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O Brasil incomoda, no bom sentido

OESP, Economia, p. B11
Autor: FERREIRA, Elisa
07 de Out de 2007

O Brasil incomoda, no bom sentido
Parlamentar ataca exigência para o etanol brasileiro na UE: 'Por que não temos certificação para o petróleo?'

Entrevista: Elisa Ferreira deputada do Parlamento Europeu e ex-ministra de Meio Ambiente de Portugal

Jamil Chade

O Brasil terá de enfrentar um dos lobbies mais organizados da Europa para conseguir acesso ao mercado da UE para o etanol. Em entrevista ao Estado, uma das principais deputadas do Parlamento Europeu na questão do clima e ex-ministra de Meio Ambiente de Portugal, Elisa Ferreira, denuncia uma resistência em relação ao etanol importado, liderada por empresas de petróleo e outros grupos de interesse. 'O Brasil está incomodando, no bom sentido.' Ela ainda ataca a decisão da UE de montar um sistema de certificação para a entrada do etanol: 'Por que é que não temos uma certificação para o petróleo que importamos?' A seguir, os principais trechos da entrevista.

Observamos na Europa uma crescente reação contra o etanol por motivos ambientais e sociais. Como a sra. avalia isso?

A percepção na Europa é muito equivocada. A visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Comissão Européia (há dois meses) para falar de etanol quebrou muitos tabus. Mas quando há lobbies tão fortes sempre vão arrumar argumentos para se opor ao etanol.

Quem são esses grupos?

Há interesses instalados na refinaria de petróleo e há uma hábito de relação com os países exportadores de petróleo.

Esses grupos estariam ligados a certos parlamentares europeus?

Não imagino que seja uma questão de corrupção. Seria mais uma hábito de ser influenciado por certos argumentos. No momento em que os temas ambientais ganham projeção, se tornou normal falar que a cana-de-açúcar é plantada em zonas de floresta e destrói a Amazônia. Está claro nos últimos meses que as zonas usadas pela cana não estão na Amazônia. O novo argumento então surgiu dizendo que o problema, de fato, era que a cana estaria deslocando a soja do Centro-Oeste para a Amazônia. O argumento vai se ajustando. Por isso é que precisamos reuniões de esclarecimentos. Posso dizer que há um grupo de parlamentares que não quer que o discurso volte à estaca zero na Europa e estamos atentos a esses novos argumentos. Mas precisamos receber informações do governo brasileiro para que possamos defender a posição do País no Parlamento Europeu.

Mas essa estratégia de usar informações incorretas não teria a finalidade exatamente de manter certas barreiras?

Claro que sim. Mas isso é normal quando uma preferência a um grupo será afetada. Nesse momento, a Europa não conta praticamente com carros flex fuel e é evidente que está garantido o mercado para os produtores de petróleo. Não faz sentido que as marcas de veículos da Europa tenham carros flex fuel no Brasil e não na Europa. Por isso é que precisamos desmontar esses argumentos baseados em informações equivocadas para que possamos ir até o fundo das questões. O que não podemos é deixar que a verdade seja substituída por uma verdade artificial. O Brasil incomoda, no bom sentido.

A Europa, porém, já deixou claro que terá de importar uma certa parcela de seu consumo de etanol até 2020 para atingir sua meta de ter 10% dos carros movidos ao biocombustível. Ao mesmo tempo, prevê-se a criação de uma certificação ambiental para esses produtos.Com isso será feito?

Teremos de importar. Mas, curiosamente, hoje se colocam questões que não foram debatidas em relação ao petróleo. Alguém já viu alguém pensando em certificação sobre refinarias? Temos de dizer as coisas como são. Na Europa não produziremos biocombustíveis de forma competitiva.

Qual é o papel hoje do Brasil na Europa ?

A presidência portuguesa da UE colocou estrategicamente o Brasil na agenda e conseguiu um espaço bom. O Brasil nesse momento é uma das grandes potências emergentes. Não fazia sentido a Europa não ter uma relação privilegiada. Causou até perturbação interna na Europa, inquestionavelmente. Sempre que se mexe no statu quo, há ressentimentos. A máquina estatal da Europa estava montada numa relação com a América Latina canalizada pelos países de língua espanhola. Essa relação com o Brasil agora precisa ser consolidada, para o bem da Europa.

OESP, 07/10/2007, Economia, p. B11

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