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A NOVA POLÍTICA INDIGENISTA QUE QUEREMOS

Documento Manifesto dos Trabalhadores da Causa Indígena - Encaminhado à Equipe de Transição do Governo Luis Inácio Lula
22 de Nov de 2002

Ao Coordenador Dr. Antônio Palocci Filho
Ao Deputado Gilney Viana
Ao Dr. Márcio Meira

Prezados Coordenadores da Equipe de Transição,

É com imensa satisfação que nós trabalhadores da Causa Indígena, vimos aqui como cidadãos, após concluirmos o processo eleitoral e termos as nossas esperanças ampliadas com 52 milhões de brasileiros eleitores de Luis Inácio Lula da Silva, almejando o surgimento de uma nova Nação na qual haja a reconquista da cidadania e a esperada reforma do Setor Público que trará, em conjunto com outras medidas, a desejada justiça social.

Considerando a oportunidade do momento, encaminhamos para Vossa Excelência a nossa posição como técnicos diante do processo de reestruturação da FUNAI que se encontra em andamento na esfera do Ministério da Justiça.
O processo de discussão da reestruturação da FUNAI vem ocorrendo internamente na instituição desde 1998. Ocorreram sucessivas contratações de consultores desde então, para a realização desta tarefa. No entanto, ainda não tivemos conhecimento da conclusão deste trabalho. Estamos reivindicando participação mais ampla por parte dos servidores nesse processo. Entendemos, s.m.j., que o futuro da FUNAI depende de uma ampla discussão com os interessados (índios e servidores) em processo mais transparente.
A Fundação Nacional do Índio - FUNAI é o órgão do governo brasileiro que estabelece e executa a Política Indigenista, dando cumprimento ao que determina a Constituição de 1988 e suas leis correlatas.
A FUNAI é integrada por um edifício Sede, 45 Administrações Regionais, 14 Núcleos de Apoio Indígena e 01 Museu do Índio(RJ), 10 Postos de Vigilância e 344 Postos Indígenas, distribuídos em diferentes pontos do País.
A sede em Brasília compreende Presidência, Procuradoria Geral, Auditoria, três Diretorias, quatro Coordenações Gerais e treze Departamentos. A FUNAI conta atualmente com aproximadamente 2.300 servidores em todo o país.
Conforme a legislação vigente, compete à FUNAI promover a educação básica aos índios, demarcar, assegurar e proteger as terras por eles tradicionalmente ocupadas, estimular o desenvolvimento de estudos e levantamentos sobre os grupos indígenas.
Hoje, no Brasil, vivem cerca de 345 mil índios, distribuídos entre 215 sociedades indígenas, que perfazem cerca de 0,2% da população brasileira. Existem estimativas de que, além destes, há entre 100 e 190 mil vivendo fora das terras indígenas, inclusive em áreas urbanas. Há também indícios da existência de aproximadamente 53 grupos ainda não-contatados.
Atualmente a FUNAI administra 588 terras indígenas, que correspondem a aproximadamente 12% do território nacional, assim subdivididas em sua situação legal
Terras Indígenas Quantidade Extensão (Hectares)
Registradas 344 86.302.079 Ha - (84,65%)
Homologadas 16 117.668 Ha - (0,12%)
Demarcadas 38 3.079.150 Ha - (3,02%)
Delimitadas 39 11.477.985 Ha - (11,26%)
Identificadas 22 970.583 Ha - (0,95%)
A identificar 129
(Fonte: DAF/FUNAI- Dados de Nov/02)
A Fundação tem, a responsabilidade de defender as Comunidades Indígenas, de despertar o interesse da sociedade nacional pelos índios e suas causas, gerir o seu patrimônio e fiscalizar as suas terras, impedindo as ações predatórias de garimpeiros, posseiros, madeireiros e quaisquer outras que ocorram dentro de seus limites e que representem um risco à vida e à preservação desses povos.
