VOLTAR

Nuvem sobre governador: PF e procuradores investigam tambem o petista Flamarion no escandalo dos gafanhotos

O Globo, O Pais, p.3
28 de Nov de 2003

Nuvem sobre governadorRodrigo França TavesEnviado especial BOA VISTA, RoraimaDepois de conseguir a prisão temporária do ex-governador de Roraima Neudo Campos, o Ministério Público Federal se prepara agora para denunciar o envolvimento do governador Flamarion Portela, que se filiou ao PT no início do governo Lula, no esquema de desvio de dinheiro do estado por meio de funcionários laranjas batizados de ganhafotos. Numa investigação conjunta, delegados da Polícia Federal e procuradores da República reuniram, entre outras provas, depoimentos de testemunhas que relacionam Flamarion e quatro secretários de estado ao esquema que desviou mais de R$ 500 milhões de Roraima e envolveu cerca de seis mil laranjas. O principal depoimento é do engenheiro Carlos Eduardo Levischi, que foi diretor-geral do Departamento de Estradas de Rodagem no governo Neudo Campos, de quem Flamarion era vice. Levischi admitiu que era ele quem comandava o esquema de contratação dos gafanhotos na folha do DER e o repasse do dinheiro do salário desses funcionários para deputados estaduais e conselheiros do Tribunal de Contas do Estado, de acordo com as cotas de propina determinadas por Neudo. Em seu depoimento, Levischi contou que Flamarion encaminhava bilhetes assinados de próprio punho juntamente com listas de pessoas que deveriam ser contratadas como gafanhotos. Segundo ele, os bilhetes eram levados ao DER por intermediários, enquanto os deputados e conselheiros apresentavam pessoalmente a lista de gafanhotos e a cópia de seus documentos. Verba passava por conta da Fazenda No depoimento, prestado em 27 de agosto ao delegado Júlio César Baida Filho e ao procurador da República Carlos Fernando Mazzoco, Levischi diz ainda que o dinheiro destinado aos pagamentos muitas vezes era desviado de verbas repassadas pelo governo federal para obras. Segundo o ex-diretor do DER, quando Neudo estava viajando, muitas vezes foi Flamarion quem autorizou a operação fraudulenta em nome do governador. O dinheiro saía da conta corrente em que eram recebidos os repasses federais, passava pela conta única da Secretaria de Fazenda e era transferido para a conta do DER, por meio da qual eram feitos os pagamentos aos procuradores dos deputados. Na ausência de Neudo, a transação era coordenada por Flamarion Portela. As movimentações podem ser comprovadas pelos extratos das contas Sefaz (Secretaria de Fazenda) e por suas respectivas ordens bancárias”, diz Levischi no depoimento. Governador nega todas as denúncias Ontem, o ex-diretor, que só não está preso porque denunciou o esquema, confirmou ao GLOBO por telefone, de São Paulo, as denúncias contra o governador: — Flamarion merecia estar na cadeia junto com Neudo, porque também participava do esquema. Era ele quem fazia os contatos com os deputados. É só ver as ordens bancárias assinadas por ele, inclusive para pagar aos gafanhotos. Delegados e procuradores tomaram também o depoimento do ex-deputado estadual José Silva Rodrigues, que pertencia ao grupo político de Flamarion quando o escândalo estourou pela primeira vez na imprensa, em setembro de 2002. Rodrigues contou que Flamarion — que assumiu o governo em abril de 2002, quando Neudo se desincompatibilizou para concorrer ao Senado — reuniu em seu gabinete os 21 deputados de sua base na Assembléia Legislativa. Na reunião, o governador orientou os deputados a negar a existência das listas de pagamentos a gafanhotos e avisou que os deputados não poderiam mais sequer pensar em mandar procuradores para receber os salários dos gafanhotos. Flamarion, porém, tranqüilizou a todos, dizendo que os deputados continuariam recebendo, já que o dinheiro seria destinado ao pagamento de despesas da campanha eleitoral. Segundo o depoimento da testemunha, o governador disse que pensaria em outra forma de fazer todos receberem os valores que constavam da lista. Três dias depois, os deputados voltaram ao gabinete de Flamarion para cobrar uma solução, liderados por Gelb Pereira, um dos deputados presos na Operação Praga no Egito anteontem. A resposta foi que a secretária de Administração, Diva Briglia, estava viajando, mas que ele pegaria o dinheiro assim que ela retornasse, marcando um local escondido para pagar a todos os favorecidos”, disse o ex-deputado estadual em seu depoimento. O governador ainda teria orientado os deputados a manter seus procuradores longe da imprensa. Rodrigues só contou o que sabia ao delegado da PF Oscar Kouuti porque, no dia seguinte, sem aviso prévio, perdeu seu mandato na Assembléia. Ele era suplente e a titular, Vera Regina Guedes Silveira, deixou o governo Flamarion para reassumir o mandato. Vera Regina, por sinal, que ocupa a Secretaria de Articulação Intermunicipal de Roraima, é uma das secretárias de estado acusadas no escândalo dos gafanhotos. Por intermédio da assessoria de imprensa, o governador Flamarion Portela negou ontem todas as acusações feitas pelas testemunhas que prestaram depoimento ao Ministério Público Federal e disse que não tem qualquer envolvimento no escândalo. O governador não deu entrevista, sob alegação de que permaneceria reunido durante toda a tarde com o procurador do estado. O assessor de imprensa Péricles Perruci disse que o ex-diretor do DER Carlos Eduardo Levischi participou de todo o esquema de desvio de verbas públicas desde o início e só está fazendo as denúncias para tentar se livrar da cadeia.

