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A nova primavera silenciosa

Carta Capital, p. 44
Autor: MACIEL, Francisco
09 de Jun de 2004

A Nova Primavera silenciosa
O que era visto apenas como custo passa a ser um bem gerador de receita.

Por Francisco Maciel

Há muito a questão do comprometimento dos recursos naturais assola as sociedades no mundo e seus governantes. Existem indícios da condição itinerante de cidades gregas da Antiguidade, que mudavam de região em região, na medida da extinção da capacidade do meio ambiente em prover condições de seu usufruto para a manutenção da vida humana.
Se, por um lado, o modo de interação do homem com o meio ambiente baseia-se na capacidade de assimilação pelo meio da sua interferência para manutenção de padrões de qualidade de vida, por outro, o aumento populacional, as mudanças de padrão de consumo e as aglomerações urbanas acentuaram a geração de impactos a ser absorvidos.
A constatação dos impactos ambientais (e seu agravamento) ganha caráter de problemática, embutida na própria conceituação de modelo de sociedade, criando um antagonismo politizado da questão com as perspectivas de desenvolvimento socioeconômico. Essa argumentação tem raízes ainda no século XIX, no que se pode chamar de "escola austríaca" da economia ecológica, representada por pensadores como Pfaundler e Josef Popper, além de Mach, Boltzmann, Ostwald e Sacher, e mais recentemente atualizada por Joan Martinez Alier e Maus Sclilüprnann, em sua obra A Ecologia e a Economia.
Com a publicação do livro Primavera Silenciosa, de Rachel Carson, em 1962, o discurso ambientalista moderno foi pela primeira vez apresentado para debate da sociedade, como fator de limitação ao progresso tecnológico e na responsabilização da ciência no âmbito do uso de pesticidas. A partir daí, a discussão pela defesa do meio ambiente ganha aprofundamento sensível com a formação de representações da sociedade dedicadas a atuar em alinhamento com focos específicos de abrangência.
Nesse papel, as organizações não-governamentais se apresentaram como única voz organizada da sociedade no combate pontual contra agressões irresponsáveis ao ambiente por interesses econômicos, ataques por vezes irreversíveis ao erário da humanidade.
A percepção geral da defesa do meio ambiente como limitante ao progresso econômico, equivocada ou não, lega à questão uma abordagem depreciativa por segmentos empresariais e de investimentos. O tema acaba por ser pautado, a partir de cumprimento de leis, determinações judiciais e representações legais, respondendo de alguma forma ao poder de influência dessa parcela da sociedade.
A discussão sobre a propriedade e ex- tensão de obras compensatórias, reservas legais, recomposição de mata ciliares, titularidade de impactos ambientais indiretos e destinação de resíduos sólidos, entre outras, correspondem a essa visão polarizada entre capital para o desenvolvimento econômico e o meio ambiente.
Pois bem, há uma nova revolução silenciosa em curso para mudar essa realidade.
Vivemos um momento de mudança de paradigma ambiental, no qual o meio ambiente pode ser interpretado (e contabilizado) como um bem econômico gerador não apenas de custo, mas também de receitas diretas e indiretas (valorização de ações e marcas).
Temos um número significativo de exemplos para consolidar esse modelo de abordagem, representado pelos ganhos com reciclabilidade, os programas e projetos de melhoria de eficiências de processo, reúso de água e créditos ambientais (de carbono, enxofre e nitrogênio), todos geradores diretos de receita.
Nos ganhos indiretos, vale nos remetermos ao sucesso dos mercados com "selos verdes" (com seu diferencial de preços de produtos aceitos em mercados europeus e americanos), à valorização e preferência das ações de empresas com graus de responsabilidades assumidas no socioambiental e à formalização de índices de sustentabilidade em bolsas, como o Dow Jones Sustainability Index, de participação restrita ao universo de companhias que comportam uma visão global sustentável de longo prazo, e a substância em suas realidades empresariais.
Assim, vivemos um momento do florescer do planejamento ambiental integrado ao econômico, compondo responsabilidades, custos e benefícios por meio de vários métodos e experiências, como as descritas nos livros Capitalismo Natural (Paul Hawken, Amory Lovins e L. Hunter Lovins) e The Natural Step (Dr. Karl-Henril Robert), apenas para citar alguns.
Essa revolução, silenciosa - pois figura no campo das mentalidades e paradigmas - aponta para uma nova primavera.

Diretor de energia e meio ambiente do Grupo Altran e consultor em créditos ambientais e negócios sustentáveis

Carta Capital, 09/06/2004, p. 44

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