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No coracao da selva, fotografo ve Negros da Floresta

OESP, Caderno 2, p.D11
24 de Set de 2004

No coração da selva, fotógrafo vê Negros da Floresta
Carlos Penteado mapeia comunidades quilombolas da Amazônia e expõe seu achado
Jotabê Medeiros
Nos anos 90, o fotógrafo paulistano Carlos Penteado planejou uma aventura pelo Aconcágua, fabuloso monte nos Andes argentinos apelidado de Sentinela de Pedra, com cerca de 7 mil metros de altitude, local sujeito a avalanches, tempestades, ventos de 150 km/h, onde o ar é rarefeito e todo mundo fica tonto.
Não deu certo, problemas familiares impediram a viagem, ele conta. Alguns anos depois, em 2001, o irrequieto Penteado iniciaria outra aventura, só que desta vez ele não iria em busca da façanha espetacular, do meio ambiente inóspito e desafiador. Ele foi, isso sim, em busca do homem e sua história.
Penteado embrenhou-se pelo Amazonas atrás de comunidades rurais de descendentes de escravos, os quilombolas de Oriximiná.
Negros na floresta? Justamente. Os quilombos de Oriximiná, no Pará (um município imenso, com quase metade da área do Estado de São Paulo), foram formados por escravos fugidos no século 19 das fazendas e propriedades dos senhores de Óbidos, Santarém, Alenquer e Belém - cidades-irmãs e homônimas das portuguesas, herdeiras daquela tradição de colonialismo e brutalidade.
Trazidos ao Baixo Amazonas para trabalhar nas fazendas de gado e cacau, os negros fugidos encontraram abrigo seguro na selva, onde estão ainda hoje seus descendentes, organizados em 28 comunidades rurais distribuídas por 7 territórios em uma área de cerca de 600 mil hectares. São aproximadamente 6 mil pessoas que vivem de atividades extrativas, mantêm coesão cultural e grande vitalidade comunitária.
Carlos Penteado, fotógrafo desde 1984, um dos egressos da época áurea do Colégio Equipe, mapeou tudo isso em um extenso projeto de documentação fotográfica, que será possível conhecer a partir do dia 30, às 20 horas, na Galeria Imã (Rua Fradique Coutinho, 1.239, Vila Madalena, 11-3816-1290), na exposição Quilombos em Oriximiná - Negros da Floresta.
O Brasil que você nem sonhava existir, e muito menos conhecer, surge vigoroso e intacto nas fotografias de Penteado, cujo projeto foi financiado pela Comissão Pró-Índio de São Paulo e pela Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Município de Oriximiná.
"Lá é tudo longe. Algumas das comunidades mais próximas ficam a 6 horas de barco, as mais distantes a 12 horas de barco", diz a antropóloga Lúcia Andrade, que foi ao Pará em 1989 em busca dos povos indígenas e surpreendeu-se com a presença dos quilombos, que não sabia existir.
Coordenadora-executiva da Comissão Pró-Índio, ela então passou a trabalhar com as comunidades pela titulação das terras dos quilombos e pela organização dos grupos - programa que tem apoio da União Européia e do Icco, da Holanda.
Foi Lúcia quem convidou Penteado para fazer o trabalho de registro fotográfico, que está baseado principalmente na colheita da castanha, principal atividade extrativa da região. O fotógrafo fez cinco viagens à região para a documentação, onde só se chega de avião ou barco.
"Todas as vezes que vou cobrir o manejo, vamos para os acampamentos, às vezes dormimos lá", ele diz. Os quilombolas, que fazem uso do território de maneira coletiva, acampam para colher castanhas-do-pará na floresta, sua maior fonte de renda.
Segundo Lúcia Ribeiro, as comunidades têm uma especificidade cultural muito interessante. Cantam ladainhas em latim, das quais hoje nem sabem mais o significado. Têm festas e músicas de origem africana e dançam a mazurca, uma dança de salão do século 19. "É um grupo formado a partir de muitas misturas, e essas misturas estão presentes nas suas manifestações", diz a antropóloga.
Somente há pouco tempo é que algumas delas adquiriram geradores a diesel, que permitiram iluminar casas e manter equipamentos elétricos. Em algumas casas, conta Lúcia, já se pode encontrar um aparelho de TV.
As comunidades de Oriximiná foram as primeiras do País a conseguirem a titulação de suas terras, em 1995. Hoje, 21 das 28 comunidades já têm seus títulos, são proprietários de sua área. Reclamam, no entanto, da interrupção do processo em 2001, ainda durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, um processo que não foi retomado no atual governo.
Os quilombolas fugitivos do século 19, ancestrais dos atuais povos de Oriximiná, estabeleceram-se estrategicamente na região de cachoeiras entre os rios Trombetas e Erepecuru, o que ajudava a protegê-los das investidas dos fazendeiros. Lúcia Ribeiro conta que foram ajudados, inicialmente, pelos índios, com quem aprenderem sobre a vida na selva e até experimentaram um processo de miscigenação. Hoje, são apenas vizinhos pacíficos, índios e negros da floresta.

OESP, 24/09/2004, p. D11

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