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'Nossa lavoura é o mercado', diz cacique de tribo indígena urbana

G1 - www.g1.globo.com
Autor: Thais Kaniak
19 de Abr de 2013

A primeira tribo indígena urbana do Sul do Brasil, Kakané Porã, abriga 35 famílias, no bairro Tatuquara, em Curitiba. Ao todo, são mais de 150 pessoas, de três etnias - Kaingang, Guarani e Xeta -, sendo 60 crianças. O lugar é formado por casas populares e os indígenas têm acesso a internet, salão de cabeleireiro e até churrasco aos domingos.

O G1 publica até sexta-feira (19), Dia do Índio, uma série de reportagens sobre os indígenas que vivem em aldeias de Curitiba e Região. De acordo com a Fundação Nacional dos Índios (Funai), atualmente existem cerca de 15 mil indígenas divididos entre as tribos Guarani, Xeta e Kaingang vivendo no Paraná. Eles estão concentrados em aproximadamente 17 terras indígenas demarcadas pelo governo federal, onde recebem assistência médica, odontológica e educação diferenciada bilíngue.

O terreno da aldeia tem 44 mil metros quadrados e foi cedido pela Companhia da Habitação Popular de Curitiba (Cohab), com casas construídas pela instituição. As construções têm acesso à água encanada e à energia elétrica. "Precisamos trabalhar para comprar cesta básica, pagar água e luz", diz o cacique Carlos Luiz dos Santos. O nome da tribo significa "fruto bom da terra". Kakané é do idioma caingangue e Porã, guarani.

Os índios da aldeia trabalham para se sustentar, a maioria dos homens na construção civil e das mulheres no comércio. Apenas três famílias criam galinhas e nenhuma cultiva, nem mesmo, uma horta individual, devido à falta de espaço e, também, às formigas, como contou a esposa do cacique, Neuza dos Santos. Ela durante um período manteve uma horta no quintal de casa, mas acabou desistindo por causa dos insetos. "Nossa lavoura é o mercado", afirma o cacique.

A presidente da ONG (Organização Não Governamental) Aldeia Brasil, Sandra Terena, explica que, apesar da origem indígena, os moradores da Kakané Porã levam uma vida urbanizada. "Por estar na cidade, a tribo acabou perdendo elementos visuais. Eles colocaram estacas de madeira nas casas para remeter à cultura indígena". No meio das construções populares, uma oca figura no meio da aldeia - espaço destinado às atividades em grupo, como as aulas do idioma caingangue, por exemplo.

Os índios que hoje formam a Kakané Porã começaram a se encontrar nas praças no centro da capital paranaense, onde vendiam artesanato. A partir desses encontros, surgiu a vontade de morarem juntos em uma comunidade, já que todos viviam na cidade. Em 2005, eles ocuparam um terreno no bairro Borda do Campo. Porém, em menos de um ano precisaram sair do local, que pertencia a uma faculdade particular. No mesmo ano, encontraram outro terreno, no limite entre Curitiba e São José dos Pinhais, na Avenida Comendador Franco, onde havia um museu desativado.

Lá, dividiram o espaço em "mini casas" e passaram a morar em condições precárias - sem esgoto e com apenas um chuveiro com água gelada para todas as famílias usarem. Assim, foi criada a Aldeia do Cambuí, na Reserva do Cambuí. Após uma série de reinvindicações, o cacique Carlos conseguiu com a ajuda da Prefeitura de Curitiba e da Fundação Nacional do Índio (Funai) o terreno no Tatuquara para fundar a Kakané Porã.

O cacique Carlos morou na Aldeia de Mangueirinha , no sudoeste do estado, por 30 anos e decidiu sair de lá porque, segundo ele, a vida era difícil. "Sofria por não ter condições". Ao chegar a São José dos Pinhais, passou a trabalhar na construção civil, além de vender artesanato. Agora, aos 49 anos, o cacique é motorista. Com um carro cedido pelo governo federal para uso exclusivo na área da saúde, ele transporta os índios da aldeia para hospitais e postos de saúde. "Nossa aldeia é diferente das outras. Acho importante estar perto dos recursos, dos políticos, das escolas, dos hospitais", pontuou.

Conectados

As redes sociais são um fenômeno entre os índios da tribo. A adolescente Jaqueline Paraná da Silva, de 15 anos, indígena descendente de Caingangue e Xetá, acessa a internet diariamente. "Uso o computador na casa da minha tia [que mora na mesma aldeia]. Tinha o Ask.Fm, mas agora só tenho o Facebook", conta a garota, que é estudante da 8ª série da escola regular.

A caingangue Camila da Silva, de 26 anos, também tem acesso à internet, mas pelo celular. Nascida em Curitiba e filha de uma índia da Aldeia de Mangueirinha, Camila passou a morar em uma tribo aos 18 anos, na Aldeia do Cambuí. "Fui morar na aldeia com minha prima. Apesar de ter nascido na cidade, sou simples. Ser humano se adapta a qualquer lugar", afirma.

