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Nordestino agora dispensa colheita de cana no sul

OESP, Economia, p. B6-B7
12 de Mai de 2013

Nordestino agora dispensa colheita de cana no sul
Com mais empregos locais, trabalhadores evitam a migração

Pablo Pereira - O Estado de S.Paulo

RIO DAS PEDRAS (SP) - Empresas do Centro-Sul do País que buscam mão de obra no interior do Nordeste para a produção agroindustrial estão voltando de suas missões de contratação com as mãos abanando. Mesmo experientes encarregados de recrutar gente para trabalhos de temporada, como a safra da cana, encontram limites para a formação das equipes que vão empunhar o podão nas áreas de colheita manual entre abril e novembro.

"Está mais difícil de conseguir gente", afirma José Jorge Dias, de Missão Velha, vizinha de Juazeiro do Norte, a 543 quilômetros ao sul de Fortaleza, encarregado de buscar peão para derrubar cana em lavouras da região de Piracicaba, interior paulista. Trabalhando para um consórcio de 76 produtores, o Concentral, em Rio das Pedras (a 170 quilômetros de São Paulo), Dias afirma que "antigamente era mais fácil contratar". Habituado com o recrutamento de peão nordestino, responsável por um grupo de 14 cearenses trazidos para a safra que vai até novembro, Dias explica que a oferta de empregos na construção civil e na mineração no Nordeste, além da mecanização da lavoura paulista, prejudicam o convencimento na hora de formar a turma.

Há duas semanas, Dias desembarcou do ônibus da Concentral que retornava do corte em uma área em Mombuca, cidade vizinha de Rio das Pedras, acompanhado pelo colega Romário Amorim Barbosa, outro encarregado de turma. Os dois, ao lado do paulista Donizete Moacir Aparecido da Silva, proprietário do Alojamento do Zetão, de Rio das Pedras, tocam parte do grupo de trabalhadores da Concentral, que tem 520 no podão.

Nem mesmo a seca que torra o chão da área rural nordestina provoca debandada de gente no rumo do sul para trabalhar, admitem os encarregados de turma - que não gostam de serem chamados de "gato", termo que julgam pejorativo. "Gato é ladrão", diz Zetão.

"O pessoal agora está mais exigente", conta Barbosa, encarregado de recrutar no interior da Bahia. Morador de Itiruçu, perto de Jequié, ele diz que o pessoal só aceita vir se conhece bem a empresa contratante, se puder voltar para casa no fim da safra e se tiver alojamento e quem faça a comida deles. "Ninguém mais quer vir se tiver de fazer a comida", completa Zetão, que está na lida da coordenação de peão há mais de 20 anos. "O pessoal está sofrendo muito lá com a seca. Mas não é mais como era antigamente, que se tinha mais facilidade para conseguir gente", emenda Dias.

Dono do alojamento na periferia de Rio das Pedras, Zetão explica que oferece acomodações para 84 trabalhadores, com 12 banheiros, cozinha e dormitórios. "Tem gente que já veio trabalhar com a gente em muitas safras."

Carteira assinada. De acordo com José Francisco da Silva Filho, produtor rural que lidera o consórcio Concentral, os trabalhadores que aceitam migrar para a safra exigem pagamento das passagens, de vinda e de volta, além de cesta básica de R$ 95, mais ajuda de custo de R$ 100 para aluguel, entre outros benefícios de um trabalhador contratado por tempo indeterminado. O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Piracicaba e Saltinho, Jacob Alcides Bortoletto, explica que a carteira assinada garante aos trabalhadores migrantes o recebimento do seguro-desemprego. "Esse pessoal que vem já está acostumado, é registrado lá na cidade deles e tem seguro, ônibus, tudo por conta de quem contrara."

Jossivan Bezerra dos Santos, de 36 anos, de Ipaumirim, também vizinha de Juazeiro do Norte, a 550 quilômetros de Fortaleza, conta ter deixado mulher e três filhas em casa. "É difícil passar esse tempo longe da família. Mas não tem jeito", contava o nordestino, que está nessa vida de cortador de cana há sete safras. "Está na hora de parar." Ele conta que plantou 4 hectares de feijão em seu sítio e perdeu tudo na seca. "A gente tem o Bolsa Família, mas é só R$ 134", diz Jossivan, que espera faturar no corte da cana cerca de R$ 800 limpos por mês até novembro.

