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Nem só de CPI vivem os escândalos

OESP, Vida, p. A20
Autor: CORRÊA, Marcos Sá
25 de Ago de 2005

Nem só de CPI vivem os escândalos

Marcos Sá Corrêa

Marcos Bornschein entrou para a história da ornitologia brasileira numa altura da vida em que os jovens biólogos, como ele, mal saíram do labirinto que separa a universidade do primeiro emprego. Com a pesquisadora Bianca Reinert, ele descobriu no Paraná, em meados dos anos 90, o bicudinho-do-brejo - ou melhor, o Stymphalornis acutirostis, uma nova espécie de ave. Nos anais da fauna alada, isso é coisa tão improvável que dificilmente se repete num mesmo país ao longo de um século. Na carreira de Bornschein aconteceu duas vezes.
É recorde. Dá de sobra, mesmo na terra do "você sabe com quem está falando", para credenciá-lo como autoridade. Ele pode, portanto, dizer o que anda dizendo sobre os planos da ministra Dilma Rousseff para o Rio Tibagi. Logo, convém ouvi-lo quando conta que, há quase dez anos, foi contratado para avaliar o impacto ambiental de duas usinas quase na foz desse rio, que corta o Estado de alto a baixo, num curso de quase 600 quilômetros, através de 42 municípios. Ali, no Baixo Tibagi, estava prevista a construção de duas barragens, para alimentar as Hidrelétricas do Jataizinho e do Cebolão.
E, como manda o figurino, uma empresa especializada se encarregou de encomendar o dossiê do EIA-Rima a uma equipe técnica que, por sorte ou por azar, incluía os biólogos Bornschein e Euclides Salvino Grando Júnior. Deu no que deu. E eles cometeram o engano de levar a tarefa a sério. Constaram, por exemplo, que a barragem do Jataizinho engoliria corredeiras que, naquele trecho do rio, abrigam o pato-mergulhão - um bicho "meio raro", como diz Borschein, com um forte sotaque acadêmico, que o impede de caprichar na retórica, mesmo quando está metido numa polêmica pública.
O pato e outros impactos foram parar, naturalmente, no relatório sobre as obras do Jataizinho, arrolando problemas e propondo medidas capazes de reconciliar o projeto com a saúde ambiental do
Tibagi. Mas, a essa altura, os biólogos já estavam desconfiados de que esse não era bem o trabalho que se esperava deles. Para começo de conversa, prestavam serviço a uma firma que, pelas normas do Conama, deveria ser, mas não era, independente da Copel, a candidata a tocar a hidrelétrica. E, pelo sim, pelo não, registraram em cartório o documento, antes de entregá-lo à empresa.
Não deu outra. Os papéis protocolados no Instituto Ambiental do Paraná escondiam os impactos e omitiam as providências recomendadas pela equipe. E as depurações foram apanhadas em flagrante. Eram a prova de que funciona no Brasil uma verdadeira indústria de falsificação de EIA-Rima, pelo menos quando estão em jogo as hidrelétricas. No caso do Tibagi e de outras usinas, como a de Barra Grande, no Rio Pelotas, esse é um escândalo que o governo Lula herdou do governo Fernando Henrique, de onde vem a maioria dos estudos incompletos ou fraudados em que repousa atualmente o programa brasileiro de energia elétrica.
Mas essa herança maldita está agora crescendo no colo da ministra Dilma Rousseff, primeiro como titular do Ministério de Minas e Energia, depois como chefe da Casa Civil que, à falta de presidente, governa o País por Lula. Quando a falsificação da Copel veio à tona, oito anos atrás, o Ibama acabou obrigado a suspender todos os projetos no Tibagi, por vício insanável de origem. Mas no ano passado a ministra pediu ao governador Roberto Requião para abrir alas às hidrelétricas no Paraná, fraudadas ou não. Com isso, a obra ressuscitou. E com ela a campanha dos biólogos. Pena que eles estejam falando sozinhos, numa hora em que o País, ocupado como está com as CPIs do Mensalão e dos Correios, não tem ouvidos nem repórteres para outros escândalos.

Marcos Sá Corrêa é jornalista e editor do site O Eco (www.oeco.com.br)

OESP, 25/08/2005, Vida, p. A20

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