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Nova Sudam ja esta sob suspeita de irregularidades

O Globo, O Pais, p.10-11
28 de Nov de 2004

Nova Sudam já está sob suspeita de irregularidades
Investigações sobre desvio de R$1,7 bi que levaram à extinção do órgão não foram concluídas e Receita encontra indícios de fraude em projeto da nova autarquia

As investigações sobre o desvio de R$1,7 bilhão da antiga Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) no início de 2002 derrubaram a candidatura presidencial de Roseana Sarney, abreviaram o mandato do então senador Jader Barbalho e levaram à extinção formal da autarquia. Mas o efeito moralizante durou pouco. Três anos depois das primeiras denúncias, nenhum processo sobre as fraudes foi concluído e, em meio à lentidão da Justiça, começam a aparecer indícios de irregularidades na Agência de Desenvolvimento da Amazônia (ADA), que substituiu a Sudam.
O foco da suspeita desta vez é o Certificado de Projeto Implantado (CEI) concedido pelo governo federal ao projeto Agropecuária Pingüim, empresa de Medicilândia, no Pará, beneficiada com R$4,7 milhões da Sudam. O certificado foi emitido em 17 de setembro por Antonio Balhmann, chefe da unidade dos fundos de investimento da ADA. A emissão foi feita antes de a Polícia Federal concluir o inquérito aberto contra a Pingüim na esteira das investigações sobre os desvios nos projetos financiados pela Sudam. A ADA também desconsiderou o débito de R$8,1 milhões da Pinguim com a Receita Federal.
O certificado é a confirmação oficial de que o projeto foi implantado conforme a proposta original do financiamento. A Receita Federal considerou a decisão um grave equívoco. Nos próximos dias, o Ministério Público Federal deverá abrir um procedimento para apurar a denúncia de que parte dos documentos apresentados pela empresa para requerer o certificado contém informações falsas. A resolução no 7077/91, que regulamenta os incentivos fiscais da antiga Sudam, proíbe a concessão do certificado para projetos em pendências com o fisco.
É a primeira irregularidade desde a extinção da Sudam”
Para técnicos da Receita e do Ministério Público, não há dúvida do descumprimento da lei.
— É a primeira irregularidade que constatamos desde a extinção da Sudam — disse um fiscal que teve acesso a documentos da Agropecuária Pinguim.
Pelas informações da Receita, boa parte dos recursos liberados pelo governo foram desviados para finalidades não previstas no projeto original. A empresa também teria tentado justificar despesas com notas fiscais frias. A partir dos supostos buracos na contabilidade, a Receita cobrou R$8,1 milhões da agropecuária, entre impostos não pagos, multas e juros. O valor corresponde ao dobro do financiamento da Sudam.
A concessão do certificado também deixou o chefe do Ministério Público Federal no Pará, Ubiratan Cazzeta, preocupado. Para ele, o certificado dificultará ainda mais as investigações da PF e do Ministério Público sobre a Pinguim. Cazzeta entende que o certificado servirá de álibi para a futura defesa da empresa, caso o projeto seja denunciado à Justiça.
— Vamos abrir um procedimento para ver o que aconteceu — disse o procurador.
As conseqüências políticas das primeiras denúncias sobre as fraudes na Sudam tiveram vida curta. Jader perdeu a pose dos tempos em que presidia o Congresso e o PMDB, imiscuiu-se no baixo clero da Câmara, mas continuou dando as cartas em articulações políticas. Eleito deputado depois de renunciar ao mandato de senador, emplacou vários cargos no Pará, como diretorias do Banco da Amazônia e da ADA e outros órgãos federais importantes no estado.
— Jader tem uma estrutura de poder político e econômico no estado muito forte — diz o deputado José Geraldo (PT-PA).
A situação de Roseana não é muito diferente. A senadora teve que abandonar a corrida presidencial, mas não demorou muito a receber de volta o R$1,34 milhão apreendido pela PF na empresa Lunus no início de 2002, logo no começo das investigações sobre a Sudam no Maranhão. Por força de uma decisão judicial, a PF teve que devolver o dinheiro para trancar o inquérito que apura a origem dos recursos. A senadora também recuperou parte da influência política e, na última semana, apareceu na lista dos novos ministeriáveis do governo Lula.
Foro privilegiado dificulta punição de acusados
O deputado José Priante (PMDB-PA), protagonista de boa parte das fraudes apontadas pelo Ministério Público, foi alçado à presidência da Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara. O ex-superintendente da Sudam Arthur Tourinho, apontado como um dos principais sócios de Jader, se elegeu deputado estadual pelo PMDB e também é peça-chave no tabuleiro político do Pará.
— Nenhum dos acusados foi punido ainda por causa do foro privilegiado de alguns deles. Os processos começaram na primeira instância e depois tiveram que subir para as instâncias superiores — reclama o chefe do Ministério Público Federal no Tocantins, Álvaro Lotufo.

