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No Parque do Jaraguá, guaranis estão em busca de um pajé

OESP, Cidades, p.C1
19 de Jan de 2004

No Parque do Jaraguá, guaranis estão em busca de um pajé
Líder de aldeia já passou dos 60 anos e ainda não encontrou substituto
Marines Campos

Não é nada fácil se tornar um pajé. Não existe treinamento para transformar um índio em chefe e nem a aparência tem valor. "Precisa ter dom e mostrar sabedoria desde criança", explica um guarani que vive na aldeia Karay Mirim, no Parque Estadual do Jaraguá. Ele pertence a uma das 48 famílias indígenas instaladas há dez anos em um espaço apertado de terra da região noroeste. O grupo sobrevive da venda do artesanato.
Penúltimo ponto de parada da expedição, a aldeia guarani impressionou os viajantes pela precariedade. Algumas casas são feitas de tábuas, outras de alvenaria ou pau-a-pique, onde falta a limpeza, mas não aparelhos de TV. Ali quem dá as ordens é o pajé Cwyra Pepó, ou José Fernandes, que nasceu em São Paulo, passou por Ubatuba, viveu em Parelheiros, na zona sul, e fundou a aldeia aos pés do pico do Jaraguá.
Fernandes já passou dos 60 anos, mas hoje não há um indiozinho sequer na aldeia com o dom de substituí-lo. "Por enquanto, nenhum está demonstrando esse talento", explica um dos índios. Talvez um dos bebês que será batizado no mês que vem, quando começa um novo ano no calendário guarani, mostre algum dia que nasceu para ser líder.
O último dia da viagem por São Paulo também levou os expedicionários à fábrica de cimento Portland Perus, criada em 1926 e desativada há 20 anos.
Inicialmente fundada com capital canadense e depois tocada com o dinheiro da família Abdalla, a fábrica só tem a carcaça, abandonada em um terreno de Perus.
Também esquecida ali está a linha do trem que levava o calcário de Cajamar para se transformado em cimento e cal. Foi da fábrica que saiu a matéria-prima para a construção do Edifício Martinelli, do Viaduto Santa Ifigênia e da maioria dos casarões de Higienópolis.
A carcaça também é símbolo da resistência dos moradores, que brigaram contra a poluição cinzenta que se amontoava sobre os telhados. Em 1973, durante o regime militar, foi de Perus que saiu a primeira passeata ecológica, com o slogan "o pó esmaga a vida", exigindo a instalação de filtros antipoluentes.
"Se fizessem um estudo aqui, iriam encontrar antigos funcionários com silicose pulmonar", observou a geóloga Patrícia Sepe.
O geógrafo Márcio Antonio Bezerra, morador do bairro, foi o guia dos expedicionários na fábrica. Ele integra um movimento pela transformação da antiga indústria em um centro cultural. A Portland Perus está marcada na história de São Paulo por outro fato inédito. Uma greve dos quase mil trabalhadores paralisou a fábrica entre 1962 e 1969.
A viagem pelas ruínas de cimento e pela aldeia guarani terminou com uma visão deslumbrante da cidade, do alto do torre do Jaraguá, onde nos mirantes placas avisavam os distraídos: "Cuidado, abismo". E não havia dúvida de que, embora cercados pela mata, os pesquisadores da expedição estavam em São Paulo. Havia a mistura da paisagem, de gente passeando e do cheiro do churrasquinho.

OESP, 19/01/2004, p. C1.

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