Isso tudo é o que está estabelecido no arcabouço legal que assegura à FUNAI essas atribuições e responsabilidades.
No entanto, na prática não é isso o que está acontecendo ao longo das últimas décadas. A Instituição está sem recursos financeiros, possui servidores desmotivados pelos baixos salários, quadro técnico incompleto e estrutura operacional sucateada. Os índios com razão, estão profundamente insatisfeitos com a situação atual da FUNAI que se encontra em vias de falência por falta de atenção do governo.
A Instituição FUNAI que herdou vícios administrativos do antigo SPI - Serviço de Proteção aos Índios desde os anos 70, teve a sua situação agravada devido ao desamparo promovido pelos últimos governos. A questão indígena nunca foi tratada como prioridade.
Mesmo considerando as imensas dificuldades encontradas, aliadas aos diversos gestores de ocasião que passaram pela instituição, salientamos que a missão da FUNAI foi cumprida em grande parte devido ao trabalho realizado por seu reduzido corpo técnico que acumulou significativa experiência ao longo dos últimos 35 anos.
Como exemplo citamos que durante a vida da FUNAI foram homologadas e registradas 344 terras indígenas e tem ocorrido um acentuado aumento da população indígena.
Em termos gerais, observa-se um crescimento demográfico entre os povos indígenas do país, fato normalmente associado à conservação do ambiental natural, estabilização das relações interétnicas, avanço na demarcação das terras indígenas e melhoria do acesso aos serviços de atenção básica à saúde em algumas regiões.
Infelizmente, os dados disponíveis em âmbito nacional confirmam taxas de morbidade e mortalidade indígena três a quatro vezes maiores que aquelas encontradas na população brasileira em geral. São indicadores de que a política assistencial de saúde precisa melhorar em muito sob vários aspectos. O que ficou demonstrado pelas taxas de natalidade que foram bem superiores às de mortalidade.
Por outro lado, em termos de gestão administrativa percebemos que ocorreu por parte da FUNAI nos último dez anos, uma nítida entrega de sua autonomia gerencial para diversas "ONGs indigenistas" que pactuadas com o modelo neo-liberal mundial, ocuparam significativos espaços sob a forma de projetos relacionados à demarcação, estudos/pesquisas científicas, manejo florestal e levantamento dos potenciais dos recursos naturais existentes nas terras indígenas.
As mudanças esperadas dependem também da aprovação do novo Estatuto dos Índios (PL 2.057/91) no Congresso Nacional que assegure os avanços necessários ao indigenismo. Resta salientar que esse dispositivo legal que está em discussão, ainda não contempla adequadamente os interesses dos índios. O novo Estatuto dos Índios envolve muitos interesses, principalmente econômicos, oriundos de diferentes segmentos que exploram ou pretendem explorar os fabulosos recursos naturais existentes nas terras indígenas.
A preocupação aumenta à medida que novas atribuições serão conferidas ao Órgão Federal Indigenista com a aprovação do novo estatuto e com a eminente aprovação do PL 1.610/96 - sobre a Mineração nas Terras Indígenas já com 7 a 8.000 processos de registros minerais que se encontram bloqueados no DNPM/MME aguardando a regulamentação da Lei. Esses registros minerais serão convertidos em processos na FUNAI/MJ.