Chefe de agência nega irregularidades
Funcionário diz que projeto Agropecuária Pingüim foi criado
O chefe da unidade de Gerenciamento de Fundos de Investimentos da Agência Nacional de Desenvolvimento da Amazônia, Antônio Balhmann, nega ter havido irregularidades na concessão do Certificado de Empreendimento Implantado ao projeto Agropecuária Pingüim. Segundo ele, o projeto foi criado e a empresa está funcionando devidamente. Para ele, as investigações da Polícia Federal e as pendências da empresa com a Receita não podem inviabilizar a regularização do projeto.
— Se a empresa tiver alguma ilicitude, vai pagar por ela. O certificado não a isenta de nada. Só tira a empresa do sistema de gerenciamento.
Mas não é isso o que pensa o empresário Rui Denardim, um dos donos do projeto. Logo depois de receber o certificado, o empresário encaminhou o documento à PF para mostrar que está quite com a extinta Sudam. O empresário conta que foi avisado por um delegado da PF que em breve o inquérito aberto para apurar supostos desvios no projeto será arquivado.
Denardim diz ainda que a empresa não tem débito com a Receita Federal.
— A Receita multou e nós recorremos. Eles estão nos cobrando R$8,1 milhões. Isso não faz sentido. Isso é o dobro do que recebemos — disse.

Denúncias desde 2002
A primeira acusaçõa formal de irregularidades na antiga Sudam foi acolhida pela Justiça Federal do Tocantins em fevereiro de 2002. Na denuncia, feita pelo procurador da Republica Mário Lúcio de Avelar, o deputado Jarder Barbalho (PMDB-PA) foi acusado de chefiar organização criminosa responsável pelo desvio de mais de R$130 Milhões da Sudam. Esta era apenas a primeira de uma séria de denuncias. Só a PF abriu mais de 250 inquéritos.
As investigações começaram em 2001. O Ministério Público no Mato Grosso desconfiou da falta de lastro de algumas empresas que recebiam recursos da Sudam. Meses depois foram obtidos no Tocantins e no Pará depoimentos de laranjas e testemunhas sobre a dilapidação dos recursos da Sudam.
No início de 2002, Avelar pediu a prisão de Jader, que passou 16 horas preso em Palmas. A PF apreendeu R$1,34 milhão na Lunus, empresa de Jorge Murad, marido da senadora Roseana Sarney (PFL-MA). Mas as investigações perderam ímpeto depois que a Justiça rejeitou a denúncia contra Roseana.

STF tem sete processos contra fraudadores
Entre os réus estão Jader, José Priante e Roseana Sarney
Existem hoje pelo menos sete processos e inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF) que apuram fraudes cometidas contra a extinta Sudam. Na lista de réus estão o deputado Jader Barbalho (PMDB-PA), que responde a três inquéritos e uma ação penal, o deputado José Priante (PMDB-PA), com uma ação, e a senadora Roseana Sarney (PFL-MA), com duas. Os três têm o direito de serem julgados pelo Supremo, foro privilegiado dos parlamentares. Mas há ainda ações tramitando na Justiça Federal em pelo menos quatro estados: Pará, Tocantins, Maranhão e Mato Grosso. Nesses estados, correm inquéritos e ações penais contra outros envolvidos que não têm direito de foro especial.
Até o momento, a mais alta corte do Judiciário brasileiro não puniu ninguém por desvios na antiga autarquia federal. Um dos inquéritos contra Jader que está sendo analisado pelo STF investiga se o deputado enviou dinheiro da Sudam para o exterior de forma irregular. Jader foi acusado pelo Ministério Público de crime de evasão de divisas, prática prevista na Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro. Teriam sido repassados R$44 milhões da Sudam para o projeto Usimar, orçado em R$1,3 bilhão, mas que nunca saiu do papel. Do total, Jader teria desviado R$8,8 milhões.
Defesa de Jader diz que a culpa é da diretoria
O deputado também é acusado de formação de quadrilha e peculato por desvios de dinheiro da Sudam quando era governador do Pará. Sua defesa diz que a responsabilidade deveria ser imputada apenas à diretoria da autarquia extinta.
— Ele só indicou a diretoria da superintendência. Esse foi o único pecado dele — disse o advogado José Eduardo Alckmin.
O caso Usimar também gerou denúncia contra Roseana e seu marido, Jorge Murad. A senadora foi acusada de formação de quadrilha, estelionato, falsidade ideológica e peculato. Roseana teria utilizado seu cargo na época, de governadora, para facilitar desvios de dinheiro público. Ela teria presidido a reunião do Conselho Deliberativo da Sudam, em setembro de 1999, que aprovou o projeto Usimar. Um parecer da superintendência desaprovava o financiamento. Segundo o procurador Mário Lúcio Avelar, ela não só pediu a inclusão da Usimar na pauta, como votou a favor do proposta, mesmo sabendo de todas as irregularidades do projeto.
Em 2002, um outro escândalo protagonizado por Roseana e o marido a tirou da disputa presidencial. Foram encontrados na sede da Lunus, empresa de Murad, R$1,34 milhão em espécie e documentos durante uma apreensão da Polícia Federal.

O Globo, 28/11/2004, p. 10-11

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