Terminando o Ensino Médio, o sonho de Camila é cursar a universidade. "Sempre quis fazer faculdade de Nutrição. Mas, agora, quero fazer Logística para abrir meu negócio", conta a jovem que já trabalhou no comércio. Ela é mãe de Thais Krieng, cujo significado no idioma caingangue é "estrela". A menina de seis anos frequenta a 1ª série da escola regular e vai às aulas do idioma, que são ministradas na aldeia por uma professora, também indígena, bilíngue.
A presidente da ONG lembra que, logo após a mudança da tribo para o Tatuquara, algumas pessoas passavam em frente ao local "tirando sarro" dos índios. "É importante entender e lidar com as diferenças. Eles não são inferiores, são diferentes", ressalta. Apesar de a aldeia ter adotado um estilo de vida urbano, Sandra enfatiza que os índios da Kakané Porã "não vão deixar de ser quem são por usar tecnologia". Inclusive, ela acredita que o avanço tecnológico seja importante para quebrar os preconceitos existentes em relação aos índios. A aldeia tem até uma página no Facebook.

Aldeia bilíngue

A professora Rosane Rodrigues dá aula da língua caingangue na aldeia duas vezes por semana para as crianças e uma vez por semana para os adultos. Atualmente, o estudo do idioma é a maneira mais concreta da preservação da cultura indígena em meio a uma vida tão urbanizada. Rosane conta que a iniciativa partiu da comunidade. "Idioma é bom para identificar o índio". Na casa da professora, os quatro filhos falam caingangue. Ela faz artesanato para vender - brincos com sementes, coco e penas, material que precisa comprar para montar as peças.

Os índios da Kakané Porã recebem na aldeia alunos de escolas e, também, vão a faculdades para dar palestras. É uma forma que eles encontraram de passar adiante a cultura do povo indígena. Um grupo de dança, formado por, aproximadamente, 15 índios da tribo, dança ao som de músicas e instrumentos musicais típicos para os turistas.

Os rituais sagrados não são realizados na aldeia, que não tem um pajé. "Sessenta por cento deles são católicos e 40% evangélicos", afirmou a presidente da ONG. A jovem Camila é evangélica e conheceu o marido, também indígena, por meio do grupo de orações que participava com a mãe do rapaz.

Salão de Cabeleireiro

Elisana dos Santos é a dona do salão de beleza da aldeia. Ela não é descendente de indígenas, mas é casada com Carlos Ubiratan dos Santos, filho do cacique. Mesmo trabalhando fora da aldeia, a cabelereira montou o espaço, em um cômodo dentro da casa onde mora, para atender aos moradores da tribo. Já Santos é motorista. Ele nasceu na Aldeia de Mangueirinha e se mudou para São José dos Pinhais com a família em 2002. "Perdemos um pouco do costume, mas o que a gente pode manter, mantemos". O casal tem um filho de sete anos, que está aprendendo a ler, escrever e falar o idioma caingangue. "Ele passa bastante tempo com o meu pai e aprende da nossa cultura com ele", relata.

Como a maioria dos indígenas da tribo trabalha fora, domingo é o dia em que algumas famílias conseguem se reunir na aldeia, segundo a esposa do cacique. "Tomamos chimarrão, assamos carne, fazemos maionese", conta Neuza. Eles ainda mantêm o costume de preparar o bolo de cinza, feito com trigo, sal e água. "Lembra um pão sírio", compara. A receita costuma ser preparada em datas comemorativas e é assada nas cinzas da brasa.
Hoje, uma das preocupações do cacique é a expansão da tribo. Os jovens irão se casar e construir novas famílias, precisando de mais espaço e casas. "Recebemos a orientação de fazer um projeto para adquirir outro local".

Escola

Uma reinvindicação atual é a construção de uma escola indígena dentro da aldeia. Atualmente, as crianças da tribo estudam em escolas regulares do ensino público e são levadas todos os dias para os colégios por um ônibus do governo estadual. O supervisor de obras do Núcleo Regional de Educação, da Secretaria de Estadual de Educação, Frederico Mangrich, disse que o processo de fundação da escola foi feito em 2011. O colégio terá o nome "Kager Mig-ffe" e será trilíngue, com o ensino dos idiomas: guarani, caingangue e português.

Mangrich explicou que, para a escola ser construída, é necessário que o terreno, onde a aldeia se localiza, seja doado para os índios ou, então, seja feita a cessão do terreno por 25 anos. "É um instrumento de lei exigido pelo governo federal. Os trâmites legais estão sendo encaminhados. Está em andamento, tanto a parte da prefeitura quanto do estado", afirmou.

http://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2013/04/nossa-lavoura-e-o-mercado…

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