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Negócios que vêm da aldeia

A Critica, Economia, p. A11
14 de Dez de 2003

Negócios que vêm da aldeia

Joubert Lima
Especial para A Crítica

Waimiri-Atroari buscam a independência financeira com atividades que preservam a cultura indígena
Eles têm total independência financeira, produzem e comercializam frutos, desenvolvem projetos para produção de tartarugas, tambaquis e matrinxãs, possuem 76 hectares produtivos de roçado, criam gado e conseguem uma renda mensal de R$ 10 mil apenas com a venda de artesanato.
São os Waimiri-atroari que, com o apoio de um convênio entre a Fundação Nacional do Índio (Funai) e da Eletronorte, estão desenvolvendo um sistema econômico auto-sustentável e conquistando uma qualidade de vida rara entre as populações indígenas.
A produção e venda de artesanato é uma das atividades mais rentáveis dos Waimiri-atroari. Eles mantém três lojas, uma em Manaus e duas na BR-174. As peças - cestaria, arcos, flechas e todo tipo de artefatos utilizados no dia-a-dia - também são comercializados no site do Programa Waimiri-atroari (www.waimiriatroari.org.br).
Os preços variam de R$ 5 a R$ 40, de acordo com a peça. A campeã de vendas é a Karyma Kaha, pulseira usada para proteger o pulso no uso do arco. A cada ano, são vendidas 6 mil peças, ao preço de R$ 10, cada.
Outra fonte de renda para os Waimiri-atroari é o pagamento pelo uso de uma estrada vicinal localizada em suas terras. A Mineração Taboca paga aos indígenas o equivalente a 0,5% de sua produção. Os próprios índios acompanham a movimentação de caminhões na estrada para calcular o volume de minério extraído e evitar mal-entendidos na prestação de contas com a mineradora.
Roçados
Cada uma das 19 aldeias Waimiri-atroari mantém, em média, quatro hectares para plantação de bananas, cana-de-açúcar, abacaxi e mandioca, entre outras culturas. A área plantada é dividida em três roçados, um em fase de preparação para plantio, outro em plena produção, e um terceiro em final de uso. Os índios utilizam esse último roçado para produção de frutas como manga, laranja, pupunha, ingá, biribá e buriti. Assim, eles mantém um sistema rotativo que evita a criação de novos roçados. A produção excedente é comercializada em Manaus.
Os roçados, a caça e a pesca são suficientes para garantir a alimentação dos índios, que não consomem produtos como arroz, feijão, açúcar ou enlatados, evitando a dependência de fornecimento externo. Mas isso não significa que eles não utilizem certos produtos de origem não-indígena. Com os recursos oriundos da venda de artesanato e do excedente da produção, eles compram sabão, esponja de aço, sal, creme dental e escovas de dente.

Criação de bases econômicas

0 Programa Waimiri-atroari, que permitiu a organização produtiva paralela ao resgate cultural da etnia, tem um orçamento anual em torno de R$ 1 milhão. 0 dinheiro é utilizado na aplicação de programas de saúde, educação e apoio à produção. 0 gerente do programa, Marcílio de Souza Cavalcante, ressalta que os indígenas participam ativamente de todas as atividades e planejam em conjunto os gastos anuais. A meta do programa é torná-los aptos a gerenciar, por si mesmos, sua estrutura social e econômica.
Isso deve estar consolidado até 2013, quando termina a vigência do programa. Até I, á, a economia dos Waimiri-atroari deverá estar bem sedimentada para que eles possam manter as conquistas alcançadas até agora e lançar-se a outros desafios. Com essa finalidade, foi criada uma associação totalmente gerenciada pelos índios. A entidade vai assumir aos poucos as atribuições do programa e continuar os projetos com seus próprios recursos.
Cavalcante enfatiza que as atividades econômicas desenvolvidas na área Waimiri-atroari não visam prioritariamente o crescimento financeiro, mas a consolidação da independência econômica, necessária à manutenção do modo de vida saudável e da preservação cultural alcançada pelos Waimiri-atroari.

Artesãos e exportadores

A organização em torno de atividades produtivas e rentáveis não é exclusividade dos Waimiri-atroari, embora esse povo mantenha notável grau de organização. 0 presidente da Fundação Estadual de Política Indigenista do Amazonas (Fepi), Bonifácio José Baniwa, ressalta o trabalho de quatro instituições: a Organização Indígena da Bacia do Içana (Oibi), na região do Alto Rio Negro; o Conselho Geral das Tribos Ticunas (CGTT), no Alto Solimões; o Conselho Geral das Tribos Sateré Mawé (CGTSM), no Baixo Amazonas; e a Associação de Produção e Cultura Indígena (Yakinô), sediada em Manaus.
A Oibi mantém o Projeto Arte Baniwa, que vende artesanato para uma rede de lojas em São Paulo, a Tok & Stok. A cada três meses, a Oibi envia cem dúzias de peças artesanais - sobretudo cestaria - para venda em São Paulo, obtendo uma renda de R$ 16 mil.
O CGTT realiza mantém um trabalho semelhante em parceria com a associação Yakinô, que se encarna em Manaus. 0 faturamento mensal varia entre R$ 8 e R$ 10 mil.
Guaraná em pó
Outra atividade de destaque é desenvolvida pelos índios Sateré Mawé, que há três anos exportam guaraná em pó para a Itália. Anualmente, a comunidade vende aproximadamente sete toneladas de sementes trituradas. Na Itália, um quilo do produto é vendido por até US$ 40. Cada produtor recebe R$ 20 por quilo de semente comercializado.
Bonifácio Baniwa explicou que o papel do Estado é apoiar esses projetos e desenvolver outros, de acordo com o potencial de cada comunidade. Dentro da estratégia do programa Zona Franca Verde (ZFV) está previsto o apoio à produção de óleos vegetais, castanha-do-brasil e mel de abelha em comunidades indígenas.
Essas ações têm o objetivo de reverter a situação difícil em que se encontra a maioria das comunidades indígenas do Estado.
Baniwa lembrou que as iniciativas de sucesso devem ser fortalecidas e divulgadas como exemplos de que ainda é possível viver como índios, e ter dignidade e orgulho da própria cultura.

A Crítica, 14/12/2003, Economia, p. A11

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