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Novo porto e contestado por ambientalistas

GM, Saneamento & Meio Ambiente, p.A10
23 de Jan de 2004

Novo porto é contestado por ambientalistas

Ministério Público impede audiência pública para apresentação do projeto de construção de outro terminal em Santos. Ainda no papel, a construção de um novo terminal portuário em Santos (SP) pela Empresa Brasileira de Terminais Portuários (Embraport), do grupo Coimex, já encontra resistência por parte de ambientalistas, ligados ao coletivo de entidades que participam do Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema) de São Paulo. Estava prevista audiência pública ontem, em Santos, para apresentação do projeto à sociedade, conforme preconiza a legislação para obtenção de licenciamento ambiental. No início da tarde, o juiz Edvaldo Gomes dos Santos, do Ministério Público Federal, emitiu liminar cassando a audiência, sob a alegação de falta de informações e publicidade sobre a audiência, cujo edital foi publicado no Diário Oficial do Estado no dia 24 de dezembro de 2003. Orçado em R$ 181 milhões, o porto ocuparia área de 1 milhão de m², próximo às ilhas Barnabé e Diana, na Baixada Santista. De acordo com a Embraport, é prevista a movimentação anual de 15 milhões de toneladas de carga e 1.300 atracações de embarcações/ano, com uma geração de 2.000 empregos diretos e indiretos. A entrada em operação do terminal geraria R$ 7 milhões em impostos para a prefeitura de Santos e mais R$ 30 milhões em tributos e contribuições para o governo federal, além de recrudescer as exportações. O problema, na visão do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), uma das organizações que se posicionou contrária à obra, é o impacto ambiental causado pelo empreendimento. Seriam afetadas áreas de manguezais (11,6 hectares), de vegetações de restinga (9,6 hectares) e de campos de apicum - área de transição entre as vegetações, espécie de brejo de água salgada - 7,6 hectares. Essas regiões são essenciais para a sobrevivência de peixes e crustáceos, pois possuem condições ideais para a procriação das espécies, como o acúmulo de nutrientes e uma atividade predatória em menor grau, em comparação com o mar aberto. Para Carlos Bocuhy, presidente do Proam, a destruição dessas áreas prejudicaria as comunidades pesqueiras da região, em especial da Ilha Diana, o que poderia levar a um problema econômico e social na região. "A obra prevê a construção de um cais de 850 metros de extensão, o que tornaria necessário o aterro dessa parte do estuário, prejudicando a biodiversidade marinha e afetando as comunidades pesqueiras", diz Bocuhy. O ambientalista ressalta a importância de se preservar as áreas remanescentes de manguezais do estuário da Baixada Santista, que era de 133 km² e hoje é de cerca de 88 km². Ele questiona se a obra é realmente necessária. "Talvez fosse viável uma reengenharia do porto de Santos, em vez de se construir um novo porto, que trará tamanho impacto ambiental", diz. Além do impacto causado pelo desmatamento, um novo porto traria riscos associados ao aumento do tráfego de embarcações na região, como lançamentos mais freqüentes de hidrocarbonetos na água e acidentes mais graves, envolvendo derramamentos de maior monta. Medidas mitigadoras A Embraport acena com uma vasta gama de medidas mitigadoras. De acordo com o consultor Sérgio Pompéia, um dos coordenadores técnicos da elaboração do estudo e relatório de impacto ambiental (EIA/RIMA), os primeiros estudos na região apontaram para a fragilidade dos ecossistemas, o que levou os empreendedores a adotar premissas básicas em relação à redução do impacto ambiental. A existência de manguezais em área de preservação permanente, a proximidade com uma comunidade que depende do mangue e da pesca e a existência de sedimentos contaminados decorrentes de passivos ambientais antigos no estuário estão entre essas premissas, que nortearam a elaboração do relatório, diz o consultor. "Não houve desconsideração, por parte da Embraport, em relação ao impacto ambiental que o empreendimento poderá causar". O projeto do terminal portuário prevê a construção em duas áreas distintas, classificadas como área sul e área norte. Na primeira, parte das instalações serão erguidas em um aterro que deverá ser feito sobre área de mangue, em parte já degradada por processos erosivos causados pela ocupação humana no passado, pela construção do ramal ferroviário de Conceiçãozinha e pela implantação de cabos de transmissão de energia elétrica. "Os sedimentos contaminados presentes no fundo do estuário, decorrentes de passivos industriais antigos, serão confinados no interior do aterro, o que deve gerar um ganho ambiental para a região", afirma Pompéia. Em relação à perda da biodiversidade no local, a Embraport propõe a colocação de um anteparo de rocha de 2.500 metros de comprimento e 12 metros de profundidade, que deverá funcionar como um costão rochoso artificial. A solução não seria efetiva a curtíssimo prazo, pois demandaria um certo tempo até que as rochas fossem colonizadas por organismos marinhos, o que levaria em torno de um ano, de acordo com estudos. Na área norte, segundo o consultor, haverá a remoção de partes da vegetação de restinga e dos campos de apicum, mas cerca de 80% dos manguezais serão preservados, em especial os que estão voltados para a Ilha Diana. "É certo que haverá diminuição da oferta de pesca nas áreas onde haverá tráfego de navios. Mas todas as áreas de coleta de organismos aquáticos - mariscos, camarões de isca, siris e caranguejos - serão conservados, pois são fonte de subsistências para a população da Ilha Diana", diz. Unidade de Conservação Até que seja concluído o processo de licenciamento ambiental do empreendimento, não há estimativas do quanto a empresa investirá em eficiência ambiental. Deverá, no entanto, atender à regulamentação do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) que preconiza que todo empreendimento capaz de causar impactos ambientais negativos deve destinar 0,5% do total investido à criação de uma Unidade de Conservação (UC) para resguardar os ecossistemas vizinhos. A área escolhida tem 7 mil km² e estende-se do Morro do Caeté até o rio Trindade, regiões adjacentes à área que seria ocupada pelo terminal. A gestão da unidade poderia ficar a cargo de universidades, ONGs e institutos de pesquisa, em parceria com a prefeitura de Santos. Para Bocuhy, do Proam, as medidas mitigadoras não anulam o impacto ambiental negativo. Para o ambientalista, é questionável a eficácia da criação de habitats artificiais em detrimento dos naturais, particularmente em ecossistemas frágeis e de grande importância, como é o caso dos manguezais. "As medidas compensatórias não eliminam o dano ambiental. São um grande sofisma", diz.

Comunidades pesqueiras Hoje, em torno de 2.500 pescadores atuam no complexo dos estuários, de Santos a Bertioga, de acordo com informações do Instituto de Pesca, ligado ao governo estadual. Na Ilha Diana, são cerca de 200 pessoas. Para Alberto Amorim, pesquisador do Instituto, a ação antrópica, em suas variadas vertentes, está diminuindo os cardumes na região dos estuários. "Se esse processo não puder ser revertido, que hajam medidas compensatórias, de modo a não prejudicar as comunidades pesqueiras", diz Amorim. O grupo Coimex, desde o ano passado, tem realizado assembléias com os pescadores da Ilha Diana para mostrar o projeto de construção do terminal e discutir sobre a eficácia das medidas de compensação. Para o pesquisador, a atuação de empresas junto à comunidade pesqueira em si não é problema, "desde que elas ofereçam algum tipo de respaldo aos pescadores, como o financiamento de embarcações maiores, para que possam trabalhar em alto mar, treinamento e aprendizado de atividades que substituam a pesca", afirma.

GM, 23-25/01/2004, p. A10

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