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O Brasil e o aquecimento global

OESP, Espaço Aberto, p. A2
Autor: GOLDEMBERG, José
16 de Abr de 2007

O Brasil e o aquecimento global

José Goldemberg

O problema das mudanças do clima resultantes do aquecimento do planeta deixou de ser uma preocupação de acadêmicos e passou para o plano político. Importantes decisões deverão ser tomadas este ano para enfrentar o problema, e o Brasil não pode ficar ausente delas.

A evidência científica de que a Terra está mais quente é insofismável; a temperatura média já subiu quase um grau centígrado no último século e, se nada for feito, subirá mais dois graus até o fim deste século. As conseqüências serão devastadoras. As mudanças de clima já se estão tornando evidentes no mundo todo e até tufões começaram a ocorrer no Sul do País. Segundo informações de pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o nível médio do Oceano Atlântico já subiu 40 centímetros nos últimos cem anos e subirá mais ainda neste século, ameaçando as regiões costeiras do País. O mais grave problema que nosso país vai enfrentar, contudo, é a "savanização" da Amazônia, que vai tornar-se mais seca e com isso se reduzirão ainda mais as chuvas no restante do País, sobretudo no Nordeste, que se tornará mais seco do que já é hoje.

Todos os demais países do mundo estão começando a sofrer efeitos semelhantes, porque o aquecimento da Terra não respeita fronteiras. Emissões de gases que provocam o aquecimento da Terra, na China ou nos EUA (principalmente por causa da queima de combustíveis fósseis como carvão, petróleo e gás), contribuem da mesma forma que as emissões resultantes do desmatamento da Amazônia, que continuam elevadas, colocando o Brasil no quinto lugar entre os maiores emissores mundiais. Nesta questão é inútil procurar culpados, porque, em maior ou menor grau, somos todos os que estamos contribuindo para o problema.

A Convenção do Clima assinada no Rio de Janeiro em 1992 e o Protocolo de Kyoto, em 1997, levaram os países industrializados a se comprometer a reduzir suas emissões, mas os outros grandes emissores, como a China, a Índia, a Indonésia e até o Brasil, ficaram livres desses compromissos, com a justificativa de que reduzir suas emissões prejudicaria seu desenvolvimento. A linguagem da Convenção do Clima, que criou "responsabilidades comuns, mas diferenciadas" entre os países industrializados e os países em desenvolvimento, sem dizer claramente quais são elas, tem, na prática, sido usada para encobrir a inação. Ela poderia até ser considerada razoável há 15 anos, mas o crescimento econômico da China tornou este país um emissor quase tão importante quanto os EUA. Poder-se-ia também argumentar que os grandes países em desenvolvimento (inclusive o Brasil) se estão tornando emissores importantes apenas há algumas décadas, enquanto os países industrializados já são grandes emissores desde o início do século 20. A posição inflexível dos países em desenvolvimento de não aceitarem nenhuma limitação nas suas emissões teve o efeito perverso de levar os EUA (maior emissor mundial) a se recusarem a aderir ao Protocolo de Kyoto enquanto China, Índia e os outros grandes emissores não aderissem também.

Não é possível continuar a usar esta desculpa. É preciso agora enfrentar o problema com maturidade e fazer um novo acordo entre os grandes emissores para enfrentar o problema, após quase 15 anos de quase total imobilismo.

A União Européia, sob a liderança de Angela Merkel, acaba de dar um passo importante nesse sentido, decidindo que até o ano 2020 o bloco europeu reduzirá suas emissões em 20%, o que será feito principalmente pelo aumento do uso de energia renovável (ventos, energia solar, biomassa e outros), que deverá atingir 20% da matriz energética européia, onde ela hoje representa apenas 6%. Lamentavelmente, a União Européia só responde por cerca de 15% das emissões, o que não resolve o problema.

O Brasil liderou um movimento nessa direção na Conferência de Johannesburgo, na África do Sul, em 2002, propondo que a contribuição das energias renováveis, no mundo todo, aumentasse para 10% no ano 2010, o que não foi aprovado devido à resistência dos países produtores de petróleo, EUA e até alguns governos pouco esclarecidos da África.

A situação, hoje, mudou porque há uma conscientização mais clara de que as mudanças climáticas terão enorme custo se nada for feito, como demonstrou claramente o Relatório Stern, preparado para o governo britânico.

É preciso, pois, que o governo brasileiro retome a posição de vanguarda e liderança que teve em 2002 na África do Sul e se una à China, Índia e outros países do Grupo dos 77 para adotar medidas concretas juntamente com os países industrializados para reduzir as emissões mundiais. O Brasil poderia fazê-lo facilmente reduzindo o desmatamento da Amazônia, sem prejudicar o desenvolvimento econômico do País.

Há uma oportunidade excepcional para isso, que é a reunião do G-8 (as maiores economias dos países industrializados), em julho, em Berlim, à qual comparecerão como convidados os cinco grandes dos países em desenvolvimento (China, Índia, Brasil, África do Sul e México). Lá poderá ser feito um acordo para que todos os países, incluindo os EUA, assumam responsabilidades proporcionais às suas contribuições para o aquecimento global, abandonando a retórica, que se mostrou vazia, de "responsabilidades diferenciadas".

A regra da proporcionalidade é usada para definir a contribuição financeira dos diversos países às instituições internacionais e poderia ser usada numa nova Convenção do Clima. Há formas de fazer isso que levam em conta as emissões feitas no passado. O essencial, neste momento, é tomar uma decisão política e orientar o Itamaraty para as negociações necessárias, como foi feito no período que antecedeu a Conferência do Clima de 1992, que só foi um sucesso devido à liderança que o Brasil exerceu na ocasião.

José Goldemberg é professor da Universidade de São Paulo

OESP, 16/04/2007, Espaço Aberto, p. A2

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