VOLTAR

O acordo deles

O Globo, Opinião, p. 6
Autor: CARVALHO, Tatiana
02 de Jan de 2012

O acordo deles

Tatiana Carvalho

No início de dezembro, em ritmo galopante, senadores aprovaram um novo texto para o Código Florestal. O projeto que saiu do Senado carrega os mesmos equívocos do relatório votado na Câmara. A única grande novidade está no esforço de parlamentares e governo para convencer o grande público de que se fez "o melhor possível", resultado de um "grande acordo".
Tal consenso não existiu. Às vésperas da votação, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), uma das mais importantes instituições científicas do país, enviou carta ao Senado com um alerta: o que era costurado ali "entraria para a história como um dos maiores equívocos já cometidos por nossos parlamentares". Na semana anterior, mais de 1,5 milhão de assinaturas de brasileiros contrários ao texto chegaram à Presidência. O Ministério Público continua a apontar irregularidades legais no projeto. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) diz que o projeto é um desequilíbrio entre conservação e produção. Se existe algum acordo, ele se dá da porta do Congresso para dentro.
Mas o pior não está apenas no estilo "foi o que deu para fazer" do texto. Muitos absurdos continuam nele, intocados. Conjugando artigos, quem desmatou ilegalmente apostando na impunidade poderá se regularizar replantando metade da área desmatada com espécies exóticas, num prazo de 20 anos, obtendo crédito de carbono se quiser e abatendo os custos do Imposto de Renda - isto é, com dinheiro público proveniente do mesmo caixa utilizado para a construção de escolas.
O projeto ainda prevê que o desmatamento será qualificado de acordo com a legislação em vigor na época, o que é justo. Porém, para provar o feito, o proprietário poderá utilizar-se de "descrição de fatos históricos de ocupação da região" ou "registros de comercialização", abrindo possibilidade para uma enxurrada de falsas declarações. Em outro trecho, entende-se que agora todos os benefícios antes exclusivos da agricultura familiar serão estendidos a qualquer proprietário de imóveis com quatro módulos fiscais (que podem chegar a 400 hectares em algumas regiões), independentemente do número de propriedades que a pessoa possua - o que nivela quem precisaria de um tratamento diferente àqueles que têm condições de acertar seu passivo ambiental. Há ainda a dispensa do mapeamento da propriedade no momento do seu registro, o que na prática elimina o controle por satélite dos desmatamentos ocorridos nos imóveis rurais, principalmente na Amazônia. Estes são apenas exemplos, entre tantos outros artigos recheados de más intenções e dubiedades.
Por outro lado, o que ganha a floresta com o "texto possível" de reforma do Código? Nada. Um exemplo é a emenda que, baseada em estudos que mostram como dobrar a produção de alimentos sem desmatar mais no Brasil, pedia um prazo de dez anos sem novas autorizações de desmatamento na Amazônia (excluídos pequenos produtores). A emenda foi negada e está fora do texto.
No acordo do Senado, que produziu um projeto recheado de regalias a criminosos ambientais, governo e parlamentares não acharam espaço para a conservação. No novo código, floresta só ficou no nome.

Tatiana Carvalho, engenheira agrônoma, participa da campanha em defesa da Amazônia do Greenpeace.

O Globo, 02/01/2012, Opinião, p. 6

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.