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O Brasil em Paris

O Globo, Opinião, p. 19
Autor: WEGENAST, Tim
06 de Dez de 2015

O Brasil em Paris

TIM WEGENAST
Tim Wegenast é cientista político e professor da Universidade de Konstanz, na Alemanha

A conservação de matas nativas é, certamente, a mais óbvia e importante contribuição brasileira para reverter a crise climática global
O mundo reúne-se em Paris para tentar salvar o que praticamente não tem mais salvação. A concentração de chefes de Estado nunca foi maior que na atual 21ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-21). O presidente americano, Barack Obama, prevê o "momento da virada" e pede para que comecemos a trabalhar. A presidente Dilma defende um acordo "ambicioso" e com "peso de lei", ressaltando que os brasileiros não estão alheios às mudanças climáticas. De fato, o Brasil carrega medidas pendentes na bagagem. É hora de desfazer as malas.
Renomados cientistas advertem que a famosa "meta de dois graus" já é inatingível e que emissões negativas serão necessárias para evitar uma catástrofe. Abrigando a Floresta Amazônica, o maior armazém de dióxido de carbono do mundo, o Brasil tem muito a oferecer. Em Paris, Dilma compareceu a um evento paralelo para discutir a proteção das florestas. Infelizmente, não apresentou propostas concretas que ressaltassem o compromisso brasileiro de enfrentar o aquecimento global.
A conservação de matas nativas é, certamente, a mais óbvia e importante contribuição brasileira para reverter a crise climática global. Prorrogar a moratória da soja para além de 2016, por exemplo, é uma entre várias medidas eficazes para conter o desmatamento na Amazônia. O acordo voluntário entre governo, setor produtivo e sociedade civil evita a comercialização de grãos plantados em áreas recentemente desmatadas.
Além disso, é preciso discutir um melhor marco regulatório ou a coibição de concessões petrolíferas em território amazônico. As atividades da petroleira Chevron na Amazônia equatoriana servem de alerta. Por sorte, nenhum dos blocos localizados na Bacia Amazônica brasileira foi arrematado em leilão promovido pela Agência Nacional do Petróleo há cerca de dois meses. Desmatar para produzir combustíveis fósseis é um duplo golpe para futuras gerações. O mesmo pode-se dizer para a questão da liberação de atividades mineradoras em unidades de conservação proposta pelo Novo Código de Mineração em tramitação.
A intenção de ampliar os investimentos em fontes fósseis, prevista no Plano Decenal de Energia (PDE 2024), choca-se com o discurso de Dilma em Paris. Ao instalar novas usinas termoelétricas em Candiota, no Rio Grande do Sul, o Brasil equiparase a outros países como China, Índia ou Indonésia, que expandem seus investimentos em carvão mineral. Nada justifica o emprego do mais poluidor dos combustíveis em um país com enorme potencial para a geração de energia limpa e barata.
Minimizando o papel de energias alternativas como a solar ou eólica no ano passado, Dilma agora quer "estocar vento". Ela está certa. Porém, a meta de que, até o ano 2030, 15% do consumo anual de energia deverão provir de fontes renováveis é bastante modesta. Estudos apontam a possibilidade de dobrar a participação de fontes alternativas como eólica, biomassa, pequenas centrais hidrelétricas e solar fotovoltaica na matriz energética brasileira em poucos anos. Projetos de enorme impacto ambiental e rentabilidade questionável, como a planejada usina hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, na Amazônia, se tornariam obsoletos. Por enquanto, o que falta é vontade política.
Prorrogar a moratória da soja, coibir a exploração petrolífera e a mineração na Amazônia ou impulsionar energias alternativas é, no mínimo, dificultoso, dentro de um cenário político brasileiro corrompido pelos interesses particulares de ruralistas e mineradoras. O fim do financiamento empresarial de campanhas eleitorais é um tímido sopro de esperança. Reduzir o nível de desmatamento nacional ou investir em fontes energéticas renováveis não é apenas um favor brasileiro ao resto do mundo; significa gerar conhecimento e empregos, proteger o patrimônio étnico e cultural, expandir a oferta de energia com menores impactos socioambientais e reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Enfim, comecemos a trabalhar.

O Globo, 06/12/2015, Opinião, p. 19

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