VOLTAR

No banco dos réus

CB, Brasil, p. 8
09 de Dez de 2005

No banco dos réus
Sob os olhos do mundo, começa hoje o julgamento dos assassinos da missionária americana. Irmão da vítima, David Stang cobra punição para criminosos. Sessão será acompanhada pela imprensa estrangeira

Ullisses Campbell
Da equipe do Correio

Os olhos do mundo inteiro estão voltados, a partir de hoje, para Belém do Pará. Dois pistoleiros acusados de assassinar a missionária norte-americana Dorothy Stang, morta em fevereiro deste ano, sentarão no banco dos réus. Rayfran das Neves Sales, o Fogoió, e Clodoaldo Carlos Batista, o Eduardo, já confessaram em depoimento que executaram a freira a sangue frio. O crime foi encomendado por R$ 50 mil. Previsto para durar dois dias, o julgamento vai entrar para a história da luta pela terra no país, seja qual for a sentença. Motivo: julgar acusados por crime no campo é algo raro no Brasil. Dessa vez, a sentença dos acusados pode sair amanhã, numa data especial, quando é celebrado o Dia Internacional dos Direitos Humanos. Irmãos da missionária, David e Marguerite Stang vieram dos Estados Unidos para acompanhar o julgamento. "Que esse caso não seja igual a tantos outros ocorridos no Brasil onde os culpados não são punidos", cobrou David.
Nos últimos 30 anos, 772 camponeses e defensores de direitos humanos do Pará foram assassinados no campo, segundo relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Nesse universo de crimes, apenas cinco mandantes foram julgados e só três foram condenados. Apenas um deles continua preso. Até os militares que comandaram o massacre de Eldorado dos Carajás, condenados a mais de 200 anos de prisão, já estão soltos. "O Pará é o berço da impunidade. Aqui, a Justiça só existe na capital e nas cidades mais desenvolvidas. No campo, prevalece a lei da bala", ressalta José Maria Salles, da Sociedade de Defesa dos Direitos Humanos (Sddh).
Para acompanhar o julgamento, cujo júri é composto por funcionários públicos das três esferas de governo, uma caravana com mais de 1 mil camponeses está acampada na frente do Tribunal de Justiça do Pará. Eles poderão acompanhar o julgamento por telões instalados fora do tribunal.
Imprensa estrangeira
Naturalizada brasileira, a missionária norte-americana enfrentava grileiros de terras e desafiava pistoleiros. Sua luta na Amazônia tinha dois objetivos básicos: a reforma agrária e o desenvolvimento sustentado da floresta amazônica. O assassinato chocou o mundo e levou o Brasil a ser malvisto nas páginas dos jornais estrangeiros. A representante especial para Defensores dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), a paquistanesa Hina Jilani está em Belém desde ontem para acompanhar o julgamento, que atraiu ativistas dos direitos humanos de todos os cantos do planeta e será transmitido por duas redes de televisão internacionais, entre elas a BBC de Londres. A sessão será comandada pelo juiz Cláudio Montalvão das Neves, titular da 2ª Vara Penal do Tribunal de Justiça do Pará.
Para garantir a segurança, o julgamento terá reforço de 120 policiais militares. As duas sessões serão acompanhadas por três promotores e por vários advogados. Os que atuarão na defesa dos acusados, defenderão a tese de que foi a própria irmã Dorothy quem provocou sua morte. Ela seria inimiga declarada de fazendeiros, grileiros de terras e madeireiros da região, de acordo com a versão da defesa. Teria desafiado a todos e atraído o ódio de fazendeiros, o que provocou o assassinato. Esse tipo de tese, conhecida no meio jurídico como vitimologia, já deu certo em outros julgamentos no Pará. Será ainda reforçada pelos antecedentes criminais da missionária. Ela já havia sido indiciada pela Polícia Civil do Pará por porte ilegal de armas, formação de quadrilha e até por homicídio.
Consta ainda nos autos do processo que, três meses antes de ser assassinada, a missionária denunciou à ouvidoria do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária que as polícias Civil e Militar no Pará são cúmplices dos grandes latifundiários da Transamazônica. A missionária dizia ainda que os inquéritos que a acuavam eram peças fabricadas pela polícia e por fazendeiros da região com o único objetivo de prejudicar sua imagem.
A defesa pretende ainda usar no julgamento fotos da missionária usando armas de fogo. Estão previstos também depoimento de policiais de Anapu garantindo que a freira costumava levar comida a presos que eram acusados de assassinar seguranças de fazendas da região de Altamira.
Executada sem defesa
A missionária foi morta com quatro tiros pelas costas disparados por Rayfran Sales depois de ler um trecho da bíblia para os dois pistoleiros. Segundo inquérito policial, ela foi abordada pela dupla quando caminhava pela mata em direção ao acampamento de agricultores, que a aguardavam para uma reunião. Com medo de morrer, alguns lavradores que estavam com a freira no momento do crime fugiram ao ouvir os primeiros tiros.
Como são réus confessos, os dois pistoleiros estão presos na penitenciária Fernando Guilhon, a 45Km de Belém. Ambos reclamam das ameças de morte que recebem diariamente. Foram denunciados pelo Ministério Público por homicídio duplamente qualificado e serão os primeiros a ir a júri popular. Se condenados, poderão pegar entre 45 e 60 anos de prisão. Ambos contaram em juízo que mataram a freira por dinheiro, mas que não chegaram a receber o valor combinado.
Os outros três réus no caso, os fazendeiros Vitalmiro Bastos Moura, o Bida, e Regivaldo Pereira Galvão, o Taradão, acusados de encomendar o crime, e Amair Feijoli da Cunha, o Tato, apontado como intermediário, serão julgados no ano que vem. Eles ainda aguardam o julgamento de recursos que tramitam no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo Tribunal Federal (STF) contra decisão da justiça paraensede mandá-los a júri.

Versões para um crime bárbaro
Dorothy Stang sabia que ia morrer. e foi até avisada dois dias antes por colonos que sua vida corria perigo. Na véspera da execução, a freira teria procurado os dois pistoleiros para avisá-los que sabia do plano para executá-la. No encontro, tanto Rayfran quanto Clodoaldo negaram que tivessem recebido a missão de assassiná-la. Foi nesse momento que Clodoaldo teria desistido de participar do plano.
De olho nos R$ 50 mil, Rayfran levou o plano até o final. Saiu à procura da freira com uma arma calibre 38. Ao encontrá-la, pediu que virasse de frente. Dorothy obedeceu e pediu que não a matasse. Neste momento, leu os versículos do livro de Mateus aos pistoleiros. Ainda assim Rayfran, segundo consta nos autos, atirou seis vezes contra a missionária. As balas, disparadas à queima-roupa, atingiram a cabeça, abdome, a clavícula e a mão esquerda. Dorothy caiu numa poça de lama, no meio do mato, entre pés de jatobás e andiroba. Morreu na hora.
A Polícia Civil paraense não conseguiu provar a denúncia de que o assassinato de Dorothy teria sido bancado por um consórcio de pistoleiros, segundo afirmam Rayfran e Clodoaldo. Por essa versão, Vitalmiro de Moura, o Bida, principal acusado, seria apenas um "laranja". (UC)

CB, 09/12/2005, Brasil, p. 8

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.