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No rastro do matador

O Globo, O Pais, p.13
25 de Fev de 2005

No rastro do matador

A polícia prendeu dois suspeitos do assassinato do ambientalista Dionísio Júlio Ribeiro Júnior, morto na noite de terça-feira, próximo à entrada da Reserva Biológica do Tinguá, em Nova Iguaçu. Um caçador foi detido na noite de ontem e teria confessado informalmente que atirou contra o ambientalista. Na noite de anteontem, José Reis de Medeiros, de 40 anos, apontado como suspeito do crime com base em informações passadas ao Disque-Denúncia, foi preso por policiais da Delegacia de Homicídios da Baixada. Condenado a 13 anos por um homicídio em Miguel Pereira e respondendo a outro processo pelo mesmo tipo de crime, José Reis disse ser inocente e que estava em casa na hora em que Dionísio foi baleado. Ele mora há seis meses numa casa a cerca de 300 metros do local do crime. No relato feito ao Disque-Denúncia, ele foi apontado como caçador. Na delegacia, José Reis contou que pegava frutas na reserva. O chefe de Polícia Civil, Álvaro Lins, garantiu que o crime estará esclarecido em breve.

— Já montei uns laços para pegar gambá, mas nunca consegui nada — disse José Reis. — Eu não tinha problemas com Seu Júlio (como Dionísio era conhecido). Eu mal o conhecia.

A principal linha de investigação é a de que Dionísio foi morto por extratores de palmito ou caçadores que atuam na reserva. Nos últimos meses, o ambientalista teria recebido ameaças. O delegado Rômulo Vieira, titular da Delegacia de Homicídios da Baixada, disse que policiais foram a Tinguá na noite de anteontem checar a informação passada pelo Disque-Denúncia, prendendo José Reis e um outro homem, que prestou esclarecimentos e foi liberado. Como era foragido, José Reis ficou preso. A polícia, no entanto, não conseguiu qualquer prova contra ele, além da denúncia anônima.

Ele contou que ficou preso durante sete anos e oito meses e, quando passou para o regime aberto, saiu um dia do presídio e não voltou mais. Foi condenado pelo assassinato em 1987 de José Carlos Baltar, em Miguel Pereira. Um homem que, segundo ele, matou um de seus irmãos e ameaçou toda a família. O outro assassinato que ele praticou foi na mesma cidade, mas José Reis disse não lembrar quando. A vítima era Jorge Amado, um ex-namorado de uma irmã de José Reis.

O preso estava vivendo nos fundos da casa de uma mulher há cerca de um mês. A moradora, que não quis se identificar, confirmou que, na hora do crime, ele estava em sua residência.

— Ele chegou aqui em Tinguá há cerca de três meses, fez amizade com o meu sobrinho e veio morar aqui em casa — contou.

PF investiga se ex-PMs ou PMs estariam envolvidos

José Reis disse acreditar que foi denunciado porque os vizinhos sabiam que ele já tinha sido preso por homicídio.

— Sofri muito dentro da cadeia e, por isso, assim que pude sair, não voltei mais. Agora, tenho que pagar minha dívida com a Justiça. Quanto a esse caso da morte do Seu Júlio, a Justiça vai ter que esclarecer — disse.

A Polícia Federal, que também abriu inquérito, está trabalhando com a informação de que PMs ou ex-PMs poderiam estar ligados à morte, já que são suspeitos de participar de quadrilhas que atuam na extração ilegal de palmitos e de areia na região. As investigações nesse sentido foram iniciadas ano passado pela equipe do delegado Antonio Rayol, afastado da Delegacia de Meio Ambiente da PF. Rayol disse ontem que recebeu várias denúncias de ambientalistas.

Desmatamento é outro problema

A luta do ambientalista Dionísio Ribeiro e dos guardas florestais do Ibama não se resume ao combate à exploração de palmito e à caça de animais na Reserva Biológica do Tinguá. Além de dar advertências, os fiscais multam proprietários de terras nas proximidades da área de proteção ambiental, ou mesmo donos de parte da reserva que descumprem a lei que manda preservar a região. É o caso do pastor Marcos Pereira da Silva, da Assembléia de Deus dos Últimos Dias. Segundo o Ibama, ele foi multado em R$ 150 mil por ter devastado uma área de Mata Atlântica.