Ministro do STJ nega liminar a ex-governadorBRASÍLIA. O ministro José Arnaldo da Fonseca, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), negou ontem pedido de liminar em favor do ex-governador de Roraima Neudo Campos, preso anteontem pela Polícia Federal. O ex-governador queria transferir a competência de seu processo da Justiça Federal para o STJ. Ele alegou no pedido que as acusações a que responde são atos administrativos que ocorreram quando exercia o mandato de governador de Roraima, o que anularia os efeitos da decisão do juiz que decretou sua prisão. A defesa sustentou que, como os atos foram cometidos no exercício do cargo, ele deveria ter direito ao foro privilegiado, que seria a abertura de processo no STJ. O ministro José Arnaldo, ao negar o pedido de liminar, afirmou que Neudo Campos agiu quando era governador mas que os fatos que estão sendo investigados não podem ser considerados atos administrativos. A distância é grande. Não basta praticar atos no exercício do cargo”, afirmou José Arnaldo na sua decisão. Neudo Campos teve a prisão temporária decretada pelo juiz federal da 2 Vara da Seção Judiciária de Roraima, Helder Barreto. A prisão se deu por causa do pedido conjunto apresentado pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal na Operação Praga no Egito. O objetivo do ex-governador ao pedir a liminar era o de tentar nova ação para ser solto da cadeia. Se aceito pelo STJ, o pedido de Neudo Campos poderia beneficiar, por extensão, os outros 54 envolvidos e que foram presos pela operação. A Polícia Federal e o Ministério Público argumentaram que a prisão dos envolvidos era imprescindível à continuidade das investigações e que que os acusados poderiam criar embaraços à colheita de provas. O ex-governador ainda pode recorrer ao Tribunal Regional Federal (TRF) em Brasília para cassar o decreto de prisão preventiva da Justiça Federal em Roraima.

Faltam celas para tantos presosBOA VISTA, Roraima. A operação da Polícia Federal encheu ainda mais a já superlotada Cadeia Pública de Boa Vista. O diretor da cadeia, Antônio Cid, enfrentou muitas dificuldades para encontrar acomodações para receber os 42 presos da Operação Praga no Egito da Polícia Federal. Neudo Campos, ex-governador de Roraima, foi alojado na sala normalmente destinada aos encontros entre presos e seus advogados. Outros três presos com curso superior ficaram na sala de arquivos, juntamente com o ex-deputado Bernardino Siqueira e o vereador Alfonso do Vale, que passaram mal em suas celas apertadas e foram transferidos. Embora as visitas estivessem proibidas, Neudo Campos pôde encontrar-se com sua mulher, a deputada Suely Campos. Ela alegou prerrogativas de deputada federal para entrar na cadeia. O maior problema que a direção da cadeia teve que contornar, porém, foi a acomodação das mais de 20 mulheres presas durante a operação. Como a Cadeia Pública de Boa Vista não tem ala feminina, as mulheres foram alojadas na sala de descanso dos policiais de plantão. Estes, por sua vez, ficaram sem ter onde dormir durante toda a madrugada. Duas presas — Darbilene Rufino do Vale, mulher do presidente da Assembléia Legislativa, Antônio Messias de Jesus, e Jeane Severiano dos Santos, casada com o ex-deputado Sebastião da Silva — foram autorizadas a permanecer em prisão domiciliar por estarem amamentando seus filhos recém-nascidos. No fim da manhã, a Assembléia Legislativa se reuniu e decidiu relaxar a prisão do deputado Herbson Bantim, que só não estava exercendo o mandato por ser o presidente do Instituto de Pesos e Medidas. O juiz federal Helder Barreto, no entanto, mandou a direção da cadeia não reconhecer a decisão, sob o argumento de que a Assembléia não tem poderes de relaxar prisões. Mas os procuradores da República acham que o Bantim conseguirá reassumir o posto de deputado. Com isso, ele poderá ser solto, pois passará a ter direito a julgamento em foro privilegiado. Nesse caso, poderá ser decretada a prisão de seu suplente, Urzenir Freitas Filho, que também é investigado pelo escândalo dos gafanhotos e só não foi preso por exercer mandato parlamentar, o que lhe assegura a imunidade. (R.F.T.)
Opinião: PedagogiaCADA PODEROSO — de colarinho branco ou não — colocado no xadrez funciona como um elixir revigorante para as instituições. A legislação é intrincada, e bons advogados costumam arrancar hábeas-corpus mesmo quando os portões dos fóruns estão fechados durante a madrugada. NÃO IMPORTA, contanto que as investigações prossigam e, no final, justifiquem punições exemplares. A implosão de uma ligação direta feita pelo ex-governador de Roraima Neudo Campos entre os cofres públicos e sua conta bancária tem função pedagógica: ensina a ladrões dos mais diversos pedigrees que existem leis a serem cumpridas.

O Globo, 28/11/2003, p. 3

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.