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Norte e Maranhão detêm maioria dos sem-rendimento

OESP, Nacional, p. A13
10 de Set de 2011

Norte e Maranhão detêm maioria dos sem-rendimento
Censo do IBGE mostra que dos 4,8 milhões que vivem em extrema miséria maior parte é de negros, pardos e crianças de até 14 anos

Luciana Nunes Leal / RIO

Os municípios de numerosa população indígena da Região Norte e os mais pobres do Maranhão concentram as maiores proporções de miseráveis que vivem sem renda própria, apontam dados do Censo 2010 recém-divulgados. A radiografia dessa população de 4,8 milhões de habitantes - equivalente à soma dos moradores de Fortaleza e Belo Horizonte - mostra que são, na maioria, negros e pardos e crianças de até 14 anos.
Em maio do ano passado, quando anunciou a existência de 16,2 milhões de brasileiros em situação de extrema pobreza no País, o governo federal dividiu os miseráveis entre sem renda e os 11,4 milhões que tinham rendimento familiar per capita de R$ 1 a R$ 70 mensais. No mês seguinte, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) detalhou informações sobre os que tinham renda. O mapeamento dos sem-rendimento foi concluído em agosto.
Os números do Censo do IBGE mostram que, em Roraima, Estado brasileiro que detém a maior proporção de indígenas, 9% da população total é formada por pessoas que vivem em extrema pobreza e não dispõem de renda própria. No Maranhão, Estado mais pobre do Brasil, 6,7% da população - um contingente de 438 mil pessoas - vive nessas condições.
Critérios. O IBGE reuniu no universo dos miseráveis sem renda aqueles que recebem apenas benefícios como o Bolsa Família e os que não têm nenhum tipo de assistência monetária do poder público, mas não fez uma contabilidade de cada grupo separadamente.
Na pequena cidade de Santa Isabel do Rio Negro, no Amazonas, quase metade (48%) dos 18 mil habitantes não tem renda própria. É a maior proporção do País. No município, 59% da população é constituída de índios. Em Marajá do Sena, no Estado do Maranhão, três em cada dez moradores vivem em famílias sem renda própria. A cidade de 8 mil moradores tem a segunda pior renda média familiar per capita do País, de apenas R$ 153,47 mensais.
"A população sem renda que está em áreas de população indígena e de maioria rural vive fora do circuito mercantil, está em outro sistema de produção. Nessas áreas o nível de monetarização é baixo e é preciso pensar alternativas para as pessoas sem renda, porque não basta conseguir um posto de trabalho. Elas trabalham muito, mas com produtividade baixa", argumenta a professora Lena Lavinas, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), especialista no estudo da pobreza.
Índios. Pesquisador do Núcleo de História Indígena e do Indigenismo da Universidade de São Paulo (USP), o jornalista e antropólogo Spensy Pimentel avalia que, no caso da população indígena, a saída da pobreza extrema não estará resolvida somente com renda monetária. Ele cita o caso dos índios de Mato Grosso do Sul, onde concentra sua pesquisa.
"Podemos falar em uma crise humanitária. A desnutrição infantil diminuiu há alguns anos, com distribuição maciça de cestas básicas. As pessoas precisam delas para não morrer de fome. As condições de vida são muito precárias, há violência, assassinatos, altos índices de suicídio. Dentro da estratégia do (programa) Brasil sem Miséria, no casos dos índios e dos quilombolas, é preciso pensar, além do benefício monetário, em acesso a saúde, a educação e também a terra", afirma o pesquisador Pimentel.
Lena Lavinas destaca que há uma grande diferença entre os miseráveis sem renda que vivem em áreas de maioria indígena e de extrema pobreza rural - como é o caso dos Estados da Região Norte e do Maranhão, e aqueles que estão nas grandes cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, e podem se integrar ao mercado de trabalho. "Uma coisa é fazer parte do mercado de trabalho e enfrentar problemas para conseguir emprego. Outra muito diferente é fazer parte de uma população que está distante desse mercado e não vai entrar nele", explica a professora.
Metrópoles. Embora a proporção em relação à população total seja pequena, as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro têm juntas 335,2 mil habitantes em situação de pobreza extrema e sem renda própria. Assim como as capitais, os Estados do Rio de Janeiro e de São Paulo estão entre os poucos em que a população miserável sem renda é maior do que aquela que dispõe de rendimento familiar per capita de R$ 1 a R$ 70 mensais.
A distribuição por raça é outro dado que chama atenção nos números do Censo 2010. Enquanto o total de negros e pardos equivale a 50,7% da população brasileira, no universo dos miseráveis sem renda, eles representam 64,5%. Já a proporção de brancos, de 47,7% na população total, cai para 31,3% entre os miseráveis sem renda. Entre os indígenas a diferença também é grande. Os índios são apenas 0,4% do total de brasileiros e 2,9% da população sem renda que vive em extrema pobreza.

