tenta repovoar rio com o crustáceo A fartura das décadas passadas desapareceu do rio. A ignorância foi a isca para agravar o problema. A pesca era mais intensa nos meses que antecediam o evento (realizado em abril), justamente de janeiro a março, período de maior ovulação do animal. Só no primeiro trimestre de 1972, por exemplo, sete toneladas do crustáceo foram pescadas, interrompendo o ciclo reprodutor. Domingos percebeu o sumiço da espécie e, ao lado de Joacy Ferreira Gonçalves, criou um projeto de repovoamento na colônia Z-21. Na década de 70, um biólogo alemão veio estudar as lagostas e me falou: É uma pena, mas as lagostas vão desaparecer do rio. Isso numa época em que o Paraíba parecia a Avenida Brasil, de tanto farol (as antenas dos crustáceos) fora dágua. De tanto pegarem lagosta ovada, elas sumiram. Decidimos reagir conta Domingos, de 60 anos, vice-presidente da colônia. Em 1988, foi realizada a última grande festa da lagosta, mas a pesca predatória não acabou em São Fidélis. Diante da crise, a colônia iniciou, ano passado, um projeto de repovoamento artesanal da espécie. Os pescadores tiram a lagosta ovada do rio, levam-na para um aquário e esperam a desova. Depois, levam as larvas protegidas para a água doce. Estavam em plena experiência quando os rejeitos da Indústria Cataguazes de Papel, que vazaram no Rio Pomba, chegaram ao trecho fidelense do Paraíba do Sul, em 2003: Vimos que o repovoamento estava dando certo quando fileiras enormes de lagostas saíram sufocadas pelas margens do rio, buscando abrigo para fugir daquele veneno. Em compensação, nosso projeto voltou à estaca zero. Mas já recomeçamos, vamos conseguir repovoar esse rio acredita Joacy, presidente da Z-21. Bióloga sugere dois anos de proibição da pesca Nos primeiros levantamentos feitos pela colônia este ano, a lagosta deu sinais positivos de recuperação: em 30 dias, sete pescadores retiraram 2.010 crustáceos do rio, o que corresponde a 290 quilos. A situação pode ficar ainda melhor porque Elane Oliveira da Silva, uma bióloga de São Fidélis, na época universitária, estudou durante um ano a espécie e elaborou regras de pesca controlada para regularizar a situação. No estudo, ela sugeriu um período de dois anos de proibição integral da pesca dessa espécie e, depois disso, um defeso (para machos e fêmeas) de janeiro a março, época em que os pitus são mais férteis. Além disso, passaria a ser proibida a pesca de espécimes menores que 11,5 centímetros. Se conseguirmos tornar efetivas essas regras, poderemos afastar o risco de extinção. Atualmente, a espécie está na lista estadual de espécies ameaçadas disse Elane. Um bom sinal veio do escritório do Ibama de Campos, que encampou a idéia e, usando os parâmetros estabelecidos por Elane, sugeriu a criação de uma portaria regional para a preservação da espécie. Reunimos várias informações para decidir pela portaria: o estudo de Elane, o declínio da pesca local e, sobretudo, o pedido dos pescadores diz Rosa Maria Castelo Branco, chefe do escritório do Ibama de Campos. Nesta semana, o pedido será encaminhado para a diretoria do órgão em Brasília, já que o Rio Paraíba do Sul é de jurisdição federal. Vinte e cinco toneladas de manjuba pescadas este ano Enquanto não revivem a fartura das lagostas, os pescadores de São Fidélis ganham a vida com outras espécies, como a manjuba, que tem subido o rio desde a foz e enchido a rede dos fidelenses. Neste ano, segundo a colônia Z-21, já foram pescadas 25 toneladas do peixe, melhor marca da cidade nos últimos 15 anos. Isso porque ainda há redes ilegais na foz do rio, em São João da Barra. No dia em que estiver tudo nos conformes, vai saltar manjuba dentro do barco brinca Joacy.
A sérieDOMINGO: O risco de colapso no Paraíba do Sul SEGUNDA: Os peixes deformados do fundo do rio TERÇA: O esgoto das prefeituras no Médio Paraíba ONTEM: Algas tóxicas matam cobaias no Funil AMANHÃ: Na foz, 400 casas destruídas pelo mar
O Globo, 15/04/2004, p. 24
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