A multa foi aplicada em abril de 2004 porque a igreja estava construindo numa área de topo de morro, o que é proibido pela legislação ambiental. Na época o pastor explicou que o seu objetivo era transformar o terreno na Fazenda da Vida Renovada para a recuperação de ex-presidiários. O missionário alegou ainda que não sabia que a área era preservada.

A fazenda tem quatro alqueires, sendo que 40% de sua área ficam na reserva, regulamentada pela Lei 9.985 de 2000. Segundo o chefe da reserva, o engenheiro agrônomo Luís Henrique dos Santos Teixeira, acima da cota cem (cem metros de altura) não pode haver edificações nem desmatamento. Segundo Teixeira, o laudo técnico do Ibama afirma que parte de um morro de 120 metros de altura, dentro da fazenda, foi devastada, desrespeitando os limites impostos pela legislação ambiental. Segundo ele, logo que o pastor comprou o terreno, que já estava um pouco degradado, ele usou tratores para rebaixar o morro.

A Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE) chegou a investigar a ligação do pastor Marcos — o mesmo que negociou fim de uma rebelião na Casa de Custódia de Benfica — com o traficante Alberico de Azevedo Medeiros, o Derico, preso em agosto.

Vítima teria deixado dossiê que pode dar pistas sobre o assassino

Um dossiê que teria sido feito por Dionísio Júlio Ribeiro Júnior, relatando ameaças que vinha sofrendo, pode ajudar a polícia a elucidar o assassinato do ambientalista. A possível existência do dossiê foi revelada ontem por integrantes de ONGs durante o enterro de Dionísio. Ele, segundo ambientalistas que preferiram não se identificar, teria dito há mais de um ano que estava reunindo anotações e fitas sobre as ameaças que sofria.

De acordo com Yatamala Parintintins, da ONG Guardiões Ecológicos da Mata Atlântica (Gema), o ambientalista havia comentado na última sexta-feira que recebera uma carta com ameaça de morte. Um outro integrante da ONG, Sebastião Telles, que também recebeu ameaças por telefone, disse que a carta dizia para Dionísio abrir o olho porque estava chegando a sua hora”.

De acordo com Yatamala, Dionísio temia as ameaças e por isso não costumava mais sair de casa à noite. Ela contou que, nos últimos dias, o ambientalista, com medo de atentados, às vezes não dormia em casa, preferindo ficar num cômodo construído no terreno da sua residência. Yatamala contou também que Dionísio não queria ir à reunião de terça-feira à noite, na saída da qual acabou sendo morto. No entanto, depois de um telefonema, resolveu comparecer ao encontro.

— Até agora não entendi por que ele foi à reunião e voltou tarde, o que não era seu hábito — disse.

A Polícia Federal, que abriu inquérito para investigar o assassinato, já recebeu a informação sobre a possível existência do dossiê. Segundo o delegado Marcelo Bertolucci, agentes estão investigando se o documento de fato existe.

Deputado vai verificar se autoridades souberam de ameaças

Também ontem, o deputado Alessandro Molon (PT), integrante da Comissão de Direitos Humanos da Alerj, disse que vai conversar com funcionários do Ibama e integrantes da ONG Grupo de Defesa da Natureza, da qual Dionísio fazia parte. Segundo o deputado, se o dossiê realmente existir, pode dar pistas sobre o assassino. Molon disse que pretende confirmar se o ambientalista denunciou a autoridades, mesmo que informalmente, as ameaças sofridas.

— Caso seja confirmado que ele pelo menos comentou com autoridades que estava recebendo ameaças e nada foi feito, fica configurada a negligência das mesmas autoridades — disse o deputado.

O chefe da Reserva Biológica do Tinguá, Luís Henrique Santos Teixeira, não descarta a possibilidade de o crime ter sido cometido por palmiteiros.

O Globo, 25/02/2005, O País, p.13

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