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Novos pobres impedem fim da miséria

FSP, Poder, p. A6
Autor: MEDEIROS, Marcelo
24 de Fev de 2013

Novos pobres impedem fim da miséria
Estudos estimam que mais de 700 mil pessoas entram na pobreza extrema por mês e ficam de fora de cadastro
Volatilidade da renda faz com que famílias caiam na pobreza mais rápido do que o governo consegue identificar

JOÃO CARLOS MAGALHÃES DE BRASÍLIA

Estudiosos do governo trabalham para calcular qual é o limite real da proposta da presidente Dilma Rousseff de erradicar a miséria.
Junto ao Ministério do Desenvolvimento Social, técnicos do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), ligado à Presidência, estudam uma metodologia para saber quantos brasileiros seguirão extremamente pobres a despeito do orçamento e da eficiência dos programas de transferência de renda.
Esse "piso" da miséria corresponde a um contingente que, devido à alta volatilidade de renda, cai na extrema pobreza de maneira mais rápida do que a máquina pública consegue identificar.
Uma vez calculado, o número poderá servir como uma meta, cujo cumprimento significaria a erradicação possível da miséria, segundo o critério monetário do governo -garantir que todos ganhem ao menos R$ 71 mensais.
Na última terça, Dilma anunciou uma nova ampliação do Bolsa Família, que zerará o número de extremamente pobres no Cadastro Único, banco de dados de famílias de baixa renda.
No anúncio, ela reconheceu que ainda faltam cadastrar e resgatar 2,5 milhões.
Os estudiosos argumentam, no entanto, que mesmo quando todas esses miseráveis forem achados, a pobreza extrema não estará literalmente erradicada.
A ideia já aparecia num texto de 2011, de Sergei Soares, Rafael Osorio e Pedro Ferreira, todos do Ipea.
O que impede que os miseráveis cheguem a zero, dizem, é a existência de "recém pobres" -"pessoas que se tornaram elegíveis" para receber transferências de renda "mas que ainda não começaram a receber os benefícios"
Os especialistas concluem que há cerca de 739 mil nessa condição, "entrando na pobreza extrema todo mês".
O anúncio de Dilma nesta semana trouxe à superfície o Cadastro Único, que, apesar de falhas contínuas, é hoje a maior ferramenta de gestão social da história do país.
Ele foi criado em 2001, no governo FHC, com a junção dos cadastros de diferentes programas da era tucana.
Seu gigantismo, alimentado pelas mais de 5.500 prefeituras, só se realizou contudo durante o decênio petista.
Hoje, ele contém 23,2 milhões de famílias que declaram ser pobres ou miseráveis. Juntas, elas somam mais de 80 milhões de pessoas, ou quase metade do total de brasileiros (195 milhões).
Ao anunciar o fim da "miséria cadastrada" na terça, Dilma disse que o cadastro "é o nosso melhor instrumento", "bem focalizado", com "cuidado, critério e rigor".
No entanto, falhas o acompanham desde o início -como desatualização de dados, subdeclaração de renda e duplicidade dos registros.
O governo diz que trabalha continuamente para solucionar esses problemas e criar filtros que melhorem a fidelidade das informações. As falhas, afirma, são proporcionalmente pequenas.

Análise

Pobreza extrema deve sumir, mas a desigualdade persiste

Marcelo Medeiros
Especial para a Folha

Ao final dos anos 1940 o Brasil tinha um problema prioritário: a fome.
É nessa época que Josué de Castro publica "Geografia da Fome - O Dilema Brasileiro: Pão ou Aço". O livro destaca, com uma lucidez impressionante, o papel que a injustiça social tem sobre a fome. O dilema estava colocado, e o Brasil optou pelo aço, apostando no crescimento em vez de investir na igualdade.
Todavia, no final dos anos 1990, o que Josué de Castro chamava de fome total, a desnutrição profunda, já caminhava para níveis residuais: o Brasil fazia a transição da desnutrição para a obesidade dos pobres -de certo modo, uma fome oculta, na qual se come todos os dias, mas mal.
Há mais por trás da obesidade do que simplesmente a falta de renda para comprar alimentos saudáveis, mas não havia dúvida de que, para mudar esse quadro, pensar no futuro significava pensar em resolver o problema da pobreza.
Essa fome oculta continua existindo, mas o fato é que a pobreza começou a diminuir.
Uma combinação de recuperação econômica com políticas sociais e de trabalho fez com que a renda dos pobres aumentasse. Além de uma economia mais forte, aumentos do salário mínimo, da cobertura previdenciária e a expansão de dois programas de assistência social -o Benefício de Prestação Continuada e o programa Bolsa Família- ajudaram a reduzir a pobreza no país.
Toda pobreza é extrema, mas é justo priorizar os pobres em piores condições. Hoje, a indigência no país segue o caminho antes percorrido pela desnutrição profunda e ruma ao desaparecimento.
A evolução da economia, um aumento nos gastos com a assistência social e a priorização dos mais pobres devem erradicá-la ainda nesta década. O fim iminente da indigência é uma ótima notícia, mas ainda há muito a fazer, pois continuamos entre os países mais desiguais do mundo.
O dilema continua sendo entre pão e aço, mas em um nível diferente. Se por um lado a indigência entre os 15% mais pobres irá desaparecer em breve, por outro o 1% mais rico da população ainda detém 17% da renda do país, segundo o Censo 2010, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Um Brasil muito mais desenvolvido que o de Josué de Castro pode ambicionar bem mais do que acabar com a indigência, mas daqui para frente o desafio é maior: reduzir o abismo entre os ricos e o resto da população.

Marcelo Medeiros é pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e professor da UnB (Universidade de Brasília)

FSP, 24/02/2013, Poder, p. A6

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/95367-novos-pobres-impedem-fim-d…
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/95368-pobreza-extrema-deve-sumir…

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