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O atraso inexplicavel do biodiesel brasileiro

GM, Editorial, p.A3
06 de Jul de 2004

O atraso inexplicável do biodiesel brasileiro
Depois de ter sido rebatisado pelo novo governo em julho de 2003, o programa nacional do biodiesel teve seu lançamento adiado mais uma vez, para novembro, segundo informa a ministra das Minas e Energia Dilma Rousseff. Relançado reiteradas vezes desde os anos 80 sob rótulos diversos - tais como Prodiesel, Probiodiesel e agora Programa Combustível Verde-Biodiesel - o novo biocombustível brasileiro não sai do papel, e as justificativas para não retirá-lo da gaveta apresentadas pelos sucessivos governos não convencem. Esse atraso é tanto mais inexplicável quanto se sabe que o programa não tem rival na sua capacidade potencial de promover a inclusão social e o desenvolvimento regional e que o Brasil tem condições de liderar a produção mundial de biodiesel, substituindo pelos menos 60% do óleo diesel consumido no mundo, segundo reconhecem estudos divulgados pelo órgão encarregado da implementação do biodiesel nos Estados Unidos. Sabe-se que algumas das culturas energéticas nas quais o programa deverá apoiar-se, tais como a da mamona e a do babaçu, são próprias da região semi-árida do Nordeste. Tais culturas têm sido conduzidas secularmente pela agricultura familiar, podendo no entanto apresentar economicidade elevada. Estudos realizados por vários ministérios do governo Lula mostram que a cada 1% de substituição de óleo diesel por biodiesel produzido com a participação da agricultura familiar podem ser gerados cerca de 45 mil empregos no campo, com uma renda média anual de cerca de R$ 4,9 mil por emprego. Admitindo-se que para cada emprego no campo são gerados três empregos na cidade, seriam criados, então, cerca der 180 mil empregos por ponto percentual de substituição do diesel pelo biodiesel. Além disso, deve considerar-se a contribuição do biodiesel para a redução dos gastos em divisas na importação anual de cerca de 40 milhões de barris de óleo diesel - cerca de US$ 1,5 bilhão. É dizer que o programa do biodiesel no Nordeste, se já em andamento, teria permitido ao governo utilizar argumentos mais convincentes na sua peça oratória de auto-louvação, declamada ontem pelo ministro da Casa Civil, José Dirceu, em cerimônia no Palácio do Planalto, a propósito das realizações nos seus primeiros dezoito meses de administração. No balanço de feitos na área social, observa-se pouco ou quase nada que não possa caracterizar-se como assistencialista, mais ou menos na mesma linha do que se praticou no passado, com a diferença de que então o assistencialismo como política de governo ainda não se valia de cartão eletrônico para distribuir o dinheiro da cesta básica. E, no entanto, a produção de biodiesel havia sido acolhida no programa energético do Partido dos Trabalhadores como prioritária pela sua capacidade potencial de fazer frente ao assistencialismo governamental, por associar geração de emprego e renda a estratégias de desenvolvimento que têm como referência a relevância do capital social e da cidadania econômica, como seu elemento dinâmico. Assume-se aqui que a decisão de postergar mais uma vez o lançamento do programa é inexplicável, por não se encontrarem razões de caráter orçamentário, tecnológico, agronômico, organizacional ou gerencial que justifiquem o seu atraso. Assim, quanto aos recursos necessários, por exemplo, para financiar as lavouras energéticas, pelo menos as nordestinas, já estavam contemplados em 2003 no Programa Nacional da Agricultura Familiar. Os aspectos tecnológicos da utilização do biodisel são conhecidos há quase um século; e o Brasil é um país que se destaca no cenário mundial de biocombustíveis, tendo sido pioneiro na escala em que lançou o Programa Nacional do Álcool. A Agência Nacional de Petróleo (ANP) informa que alguns pontos ainda devem ser esclarecidos nos testes, tais como a influência da matéria-prima, a estabilidade da mistura, o impacto ambiental das emissões, etc. Tais pretextos datam de pelo menos uma década. O programa do biodiesel sofre de paralisia decisória, porque o governo não consegue acomodar a diversidade de interesses conflitantes na matriz energética veicular. Falta-lhe aqui capacidade de mediar conflitos, como ocorre também em outras questões de interesse estratégico, de que é exemplo o caso da regulação do acesso à biodiversidade, que se arrasta há sete anos no Congresso Nacional. Para sair do impasse, é preciso ampliar a arena de negociação, para ela convocando outros atores, a começar dos potenciais beneficiários diretos que, por falta de representação formal, a ela não têm acesso. Não é o que se chama "democracia participativa"?
kicker: Programas assistencialistas têm merecido mais atenção do governo do que programas de geração de emprego e renda

GM, 06/07/2004, p. A3 (Editorial)

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