VOLTAR

Nova briga envolve Kayapó e Banco Mundial

Amazonia.org.br
21 de Jul de 2006

Em 1988, após sua diretoria negar pela primeira vez um empréstimo preparado por seus funcionários, o Banco Mundial tinha assumido um compromisso: nunca mais briga com índio, e ainda menos com os guereiros Kayapó. O desgaste da campanha conduzida mundo afora por este povo, resultando no grande encontro de Altamira sobre as barragens do Xingu, fora enorme. Como efeito disso, somado aos problemas de seus empréstimos em Rondônia, o Banco decidiria alguns anos depois ficar completamente fora da Amazônia.

Na semana passada, em Mato Grosso, um grupo de índios de diversas etnias liderados pelo cacique Kayapó, Megaron Txucarramãe, protestavam contra a pavimentação de um trecho da BR-163. Na área de influência da rodovia, são cinco terras indígenas divididas em cerca de 10 milhões de hectares e embora o governo tenha anunciado o plano de asfaltamento em maio, até o momento não foram definidas medidas para compensar as comunidades e prevenir incêndios e invasões em suas terras.

Os índios estão em guerra. Contra a arbitrariedade do homem branco, contra a falta de planejamento do governo e pelo direito de serem ouvidos. Paralelamente, há outro inimigo a ser combatido, um velho conhecido dos movimentos socioambientais: o financiamento de grandes instituições financeiras a empreendimentos que oferecem risco ao meio ambiente e a populações tradicionais.

Há menos de um mês o Banco Mundial anunciou um empréstimo de US$ 500 milhões ao Departamento Nacional de Infra-estrutura e Transporte (DNIT) do Ministério dos Transportes, para obras de recuperação das estradas federais. No projeto do referido empréstimo, há um breve parágrafo que dispensa qualquer avaliação de impacto ambiental para as obras em questão. Curioso posicionamento, uma vez que a avaliação de impacto é um importante documento segundo os critérios da própria instituição. Como justificativa para esta ausência, o Banco Mundial declara que os padrões ambientais do DNIT são "bem estabelecidos" e, portanto, "aceitáveis para o banco".

Ocorre que a situação de exclusão dos Kayapó e demais etnias nas tratativas para asfaltamento da BR-163 é apenas a ponta do iceberg, quando se trata de problemas nas estradas federais na Amazônia. Há ainda um quadro de ilegalidade generalizada nas rodovias como obras de pavimentação ilegais promovidas por governos estaduais, falta de licença ambiental ou licenças vencidas. Uma situação que se arrasta há anos sem solução e que foi alvo de uma série de reportagens neste site em abril.

Em 2004 uma portaria interministerial visava reverter o quadro por meio de Termos de Ajuste de Conduta (TAC), mas os prazos venceram em janeiro sem que se tivesse avançado um milímetro. Em resposta às reportagens, o Ibama se prontificou a promover uma força-tarefa para firmar TACs ao menos até o final de junho deste ano. Não conseguiu. Resultado: a ilegalidade permanece.

É diante desse contexto que o Banco Mundial avalizou os padrões ambientais do DNIT. Trata-se não apenas de uma das mais importantes instituições financeiras do mundo, mas também de um dos maiores atores no incentivo e controle de políticas sustentáveis. A International Finance Corporation (IFC), braço do Banco Mundial para financiamento ao setor privado, é o nascedouro dos princípios do Equador, conjunto de critérios mínimos ambientais adotados por bancos que respondem por 80% do financiamento de projetos em todo o mundo. Segundo o acordo, qualquer empréstimo de mais de US$10 milhões ao setor privado deve passar pela filtragem rigorosa desses princípios. Já para o governo brasileiro, o banco concede cinqüenta vezes esse valor com base em uma análise no mínimo questionável da capacidade do DNIT na área ambiental e ignora a inadequação à lei.

O Banco nem ia imaginar que no seu caminho encontraria, mais uma vez, os Kayapó, o que evoca péssimas lembranças em Washington. Quem sabe eles consigam o que os movimentos socioambientais parecem não ter conseguido, isto é, evitar que o Banco estabeleça um perigoso precedente, por meio de um paradoxal retrocesso em suas políticas. De qualquer forma, vale o Brasil agradecer mais uma vez seus guerreiros.

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.