VOLTAR

No modelo atual, investir em hidrelétricas não é seguro

FSP, Mercado, p. 7
Autor: BOLOGNESI, Ronaldo
06 de Dez de 2014

No modelo atual, investir em hidrelétricas não é seguro
PARA O DONO DOS 2 MAIORES PROJETOS DE TERMELÉTRICAS A GÁS DO BRASIL, GRANDES USINAS A ÁGUA FICARAM INVIÁVEIS NO PAÍS

Entrevista - Ronaldo Bolognesi

DE SÃO PAULO

Ao criar uma nova fronteira para o gás natural no Brasil, o gaúcho Ronaldo Marcelio Bolognesi, 72, presidente do Grupo Bolognesi, apresenta-se como um dos empresários mais ousados no setor de energia. Dono dos dois maiores projetos de usinas termelétricas, Bolognesi decreta a inviabilidade da continuidade da matriz hidrelétrica.
Segundo ele, a restrição da construção de grandes reservatórios de água nas usinas que estão sendo projetadas na Amazônia impede a manutenção do "selo" sustentável que o Brasil detém no setor elétrico.
"As principais hidrelétricas da Amazônia tiveram orçamentos muito abaixo dos custos finais das obras. [...] Os problemas nós estamos enfrentando hoje."
O alvo da crítica são as grandes usinas construídas em áreas remotas da floresta amazônica, especialmente Belo Monte (PA), Jirau (RO) e Santo Antônio (RO). As três enfrentam dificuldades para manter os cronogramas em dia e para evitar uma explosão dos orçamentos.
No fim de novembro, Bolognesi conseguiu emplacar no leilão realizado pela CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica) dois projetos que, quando prontos, serão as maiores termelétricas do país.
As duas usinas, uma em Pernambuco e outra no Rio Grande do Sul, terão 1.238 megawatts de potência cada uma, o que representa cerca de 10% da capacidade instalada da usina de Itaipu.
Sem poder contar com a Petrobras para a entrega do gás, para viabilizá-las, o empresário precisou projetar dois terminais de gaseificação, que ficarão ao lado das usinas, e firmar contratos de 25 anos para a compra do gás fora do Brasil.
Ele conta que precisou convencer os fornecedores a aceitar o prazo, algo incomum no exterior, mas exigido pela legislação para projetos de termelétricas.
Apesar de poucas sobras de gás, já que quase tudo será queimado nas termelétricas, os 16 metros cúbicos por dia de gás natural poderão aumentar em 18% a oferta do produto no país.
A seguir, Bolognesi conta seus objetivos e suas expectativas para o setor elétrico.
(MACHADO DA COSTA)

