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A nova tribo urbana

CB, Brasil, p. 9
15 de Dez de 2005

A nova tribo urbana
Número de brasileiros que se declara índio no Brasil cresce 150% em 10 anos, segundo o IBGE. Maioria mora nas zonas urbanas, fugindo das condições precárias nas aldeias espalhadas pelo interior do país

Clarissa Lima
Da equipe do Correio

O número de brasileiros que se declaram índios cresceu 150% nos últimos 10 anos. Em 1991, os povos indígenas somavam pouco mais de 294 mil. Hoje, são exatos 734.127, segundo um levantamento inédito do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Desde o primeiro censo realizado em 1872, os levantamentos de 1991 e 2000 são os primeiros a incluir a categoria índio. O aumento da população indígena em 440 mil pessoas, nesse período, significa um crescimento vegetativo da ordem de 10,8%, contra uma taxa de 1,6% registrada no país na mesma época.
O IBGE considera que o crescimento no número total de índios no país não ocorre, necessariamente, pelo aumento da população desta raça. Os fatores para explicar esta "explosão" demográfica são a imigração de integrantes da raça de outros países, como Bolívia e Peru, e o crescimento do número de índios que decidiram declarar sua raça por estarem morando em áreas urbanas. Os dados também surpreenderam a antropóloga da Fundação Nacional do Índios (Funai), Elizabeth Brêa. "O mais provável é que um grande número de pessoas, por razões que ainda precisarão ser analisadas, que antes de diziam de outra cor ou raça passaram a se declarar índias", disse.
Nas cidades
O estudo também mostra outro dado interessante: mais da metade, 52,4%, da população indígena do país, mora na zona urbana. Em 1991, o percentual dos que moravam longe das cidades era de 76,1%. Da etnia Wassu, do interior de Alagoas, Hivson do Vale Freitas é o único da sua aldeia que saiu para estudar. Há cinco anos, abandonou a família e os 2,5 mil moradores de sua aldeia para cursar engenharia florestal na Universidade de Brasília (UnB). "Vim direto da aldeia para cá. A minha intenção é terminar o curso e voltar para ajudar meu povo. Lá, eles vivem em situação muito difícil, passam muita necessidade", diz.
Hivson integra o seleto grupo de 23 estudantes universitários índios que vivem em Brasília. Ele veio para o Distrito Federal para resolver um problema de família. Seu pai tinha sido morto por fazendeiros em Alagoas por conta de disputas de terra. Na área de 2,9 mil hectares onde vivem os índios wassus, 600 hectares são disputados por agricultores locais.
O movimento de êxodo das aldeias é acompanhado por uma melhoria expressiva nos indicadores sociais dos povos indígenas em todo país. A situação, no entanto, ainda continua muito longe dos índices registrados para o restante da população brasileira, principalmente para os que moram em aldeias, como a família de Hivson.
"Não há o que comemorar neste levantamento. Os índios estão fugindo das aldeias para morar nas cidades e acabar sendo vítimas do preconceito. O país ainda não reconheceu a pluralidade étnica", comenta o antropólogo Júlio César Borges, da organização Amazon Conservation Team, ligada à defesa dos povos indígenas. Para Borges, os índios estão buscando moradias nas cidades devido às precárias condições de vida e à falta de regulamentação fundiária de suas terras. Segundo o IBGE, apenas 41,4% da população declarada índia vive em terras reconhecidas pela União.
Os dados do IBGE traçam um triste cenário de como vivem os índios, especialmente em relação aos serviços básicos. O abastecimento de água existe em apenas 16,3% das aldeias, contra 77,8% das residências brasileiras. A média brasileira de residências onde vivem índios em locais que não são aldeias e que contam com o serviço é de 69,5%. Apenas 3,3% das áreas indígenas dispõem de coleta de lixo, contra 79% das casas dos brasileiros. A mesma regra é adotada para o serviço de esgoto.
Apenas um índice foge à esta exceção: a mortalidade infantil. Pelos dados do IBGE, morrem mais índios nascidos em áreas urbanas do que nas aldeias. A diferença é de 51,4 na zona urbana para 45,9 nas terras indígenas. A Região Nordeste é a que apresenta o maior número de bebês índios mortos. Os dois índices continuam superiores à média nacional, que é de 30,1 bebês mortos para cada mil nascidos.
O IBGE admitiu que pode ter subestimado esta mortalidade. De acordo com o Sistema de Informação de Atenção à Saúde Indígena (Siasi), órgão ligado à Fundação Nacional de Saúde (Funasa), do Ministério da Saúde, a mortalidade infantil indígena em 2000 chegou a 74,6 mortes.
Educação
Em relação à educação, os indicadores melhoraram. A taxa de alfabetização pulou de 49,2% para 73,9%, graças às políticas de educação especial voltadas para as aldeias. A medida também fez cair quase pela metade o percentual de analfabetos. Em 1991, eram 50,8% da população indígena. Dez anos depois, está em 26,1%.
Os dados do IBGE mostram uma tendência que vinha sendo diagnosticada pela Funai: a crescente evangelização dos povos. Entre 1991 e 2000, o número de evangélicos nas aldeias passou de 7,7% para 11,9%, enquanto que o percentual de católicos caiu de 64,3% para 58,9%. Cerca de 14% declararam não ter religião e outros 1,4% disseram ser adeptos das tradições indígenas.
O IBGE também diagnosticou que a taxa de fecundidade dos índios continua alta: 3,86. A média nacional é de 2,38. Especificamente nas aldeias, o número de filhos nascidos por mulher índia é de 6,16. Esse índice era registrado para a média da população brasileira no começo do século XX.

Explosão demográfica no Sudeste
Apesar de contar com apenas cinco povos indígenas, a Região Sudeste registrou o maior aumento no número de índios no país, segundo o IBGE. Em 1991, apenas 10,4% dos índios viviam na região, um total de 30,5 mil. Em 2000, são 22%, o que faz do Sudeste a terceira região com maior população indígena do país, com 161.189 pessoas.
No Norte estão 127 do total de 222 povos indígenas do Brasil. A região lidera o ranking com 213 mil pessoas. Apesar do primeiro lugar, foi na Amazônia onde houve maior declínio. Em 1991, 42,2% dos que se declaravam índios moravam no Norte. Em 2000, caiu para 29,1%. São Gabriel da Cachoeira (AM) é a cidade com maior número de moradores indígenas: 76,3% da população total do município.
Para a antropóloga da Funai Nilza Oliveira Pereira, o aumento de índios no Sudeste é explicado pela metodologia de censo do IBGE que permite a autodeclaração de raça. "Nem sempre essas pessoas têm alguma relação direta com os povos indígenas. Muitas têm na família um caso de avô ou avó que era índio. Ao migrarem para o Sudeste, levaram essa descendência em conta na hora de se declararem índias", diz. A maioria disse que vive há mais de 10 anos na região. (CL)

CB, 14/12/2005, Brasil, p. 9

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