VOLTAR

O Brasil de olho no Banco Mundial

FSP, Mais, p. 18
Autor: LEITE, Marcelo
19 de Set de 2004

O Brasil de olho no Banco Mundial

Marcelo Leite
colunista da Folha

O futuro da Amazônia brasileira, e o lugar da soja nele, volta com promessa de estrondo à pauta do que se poderia chamar de opinião pública internacional, assim como as estradas e as hidrelétricas atraíram chuvas e trovoadas nos anos 1980. O primeiro grande debate sobre o tema se dá num palco distante da mata e do Brasil, a direção do Banco Mundial (Bird). Representantes de organizações não-governamentais brasileiras devem reunir-se amanhã por teleconferência com James Wolfensohn, presidente do Bird, para tentar impedir um ramo do banco de dar na quinta-feira o que consideram um passo em falso, capaz de devolver a instituição ao atoleiro socioambiental em que chafurdou durante anos.
O pomo da discórdia é o tratamento a ser dado a um pedido de financiamento de US$ 30 milhões do Grupo André Maggi para expandir a produção de soja em 250 mil toneladas anuais na região leste de Mato Grosso, o que corresponderia a cerca de 80 mil hectares (800 km2) de plantações novas. O grupo, de propriedade da família do governador do Estado, Blairo Maggi (PPS), já possui fazendas na região, em Querência, pelas quais passam rios que vão formar o Xingu, eixo vital do parque indígena de mesmo nome.
Esse gênero de financiamento é feito pelo braço do Bird encarregado do setor privado, a IFC (Corporação Internacional de Finança, na abreviação em inglês). Sua missão é "promover investimento sustentável no setor privado em países em desenvolvimento como um meio de reduzir a pobreza e melhorar a vida das pessoas". Em respeito a esses propósitos, 20 entidades do Fórum de ONGs brasileiras entendem que o empreendimento do Grupo Maggi deve ser classificado na categoria A, mais rigorosa. A direção da IFC e o próprio grupo empresarial defendem a categoria B, intermediária (além das duas existe apenas a C).
O assunto pode ser decidido numa reunião do "board" da IFC já nesta quinta-feira, contra a vontade das ONGs. Em cartas à direção do Bird e da IFC, elas questionaram a falta de transparência e o que avaliam ser um desrespeito às próprias normas da corporação. Segundo carta dirigida a Wolfensohn, nunca respondida, estaria sendo desobedecida a categorização do Anexo B do "Procedimento para Revisão Ambiental e Social de Projetos" da IFC, pelo qual "agroindústrias (grande escala)" deveriam automaticamente entrar na classe A -afinal, o Grupo Maggi se autodefine como o maior produtor individual de soja do mundo.
As ONGs argumentam que a expansão, mesmo não produzindo desmatamento de modo direto, deverá deslocar pecuaristas e pequenos agricultores das melhores terras, criando pressão para desflorestar mais adiante. Cair na categoria A implicaria realizar estudos de impacto ambiental e audiências públicas, o que seguramente retardaria o processo de concessão do financiamento. Mas abriria espaço, por exemplo, para equilibrar a expansão da soja com medidas de modernização da pecuária, a fim de aumentar a produtividade e diminuir a demanda por abertura de pastagens.
Roberto Smeraldi, diretor da organização não-governamental Amigos da Terra e membro da coordenação do grupo ambiental, afirma que não se trata de "vilanizar" o Grupo Maggi, mas de discutir mais abertamente quais salvaguardas e filtros serão aplicados a esse tipo de investimento. "É uma batalha de princípios."
Resta saber se, desta vez, a opinião pública brasileira se fará ouvir.

FSP, 19/09/2004, Mais, p. 18

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.