Desafios
LENA LAVINAS
ESPECIALISTA NO ESTUDO DA POBREZA DA UFRJ
"A população sem renda que está em áreas de população indígena e de maioria rural vive fora do circuito mercantil, está em outro sistema de produção"
SPENSY PIMENTEL
PESQUISADOR DA USP
"No casos dos índios e dos quilombolas, é preciso pensar, além do benefício monetário, em acesso a saúde, a educação e também a terra"

Área rural receberá atenção especial do Brasil sem Miséria
Programa prevê ações específicas, além do repasse de dinheiro, como construção de cisternas e de unidades de saúde

Luciana Nunes Leal
RIO

Além da ampliação do Bolsa Família, programa de transferência direta de renda, o Brasil sem Miséria prevê uma série de benefícios não monetários que serão implementados principalmente na área rural, onde um quarto da população vive em pobreza extrema. O País tem uma população rural de 29,5 milhões de pessoas, das quais 5,7 milhões (19%) têm renda familiar per capita de R$ 1 a R$ 70 mensais e 1,8 milhão (6%) são miseráveis sem renda própria.
Entre as ações que não envolvem repasse de dinheiro, estão construção de cisternas, assessoria técnica para agricultura familiar, distribuição de grãos para plantio e instalação de unidades de saúde.
Embora reconheça a necessidade de algum tipo de renda monetária para as famílias, a secretária extraordinária para Superação da Extrema Pobreza do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), Ana Fonseca, diz que, na área rural, os demais benefícios trazem mudanças significativas para os que vivem em pobreza extrema. "Estamos vendo o que o governo pode fazer em cada Estado. Em um país federal como o nosso, não tem política pública que se torne nacional sem passar por Estados e municípios", diz a secretária.
Ana destaca que o Censo 2010 reflete a realidade dos entrevistados no momento da coleta de dados e não acompanha as condições de vida das famílias ao longo do ano. Segundo ela, há um plano de ampliação das Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios (Pnads), do IBGE, para aferir com mais precisão as condições de vida dos brasileiros ano a ano.
"Temos uma preocupação com os domicílios de rendimento zero, tanto que incluímos uma questão sobre a remuneração bruta do trabalho no cadastro único. Com a Pnad ampliada, teremos uma nova dimensão dessas famílias", diz a secretária.
No caso das famílias miseráveis sem renda que vivem nas regiões metropolitanas, a maior dificuldade é localizá-las e cadastrá-las e para isso o governo contará com a concessionárias de energia elétrica, como revelou o Estado em junho passado. Além disso, Ana aposta nas parcerias com os governos estaduais, que complementarão o valor do Bolsa Família com programas próprios de transferência de renda.
Metodologia. Para chegar ao número de miseráveis sem renda, o MDS analisou as condições de vida e moradia de 6,8 milhões de brasileiros que declararam ao IBGE não terem tido renda própria no período de referência do Censo (julho de 2010). Dois milhões de pessoas ficaram fora do "filtro" do ministério. Segundo o MDS, essas famílias, por alguma razão, não tiveram renda no período do Censo, mas não têm as mesmas carências dos que vivem em condição de miséria.

PARA LEMBRAR
O Bolsa Família é um programa de transferência de renda criado em 2003 durante o primeiro mandato do ex-presidente Lula, com o objeto de incorporar ao Fome Zero os antigos programas implantados pelo governo FHC, como o Bolsa Escola e o Auxílio Gás. Hoje, o programa atende mais de 12 milhões de famílias. Os valores pagos pelo governo variam entre R$ 32 e R$ 242, de acordo com a renda familiar mensal por pessoa e o número de crianças e adolescentes de até 17 anos.

OESP, 10/09/2011, Nacional, p. A13

http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,norte-e-maranhao-detem-maio…
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