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Novos tempos de florestania

Pàgina 20-Rio Branco-AC
Autor: Nieta Lindenberg Monte *
13 de Mar de 2003

Centro de Formação dos Povos da Floresta

No ano de 1997, uma nova e importante conquista política e institucional é experimentada. O Centro de Formação dos Povos da Floresta é reconhecido como Escola de Formação de Professores pela Secretaria Estadual de Educação e um decreto governamental autoriza seu funcionamento. Trata-se de uma área rural de 26 hectares, de posse da entidade desde 1994, cuja função é servir de espaço pedagógico para a formação de jovens de várias etnias como professores, agentes de saúde e agentes agroflorestais. A Escola, no Centro de Formação dos Povos da Floresta, constituiu-se como um espaço educacional e curricular novo para a formação de agentes multiplicadores indígenas, devido à sua natureza demonstrativa para o manejo dos recursos agroflorestais. Lá, vários sistemas agroflorestais vem sendo implantados e manejados pelos estudantes indígenas nos cursos, como parte de seus processos de formação e capacitação. O Centro possui também um sistema de piscicultura onde são criados peixes nativos da Amazônia, consorciado com sistemas agroflorestais e suinocultura. Também são experimentadas, em seu espaço de mata primária preservada e de pastagem recuperada por sistemas agroflorestais, algumas técnicas de manejo de floresta, como por exemplo, o manejo de palha para cobertura de casa, e a reciclagem de madeira para a confecção de móveis artísticos e esculturas.

Assim, a partir de uma dimensão socioambiental cada vez mais presente nas ações de educação, utiliza-se a Escola como área demonstrativa e modelo pedagógico, incluindo-se noções teórico-práticas de gestão ambiental nos currículos. Dá-se ênfase em temas como os sistemas agroflorestais, o enriquecimento e recuperação de capoeiras e áreas degradadas, as téc-nicas de construção de viveiros e de manejo de palha, o plantio e manejo das espécies frutífe-ras, da horta orgânica, e a reciclagem de madeira desperdiçada dos roçados para a confecção de bancos e esculturas, piscicultura em açude, etc.

Neste sentido, os cursos realizados na Escola de Professores Indígenas vem permitindo a reflexão e o diálogo entre as diversas culturas presentes, tomando como base os conhecimentos indígenas sobre o meio ambiente e sua gestão, interpretando-se estes conhecimentos por meio de novas linguagens como a escrita, o desenho e o vídeo.

A entrada da Educação Indígena
na Pauta do Governo da Floresta

O Acre é considerado um estado "de ponta" na educação indígena, mas padeceu, até muito recentemente, de uma situação de acefalia e negligência por parte dos órgãos públicos encarregados dos serviços essenciais aos povos da floresta: ribeirinhos, seringueiros/extrativistas e indígenas.

Constata-se, num breve diagnóstico, a ausência de uma ação pública específica, coordenada e contínua, por parte do Estado e de seus municípios com relação a esta parcela de sua população. Nenhuma das três esferas responsáveis, a federal, o estado e seus municípios, de forma independente ou coordenada, tinham estabelecido metas claras com relação à assistência educacional dos índios do Acre, levados em conta os direitos adquiridos aos processos próprios de aprendizagem e ao uso da língua materna.

Até o ano de 1999, foram as entidades indigenistas de atuação local, como a CPI/AC, as que agiram no sentido de implementar uma ação educacional diferenciada para populações indígenas.

Por outro lado, existem hoje no estado um grande número de escolas pertencentes à rede municipal, contrariando tendência dos anos anteriores, quando as escolas indígenas existentes pertenciam à esfera estadual através de convênio firmado pela Comissão Pró-Indio do Acre com a Secretaria Estadual de Educação e a FUNAI. As escolas indígenas municipais atualmente existentes vêm sendo a conseqüência de uma política descoordenada e irresponsável de muitos destes jovens municípios com relação à educação escolar indígena, promovendo-se a contratação de professores pelas prefeituras, por critérios nem sempre legítimos. Tais professores indígenas, de forma geral, não vêm recebendo formação para a educação diferenciada, nem materiais didático específicos para o desenvolvimento de um currículo bilíngüe e intercultural, conforme garante a legislação atual, nem a assessoria de pessoal especializado nas suas escolas.

Nos finais de 1999, o Governo da Floresta, sob a batuta política da Frente Popular, convocou a consultoria da CPI/AC para colaborar no desenho de uma nova política estadual a ser desenvolvida durante e após a instalação do atual modelo de desenvolvimento para o Acre. O plano de ação foi elaborado pela equipe de educação e se funda em alguns dos consensos construídos pelas entidades, órgãos indigenistas e organizações indígenas do estado, ao apresentaram sua proposta ao novo Governo. Pediu-se atenção à educação escolar indígena como modalidade específica das ações destinadas ao ensino fundamental e à formação de professores da rede pública, entendendo-a como parte integrante de uma política pública mais ampla para a "florestania".

A meta a ser privilegiada como vetor da ação educacional coordenada pelo Estado é a continuidade e ampliação da formação específica em magistério indígena desenvolvida até aqui. O público, os professores índios atualmente em serviço, ainda em sua maioria leigos. Os municípios perdem assim gradualmente a autonomia na execução destas políticas locais e passam a trabalhar em regime de parceria, através de convênios, com o Estado. Os professores indígenas- hoje em número crescente nas terras indígenas do estado e fronteiras, devem completar seus estudos de educação básica, de forma integrada à sua formação diferenciada como profissionais indígenas, assim como devem prosseguir em seus estudos superiores. A proposta é que, até meados desta década, os professores formados a nível médio, com apoio da CPI/AC e da Secretaria de Educação, possam adquirir a licenciatura plena, de forma a poderem propiciar a escola indígena de 5a a 8a série a seus parentes nas aldeias também numa modalidade diferenciada.

Por outro lado, deve ser destinada atenção especial nesta política à capacitação dos técnicos de secretarias de educação municipais e estadual e demais setores envolvidos com a educação indígena, por meio de seminários e trabalhos integrados com as equipes das entidades de apoio, organizações de professores indígenas e universidade. Sem estes processos paralelos de capacitação dos novos atores institucionais, todo esforço até agora realizado no sentido de uma nova experiência educacional e curricular para os povos indígenas estará seriamente ameaçado, apontando-nos a possibilidade de mergulharmos de forma mais uma vez no modelo integracionista concebido e praticado desde o Descobrimento.

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