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Nova MP repete regras nao-cumpridas

FSP, Dinheiro, p.B2
16 de Out de 2004

Nova MP repete regras não-cumpridas
Texto que libera nova safra de soja transgênica manteve as mesmas normas a pedido da ministra Marina Silva
Marta Salomon
Iuri Dantas
Da Sucursal de Brasília
A medida provisória editada ontem pelo governo para liberar a nova safra de soja transgênica, a pretexto de estabelecer normas rigorosas, repete regras que não foram cumpridas na safra de 2004, como a destruição dos grãos não comercializados até 31 de março e a assinatura, por parte dos produtores que usam sementes geneticamente modificadas, de um termo de responsabilidade, sob pena de não obterem financiamento.
Os grãos geneticamente modificados da safra anterior não apenas não foram destruídos até março, como servem de semente para a próxima, que já começou a ser plantada. Esses grãos têm como origem sementes transgênicas contrabandeadas da Argentina e cultivadas no Brasil há sete anos.
O Ministério da Agricultura registra a assinatura de termos de compromisso por produtores do equivalente a 8,2% da soja colhida (a transgênica pode ter alcançado entre 10% e 25% da produção). Não há notícia de que lhes tenha sido negado crédito. O Banco do Brasil, por exemplo, já libera financiamentos para a próxima safra sem exigir dos produtores mais que um documento em que eles dizem conhecer a legislação.
Essas regras foram repetidas na medida provisória que libera a nova safra a pedido da ministra Marina Silva (Meio Ambiente). O' texto foi concluído anteontem, às 22h, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já havia deixado o Planalto após segunda reunião com a ministra na semana.
Há pouco mais de duas semanas, Lula havia se comprometido com Marina a não recorrer a outra medida provisória para liberar a nova safra de soja transgênica. Ao mesmo tempo, o ministro Roberto Rodrigues (Agricultura) acenava aos produtores que a medida era uma "questão de horas".
Ontem, poucas horas depois de o "Diário Oficial' da União publicar a MP sem a assinatura de Marina Silva, os dois ministros que lideram posições contrárias sobre transgênicos voltaram a divergir sobre o destino dos organismos geneticamente modificados. Para ambos, a liberação da nova safra de soja era "fato consumado". A divergência se concentra agora no futuro da biotecnologia.
Em nota, Roberto Rodrigues defendeu o texto da nova lei de biossegurança aprovado recentemente pelo Senado com o apoio do governo e que dá poderes à CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) de autorizar a pesquisa, o cultivo e a comercialização de transgênicos. O projeto também libera o uso de embriões humanos para a produção das chamadas células-tronco.
Visivelmente contrariada, Marina Silva insinuou que perdera uma batalha para ganhar uma guerra. "Esse é um tipo de coisa em que tenho total lealdade ao presidente. Nunca manifestaria qualquer posição que não fosse ao presidente em relação a isso".
A ministra disse ter o apoio de Lula no projeto de biossegurança aprovado antes na Câmara e que exige estudos de impacto ambiental antes de liberar o plantio comercial de transgênicos.
O próximo round no governo será na Câmara, provavelmente até o final do ano. A lei de biossegurança aprovada no Senado precisa passar por mais uma votação antes de ir à sanção presidencial
A MP editada ontem recebeu aplausos da multinacional Monsanto, dona dos direitos de propriedade intelectual do gene da soja transgênica, e da CNA (Confederação Nacional de Agricultura e Pecuária). O Greenpeace, organização não-governamental ambientalista, protestou.

Requião vai fechar porto para a soja
José Maschio
Da Agêcia Folha, em Maringá
O governador do Paraná, Roberto Requião (PMDB), criticou ontem a medida provisória que libera ó cultivo de soja transgênica no país e disse que o porto de Paranaguá (PR) não irá exportar o produto.
Segundo Requião, o porto "não tem condições para fazer a segregação entre soja convencional e transgênica e continua fechado para os transgênicos".
Diante de uma platéia de agricultores, na manhã de ontem em Maringá (420 km a noroeste de Curitiba), o governador paranaense fez duras críticas aos defensores da soja transgênica, causando mal-estar entre cooperativistas que defendem o plantio de soja modificada geneticamente no Estado.
Requião esteve em Maringá para participar da Festa do Plantio, que marca o início da safra de soja no Paraná, organizada pela Cocamar Cooperativa AgroindustriaL
"Bobagem para o Brasil
"Só vejo duas maneiras de alguém defender a transgenia: ou é por má-fé cínica ou por ignorância córnea", afirmou Requião. O governador disse que não havia lido a MP dos transgênicos, "mas isso [plantar transgênicos] é uma bobagem para o Brasil'.
Requião disse que a introdução da soja transgênica no Brasil vai acabar com a agricultura do país. "Vamos ficar escravizados a interesses de multinacionais", afirmou.
Segundo ele, ao editar a medida provisória, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva resolveu "o problema do Rio Grande do Sul'. Requião afirmou que o presidente Lula é contra a transgenia, "mas tem o problema do Rio Grande do Sul'. "Só espero que ele libere o Paraná dessa porcaria [transgênicos]",disse.
Dirigentes frustrados
Ao afirmar que o Estado irá continuar fiscalizando e impedindo a exportação de soja modificada geneticamente pelo porto de Paranaguá, Requião frustrou os dirigentes cooperativistas do Paraná.
Anteontem à noite, em entrevista coletiva, os presidente da Cocamar, Luís Lourenço, e da Ocepar (Organização das Cooperativas do Paraná), João Paulo Koslovski, disseram que consideravam "fato consumado" o plantio de transgênicos no Estado.
Koslovski disse que a expectativa era "convencer" Requião a abrir o porto de Paranaguá para a exportação de soja transgênica. O governador, porém, não aceita discutir a liberação do porto para produtos geneticamente modificados.
O jornalista José Maschio viajou a Maringá a convite da Cocamar Cooperativa Agroindustrial

FSP, 16/10/2004, p. 41

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