Trabalho local segura migrantes

O secretário da Agricultura do município baiano Lagoa Real, região de Vitória da Conquista, a 517 quilômetros de Salvador, Valdemir Soares Martins, diz que o trabalhador nordestino aprendeu a valorizar sua força de trabalho e a região passa por mudanças de cultura no setor. "Eles hoje dão mais valor ao trabalho local e há uma série de políticas de incentivo para permanência deles por aqui", diz. "Hoje temos Bolsa Família, seguro de safra, Bolsa Estiagem, que ajudam a agricultura familiar."
Segundo Martins, a mecanização da lavoura no sul e a falta de segurança pública nos centros urbanos, como São Paulo, também colaboram para afugentar o trabalhador migrante. O secretário acredita que muita gente passou a buscar treinamento e aperfeiçoamento para trabalhar em outras áreas, como construção civil e comércio. "Eu diria que cerca de 30% dos trabalhadores daqui da região que migravam em busca de trabalho hoje já não fazem mais isso."
Fracasso. Osni Manteli, gerente de Recursos Humanos da GT Foods, de Maringá, dona da marca Frangos Canção, passou duas semanas percorrendo municípios de Alagoas e Bahia em busca de operários. Mas fracassou. "Estive no Sine de várias cidades", conta. "Segundo esses órgãos, não há interesse das pessoas em vir trabalhar no Paraná, especialmente pelo fato de que as pessoas que querem fazer isso têm o hábito de vir para trabalhar na safra da cana e ao final do ano costumam voltar e ficar uns 3 meses de folga. Para nós isso não serve. Queremos pessoas interessadas em fixar residência aqui", explica.
Em Alagoas, Manteli percorreu São Miguel dos Campos, Arapiraca, São Sebastião e Junqueiro. Procurou rádios para divulgar as ofertas de trabalho no Paraná, fez anúncios em carros de som pelas ruas. Mas só conseguiu 60 interessados em Junqueiro, a 107 quilômetros de Maceió. Na Bahia, ele foi a Brumado, Caetité, Anagé, Lagoa Real e Guanambi, cidades à beira da rodovia estadual 030. "Apenas 3 pessoas se inscreveram", lamenta.
Para Cícera Maria de Vasconcelos Brandão, diretora do Sine de Arapiraca, não é possível atender à demanda de empresas do Centro-Sul porque o município vive momento de boa oferta de trabalho. "Temos aqui um shopping sendo terminado em setembro e um distrito industrial que estão oferecendo emprego." / P.P.