Existem em torno de 530 processos em análise na FUNAI para fins de licenciamento ambiental, áreas degradadas, invasões e conflitos de toda ordem. Provavelmente esses processos serão acrescidos com as novas invasões decorrentes dos processos de mineração a serem instalados.

O Governo Federal precisa criar um modelo mais justo para os povos indígenas. Eles participam ativamente da nossa sociedade. Mas para continuarem cidadãos, os índios precisam ter acesso à saúde, educação, condições dignas de saneamento básico, ao verdadeiro desenvolvimento sustentável, como também têm direito ao seu futuro que precisa ser compatibilizado com a escolha de viver da subsistência ou ingressar em atividades econômicas com o necessário acompanhamento do Estado.

O sucesso disso, depende também das condições oferecidas aos servidores públicos que trabalham no setor indigenista. Como fornecer aos índios condições dignas de cidadãos, se a grande maioria dos servidores da FUNAI não recebe condições mínimas de sustento e manutenção das suas famílias? Como bem servir, se nem o mínimo para o exercício de um trabalho digno não nos é oferecido?

O combate à fome, com toda razão, foi definido como prioridade do Governo Lula. A fome existe em muitas partes do país. Nas ruas, nas favelas, no campo e na periferia das cidades. Mas a fome existe também nas Aldeias Indígenas em muitas regiões do Brasil, principalmente no nordeste e no sul do país. Muitas crianças indígenas morrem desnutridas, contaminadas pela água e sem amparo do Estado. Isso quase não é divulgado. Na maior parte das vezes, por falta de condições operacionais, falta de planejamento ou até por desvio de recursos públicos para outras finalidades.

Isso demonstra a falência do modelo estabelecido. Não basta apenas inserir mais recursos financeiros ou contratar milhares de funcionários e demarcar todas as terras indígenas se não conseguirmos fornecer para eles as condições técnicas necessárias para o desenvolvimento e a subsistência compatível com a preservação e a proteção ambiental.

O Brasil já está mudando com a eleição de Luis Inácio Lula da Silva. Queremos também mudar construindo uma nova FUNAI e uma nova política indigenista.

O Governo velho acabou. A FUNAI velha precisa acabar também. Queremos agora discutir uma nova instituição dentro do novo governo.

O que nós desejamos do Governo Lula para o Indigenismo Nacional é que juntamente com os 13 itens definidos pela Frente Brasil Popular pela Cidadania com os Povos Indígenas do Partido dos Trabalhadores - sejam implementadas também, 05(cinco) importantes ações em caráter emergencial no primeiro ano de 2003:
1) Fortalecimento da FUNAI através da realização de Concurso Público, aprovação de Plano de Cargos e Salários/Reenquadramento dos servidores de Carreira (com salários compatíveis com a função);Criação de programas de formação, capacitação e treinamento na área de Indigenismo - criação da Escola de Indigenismo; Reestruturação e adequação dos Postos Indígenas(PIs); regulamentação do Poder de Polícia; Criação da Carreira de Estado; Obtenção de mais recursos da União para a promoção de suas ações institucionais compatíveis com a realidade indigenista.
2) Aprovação do Novo Estatuto dos Índios e seus regulamentos sendo definitivamente discutido com os servidores, especialistas e as etnias indígenas (fato que ainda não ocorreu) - Criação de uma Nova Política Indigenista, associada com atribuições estabelecidas com outros órgãos públicos; Criação de um Conselho Indigenista Nacional representativo dos povos indígenas.
3) Criação de Novo Modelo Indigenista Nacional, autônomo, forte, que faça o rompimento da atitude de subserviência que se estabeleceu em relação às ONGs durante as últimas gestões administrativas da FUNAI; que envolva diferentes setores técnicos em processo de constante avaliação; democratização da gestão da FUNAI; promoção do rompimento gradual com as ações assistencialistas e paternalistas; e promoção do desenvolvimento respeitando as culturas e os costumes tradicionais.
4) Criação de novo modelo administrativo para todos os setores da FUNAI - através de análise nas áreas técnica, contábil e jurídica. Criação de rede informatizada de comunicação entre todas as AERs para agilização de processos. Promovendo o cumprimento da demarcação, fiscalização e proteção de todas as terras indígenas.Criar metodologia administrativa eficaz para análise de processos em todas as áreas.
5) Acabar com a fome e a desnutrição em todas as terras indígenas no primeiro ano do Governo Lula - fazendo levantamento e diagnóstico emergencial de todas as Terras Indígenas que possuam problemas de fome e desnutrição para realização de programa de saúde junto à FUNASA com ações de curto, médio e longo prazo. Reestruturação de todo o sistema hídrico-sanitário das aldeias.
Desta forma, acreditando no imenso trabalho conjunto que teremos pela frente, nos próximos quatro anos, ao lado daqueles parlamentares do Congresso Nacional que sempre trabalharam em favor das minorias do Brasil, assinam abaixo os trabalhadores da Causa Indígena e todos aqueles que apóiem o presente documento.
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