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No reino das águas claras

O Globo, Revista O Globo, p. 42-43
09 de Jul de 2006

No reino das águas claras
Isolada pelo relevo, região da Amazônia abriga espécies desconhecidas e belezas naturais raras

Por Roberta Jansen

Cachoeiras de águas claras e animais nunca antes avistados por pesquisadores são apenas algumas das riquezas de uma região bastante isolada e pouco conhecida da floresta amazônica, a Juruena-Apuí, na divisa dos estados de Mato Grosso, Amazonas e Pará. O relevo acidentado e os rios encachoeirados tornam muito difícil o acesso ao local.

O isolamento faz aumentar bastante a possibilidade de se encontrarem nessas áreas espécies desconhecidas, ainda não catalogadas pela ciência, e belezas naturais apreciadas por muito poucos. Por isso mesmo, pesquisadores da Universidade Federal do Mato Grosso, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), do Ibama, do WWF e de ONGs locais organizaram a primeira expedição à região, integrada por cerca de 80 especialistas. Alguns ainda estão em campo, mas outros já voltaram. O saldo é animador: ao que tudo indica, quatro espécies novas foram descobertas e cachoeiras de grande potencial turístico, localizadas.

- Os pesquisadores do Inpa conseguiram identificar um sapo, dois peixes e um tipo de copaíba que acreditam ser espécies novas para a ciência - contou Marcos Roberto Pinheiro, do WWF na Amazônia, coordenador da expedição. - Quando eles chegarem, vamos comparar as amostras coletadas com as coleções existentes no Inpa e no Museu Goeldi para, aí sim, podermos dizer com toda segurança que são espécies novas. Mas os pesquisadores que estão em campo dizem que as chances de serem realmente inéditas são muito grandes, de 95%.

Dado o isolamento da região, o fato já era esperado pelos especialistas. A biodiversidade da Amazônia já é naturalmente bastante rica e pode apresentar diferenças significativas num espaço tão curto quanto um quilômetro. Barreiras naturais, como montes e rios, isolam determinadas áreas, induzindo à especiação.

- Nessa região existe uma formação geológica chamada domo, uma intrusão do magma das profundezas da Terra na superfície - conta Pinheiro. - O relevo ali é muito diferente do da planície amazônica, é uma região muito montanhosa, com barreiras geográficas. Quando alguns animais não conseguem transpor determinados obstáculos, ficam isolados numa área e começam a se especializar, a sofrer mutações que os vão tornando diferentes ao longo de milhares de anos.

A região também se destaca do ponto de vista de sua biodiversidade por ser um ecótono - um lugar que reúne ecossistemas distintos - no caso, a floresta amazônica e o cerrado.

- Isso faz com que encontremos no meio da floresta, por exemplo, um tamanduá bandeira, um animal de cerrado, ao lado de bichos amazônicos, como o boto cor-de-rosa - afirma Pinheiro.

Do ponto de vista das belezas naturais, que poderiam, no futuro, ser exploradas turisticamente de forma sustentável, Pinheiro destaca as cachoeiras do Parque Juruena, a mais nova área de conservação do Brasil, criada há um mês.

- A Amazônia tem rios de águas pretas, brancas e claras. Essas cachoeiras são de águas claras - conta o pesquisador. - Descemos cerca de 18 quedas da área, mas destaco o Salto Augusto e o Salto São Simão, são deslumbrantes.

Estratégia para barrar o desmatamento

Além de detectar novas espécies e potenciais riquezas da área, a expedição tinha por objetivo alavancar a implementação de fato da unidade de conservação do Parque da Juruena, uma vez que foi a primeira atividade do Ibama na área.

- Um dos objetivos era estabelecer os primeiros contatos com o poder público local, com representantes da sociedade civil, além de levar pesquisadores para começarem a estabelecer as primeiras observações para a elaboração do plano de manejo da região - aponta Pinheiro. - Além da relevância biológica, o Parque da Juruena (de 1,9 milhão de hectare) tem uma importância estratégica grande. É uma peça importante para o corredor de conservação de bloqueio do arco do desmatamento, para impedir o avanço da destruição.

O Globo, 09/07/2006, Revista O Globo, p. 42-43

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