Cidades baianas enfrentam a seca de forma diferente

TIAGO DÉCIMO , ITIRUÇU, LAGOA REAL (BA) - O Estado de S.Paulo

Cidades do sudoeste baiano, Itiruçu, a 360 quilômetros de Salvador, e Lagoa Real, a 730 quilômetros, têm características em comum. As duas têm cerca de 13 mil habitantes, estão a mais de 700 metros de altitude, têm na agricultura de pequenos produtores a principal fonte de renda e sofrem, há pelo menos dois anos, com a seca que assola o semiárido do Estado - o índice pluviométrico médio de ambas, por volta de 800 milímetros por ano, despencou para 300 nos últimos dois anos.
Em Itiruçu, porém, a população vem decrescendo, por causa do recrudescimento da migração da força de trabalho para outras regiões do País. Já em Lagoa Real, a população mantém o ritmo de crescimento, mesmo diante das dificuldades impostas pela seca.
A chuva, apesar de fraca e inconstante, voltou no início de abril. O cenário deixado pela estiagem em Itiruçu, no entanto, ainda é desolador. "A simples volta da chuva, mesmo que caia no volume esperado nos próximos anos, já não é suficiente para superar os estragos causados pela falta de água", diz o prefeito, Wagner Novaes (PSDB).
Itiruçu tem uma história atípica na Bahia. Colonizada por imigrantes italianos, que dividiram as terras em pequenas propriedades a partir da década de 1950, a cidade cresceu com a produção de hortaliças. No fim da década de 1970, começou o ciclo do café, responsável por empregos rurais de toda a região. No auge, em 1986, o município colheu 50 mil sacas de café. A produção incentivou a construção, em 1989, da maior fábrica da cidade, a Café Tenisi, do casal de imigrantes Bruno e Concettina Tenisi - donos de uma fazenda.
A seca praticamente destruiu a produção. "Despencou, nos últimos três anos, para menos de mil sacas de café", conta o produtor e secretário de Desenvolvimento Econômico e Agrícola da cidade, Vincenzo Tenisi, sobrinho de Concettina. "Dos quase 2 mil trabalhadores em plantações que a cidade tinha há três anos, restam apenas 200."
Hoje Concettina concentra os esforços, junto com os filhos, na torrefação, moagem e embalagem do café para a venda. "Compro os grãos de Minas Gerais, do Espírito Santo e de outras regiões da Bahia", diz a empresária, que emprega dez pessoas. A produção é de 8 toneladas de café moído por mês.
Diferentemente de Itiruçu, Lagoa Real tem conseguido enfrentar a estiagem. "Há muitos problemas, mas estamos conseguindo diminuir a saída dos trabalhadores e manter a economia funcionando", diz o prefeito Francisco José Cardoso de Freitas (PSD).
Segundo ele, foi necessária "uma conjunção de fatores" para amenizar os estragos causados pelo que chamou "maior estiagem da história" - pela primeira vez, diz, a lagoa que dá nome à cidade está seca. Os principais: a localização de água subterrânea suficiente para irrigar boa parte das plantações, por meio de perfuração de poços (o que não ocorreu em Itiruçu), e grandes obras de infraestrutura na região.
"Como cerca de 80% da população mora na zona rural, foi fundamental a descoberta desses poços e, aliada a isso, a introdução de novas culturas, mais rentáveis." Segundo ele, 200 poços artesianos foram perfurados nos últimos dois anos.

Rumo ao sul e de volta à lavoura

Há quatro anos, a auxiliar administrativa da Diretoria de Cultura de Itiruçu, Roseli Reis Ramos, de 38 anos, economiza parte do salário para passar as férias em Joinville (SC), para onde suas três irmãs se mudaram nos últimos anos.
Este ano, porém, Roseli não viajou. Está esperando as irmãs, que voltam à cidade em julho para visitar a mãe, de 62 anos. Enquanto o reencontro não ocorre, Roseli mata a saudade pelas redes sociais. "Falo com elas todos os dias", conta.
Sem perspectiva de crescimento profissional na cidade, as irmãs de Roseli foram deixando Itiruçu com o surgimento das oportunidades em Joinville. O processo começou há cinco anos, quando um cunhado dela foi para a cidade catarinense e começou a trabalhar como segurança nos Correios.
Roseli também chegou a ir para a cidade, em 2009, e passou seis meses, mas decidiu voltar. "Estava preocupada com minha mãe", lembra.
A realidade da família Reis é comum na cidade. José Antônio Prado, de 34 anos, por exemplo, já participou de três temporadas de colheitas em São Paulo e Paraná. Este ano, foi quem ficou para cuidar da mãe, de 53 anos, dando oportunidade aos dois irmãos que ainda moram na cidade.
Maracujá. Foram oito anos em serviços temporários nas lavouras do interior de São Paulo até que a possibilidade de conseguir viver na cidade natal, Lagoa Real (BA), aparecesse. E a mudança veio rápida para o agricultor Nivaldo José de Almeida, 35 anos, apesar da seca na região.
Há dois anos, após a perfuração de um poço em sua pequena propriedade, de 12 hectares, Almeida apostou na cultura de maracujá para diversificar a pequena produção e tentar ganhos maiores.
Bastou a primeira colheita para ele descobrir que havia acertado na escolha. "Plantei meio hectare de maracujá e colhi 36 toneladas", lembra o agricultor. "Com o preço da fruta a R$ 2,70 o quilo, foi muito vantajoso." Com os ganhos, Almeida conseguiu erguer uma casa no terreno, comprou carro e moto.
Até o secretário de Agricultura do município, Valdemir Soares Martins, está animado com a cultura do maracujá. "Já limpei um terreno na minha roça para plantar", conta o secretário, que tem uma propriedade na qual cria gado, porcos e galinhas.
"Quero aplicar meus conhecimentos técnicos a essa nova cultura e disseminar as melhores práticas do cultivo", acrescenta. / T.D.

OESP, 12/05/2013, Economia, p. B6-B7

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