Folha - Há uma mudança de paradigma com a construção de novas usinas a gás, algo que era inviável pela restrição de oferta por parte da Petrobras?
Ronaldo Marcelio Bolognesi - A mudança radical está no fechamento de um contrato de 25 anos de fornecimento de gás, o primeiro feito no Brasil. Nosso fornecedor é do golfo do México. Esse contrato foi feito por uma exigência da EPE (Empresa de Pesquisa Energética) para o leilão.
Somos o primeiro grupo que conseguiu um contrato nesse prazo com um preço competitivo para ganhar o leilão. Isso demandou uma mudança na nossa filosofia e até na do fornecedor.
Quanto tempo levou a maturação do projeto?
Os projetos demoraram cinco anos para sair do papel. O mais difícil de conquistar foi uma tarifa que trouxesse segurança para o contrato de gás. Houve também dificuldades para firmar o contrato de gás, que, por exigência do setor elétrico brasileiro, precisa ser de 25 anos.
No exterior, esse prazo não é praticado. Mas é uma prática elogiável, por trazer segurança aos projetos.
Com o caminho das pedras já mapeado, o sr. vê risco em outros se valerem da experiência da Bolognesi e seguir esses passos?
Não será tão fácil assim, porque não é comum os supridores internacionais firmarem contratos nesse prazo. Agora, como empresário, torço para que outros não encontrem esse caminho.
As novas unidades de gás podem torná-lo um concorrente da Petrobras?
Não queremos e nem conseguimos tirar fatia da Petrobras no mercado de gás. Apenas estamos aumentando um pouco a oferta. Cada terminal tem capacidade de 14 milhões de metros cúbicos por dia. As duas termelétricas, uma em Rio Grande (RS) e outra em Suape (PE), consumirão 6 milhões por dia cada uma. Sobram 8 milhões [9% da oferta atual], que podemos destinar para outras atividades. No consumo do país, não é grande coisa.
Foram vendidos no leilão 49% da energia que será gerada pelas duas usinas. Isso é suficiente para financiá-las?
Para nós, o leilão foi um sucesso. Conseguimos por um preço quase no teto [R$ 206,5, ante R$ 209 por MWh]. Não dá para se queixar. São dois projetos que serão estruturados com essa receita de 25 anos. Além disso, essas usinas, de pouco mais de R$ 200 (por MWh), ocuparão o lugar de térmicas que custam mais de R$ 800/MWh, de forma mais sustentável.
Ao lado das usinas, o grupo está construindo duas unidades de gaseificação. Isso deve restringir os próximos projetos no setor elétrico?
Atualmente, temos PCHs (pequenas centrais hidrelétricas) no nosso portfólio. A questão é que somente no último leilão as tarifas compensaram os riscos, principalmente os geológicos, desses projetos. O empresário precisa ter uma remuneração que compense esses riscos.
E em grandes hidrelétricas, é seguro investir?
Pelas tarifas que as últimas ganharam, obviamente não. Elas foram comercializadas a preços irreais. E isso está sendo mostrado agora. As principais hidrelétricas da Amazônia tiveram orçamentos muito abaixo dos custos finais das obras. O empresariado, à época, acreditou que era possível chegar a bons resultados, um irrealismo que causou problemas que estamos enfrentando hoje.
Qual o problema na relação de custos?
A questão principal tem relação com os reservatórios. As grandes reservas só podem ser construídas na bacia amazônica. Precisamos de uma sociedade que saiba para onde quer ir. É preciso escolher: vamos manter os projetos das usinas a fio d'água, com pouca água reservada, o que exigirá térmicas para complementar o sistema, ou vamos criar reservatórios com mais capacidade?
A política de promoção de projetos com menor impacto ambiental está errada?
Nós precisamos de preços e tarifas que permitam o investimento correto. Quando se puxa muito para baixo, pode ter um efeito reverso. Quando não há uma taxa de retorno adequada, cria-se apenas uma ilusão. O empresariado tem chancelado essa mentalidade, principalmente com os projetos de usinas eólicas. O peso das eólicas na matriz energética tem um limite de 15%, caso contrário a transmissão não aguenta, por causa da intermitência do vento.
Quantos projetos do grupo estão em andamento neste momento?
Temos 15 usinas gerando, em todos os segmentos. De térmicas a óleo combustível, no Ceará, a um parque eólico no Rio Grande do Norte. As novidades estão por conta dessas duas novas usinas com GNL (Gás Natural Liquefeito) importado.
O grupo atua em diversos setores. Qual o peso da energia no faturamento?
A energia neste ano deve passar a representar 70% da geração de caixa do grupo. Quando essas duas novas estiverem prontas, isso pode chegar a até 90% do faturamento do grupo.
Quando veio a decisão de investir no setor elétrico?
Começamos em 2000 com os primeiros projetos de PCHs, que começaram a gerar em 2004 dentro do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica. É curta nossa história, com ascensão rápida, mas cuidadosa.
Rotineiramente o setor se depara com mudanças de regras. Como vê a regulação?
O certo seria deixar o mercado se regular por ele mesmo, em termos de oferta e demanda. Essa linha me parece melhor a longo prazo. O PLD é um valor elevado que promove distorções, mas mudanças abruptas também geram distorções. Não consigo avaliar a consequência dessa escolha neste momento.

Raio-X - Ronaldo Bolognesi
IDADE
72
FORMAÇÃO
Engenheiro pela PUC do Rio Grande do Sul
ATUAÇÃO
Fundou a Bolognesi Engenharia em 1973 como uma empresa de engenharia civil. Em 2000, debutou no setor elétrico ao criar a Hidrotérmica. É presidente de honra da Associação Brasileira dos Pequenos e Médios Produtores de Energia

FSP, 06/12/2014, Mercado, p. 7

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/especial/198808-no-modelo-atual-invest…
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/especial/198809-raio-x-ronaldo-bologne…

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.