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No Fru.to, a comida em todos os seus elos

OESP, Paladar, p. D4
Autor: SMERALDI, Roberto
31 de Jan de 2019

Fru.to discute a gastronomia em todos os seus elos de produção
Segunda edição do evento, realizada em São Paulo, conectou lideranças de diferentes setores, oriundos de dezenas de países, em torno da comida

por Roberto Smeraldi

Começou com o neurocirurgião Atom Sarkar mostrando crânios do neolítico: "vejam os substratos neuro-anatômicos críticos para realizar conscientemente a mágica da experiência prazerosa do comer". Uhm, pensei: o legítimo "prato-cabeça"!

A segunda edição do Fru.to, realizada no fim de semana passado em São Paulo, não gerou fotos de pratos para se postar nas redes sociais. Mas conectou lideranças dos setores mais diversos, oriundos de dezenas de países, em torno da comida. Aliás, da boa comida. Não faltaram chefs premiados - de Andoni Aduriz a Alice Waters. Mas eles vieram para compartilhar os impactos que seu trabalho geram em termos de educação, saúde, economia, empreendedorismo, cultura.

Ao longo de três dias densos, foi possível entender como a arqueologia revela hoje os segredos da domesticação de espécies vegetais e animais. Como, na Amazônia - apesar da fama de ambiente "selvagem" -, tivemos dois dos principais centros independentes de domesticação de plantas do mundo, por volta de 8 mil anos atrás. Que o teste de escala de produtos orgânicos acontece hoje na China, com seu meio milhão de produtores. E, ainda, como funcionam as unidades de cultivo de hortaliças em supermercados e restaurantes, que se espalharam nos últimos dois anos pela Alemanha. Ou como se viabilizam negócios inovadores com comida em comunidades marginalizadas da África, da periferia de São Paulo ou do México - é fascinante o empreendimento de cogumelos montado no Zimbábue por Chido Govera, cuja infância no lixo foi decisiva para desenvolver um modelo de produção que já atinge dimensão internacional.

O Fru.to representa uma novidade brasileira e peculiar, no cenário internacional dos eventos de gastronomia. Idealizado e curado por Alex Atala e Felipe Ribenboim, é organizado pelo Instituto Atá. Foca a comida em todos seus elos. Mas a cozinha não aparece na programação. Ela é celebrada nas refeições e lanches servidas ao longo dos três dias, em uma espécie de evento dentro do evento: a cozinha tecnicamente desafiadora, para atender os cerca de 350 convidados, com qualidade, utilizando apenas sobras de mercados, feiras e restaurantes. Aliás, impressionou o chef britânico Doug McMaster, cujo restaurante Silo se tornou ícone de um sistema que não se limita a gerar lixo zero, mas dá uso até mesmo a resíduos gerados por terceiros.

A chef Paola Carosella constatou que da diversidade ali presente aflorou algo comum, que no dia a dia a sociedade não enxerga. E a percepção de que há necessidade de mais aproximação e intimidade entre os setores que integram as cadeias interessadas em comida. Em sociedades altamente divididas e polarizadas como as atuais, o poder de mobilização transversal da comida pode resultar em demandas transformadoras.

As palavras de Carosella viraram uma provocação. Sugeriram a continuidade do ambiente que se materializou no Fru.to fora do evento, para alimentar parcerias, negócios e inovação o ano inteiro, e para além da nossa panelinha. Nas palavras do Dalai Lama que apareceram no fim do evento, "abandone-se sem prudência ao amor e à cozinha".

OESP, 31/01/2019, Paladar, p. D4

https://paladar.estadao.com.br/noticias/comida,fruto-discute-a-gastrono…

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