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'A negligência matou meu filho, não só a Covid', diz mãe de indígena morto em RO

O Globo - oglobo.globo.com
Autor: Rodrigo Castro
30 de Jan de 2021

https://oglobo.globo.com/epoca/brasil/a-negligencia-matou-meu-filho-nao…

Com colapso do sistema de saúde do estado, que enfrenta falta de leitos e médicos, população indígena pressiona por vacinação aos que não vivem em aldeias; deslocamento até comunidades e baixa imunidade preocupam

Com aparentes sintomas gripais se agravando, o indígena Orowao Canoé, de 35 anos, procurou o hospital de campanha de Guajará-Mirim, em Rondônia. Diante da fila de pacientes e da superlotação, não conseguiu assistência médica em duas ocasiões. Quando finalmente foi atendido, precisou ser internado e logo encaminhado à capital Porto Velho. Intubado por duas semanas, ele morreu na última quarta (27) vítima da Covid-19 e do colapso do sistema de saúde local enquanto aguardava transferência para Curitiba, devido à falta de aparelho para hemodiálise.

O caso ilustra a crise da rede de saúde no estado, onde não há leitos disponíveis e faltam médicos e enfermeiros. Com a equipe defasada, alguns leitos de UTI estão inativos, levando o governo de Rondônia a recorrer ao Ministério da Saúde para o envio de profissionais em meio à disparada no número de infectados pelo coronavírus. O cenário é considerado preocupante por especialistas e elevou a pressão dos povos indígenas para que todos sejam vacinados, inclusive os que não vivem em aldeias.

Conforme o plano de imunização do governo federal, apenas indígenas aldeados e que moram em terras homologadas integram grupo prioritário, o que exclui aqueles que se encontram em áreas urbanas ou não demarcadas pelo poder público.

Nesta quinta (28), a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) a inclusão irrestrita dos indígenas no quadro de vacinação prioritária, argumentando que a discriminação é inconstitucional.

"A gente espera que vacine todo mundo. Acho absurdo não vacinar os que estão na cidade. A maioria são estudantes que voltam para casa. Voltando para casa, vão para contaminar os outros. É uma leitura muito errada desse governo", afirmou Ivaneide Cardoso, indigenista da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, ONG que atua em Rondônia.

Orowao Canoé era um desses estudantes. Formado em Gestão Ambiental, ele cursava mestrado em Letras na Universidade Federal de Rondônia (UNIR). Com a pandemia, passou reduziu as idas à aldeia para evitar o contágio a seu povo, da etnia Kanoé. Acabou contaminado no início deste mês após um jantar de confraternização com a família da esposa. Ele já havia sido infectado no ano passado.

Em 7 de janeiro, apareceram os primeiros sintomas.Três dias depois, buscou atendimento - o que conseguiu apenas na terceira tentativa. Orowao passou menos de 48 horas internado no hospital de campanha de Guajará-Mirim até ser transferido para Porto Velho no dia 14. No útlimo domingo (24), seus rins pararam. Sem aparelho de hemodiálise, não resistiu.

"Minha indignação é que, no boletim informativo, só falavam que ele estava estável. Tinha esperança de que meu filho ia ser recuperar. Ele era jovem, tinha a vida pela frente. Só depois fiquei sabendo que ele estava na lista de transferência para Curitiba e com o rim paralisado. Precisava fazer hemodiálise e não tinha aparelho. Ficou até quarta sem fazer. Sabia que essa gravidade poderia custar a vida dele. E custou", disse sua mãe Maria Eva Canoé.

Segundo ela, quando soube da situação do filho, acionou o Ministério Público, mas não houve tempo hábil para transferi-lo. Ele morreu no mesmo dia, na noite da última quarta (27). Rondônia registrava ao menos 31 óbitos de indígenas em decorrência da doença, o sétimo estado mais afetado, de acordo com monitoramento da Apib. Já o levantamento da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) aponta 35 mortes e mais de 2 mil infectados. O número é visto como alto para o estado cuja população indígena era de 12 mil pessoas, conforme o censo de 2010.

"Não foi só a Covid que matou meu filho. Foi a negligência médica também. Se eu soubesse da história do rim, poderíamos fazer algo para tentar salvá-lo, mantê-lo mais alguns dias. Essa é a nossa realidade. Nós, indígenas, continuamos invisíveis muitas vezes", disse.

Fake News
Enquanto lutam pela vacinação ampla de seus povos, indígenas também batalham contra as fake news, que têm levado muitos a resistir à imunização com medo de que "a vacina tenha chip" e que "virem jacaré", entre outras mentiras disseminadas.

De acordo com Cardoso, o povo Uru-Eu-Wau-Wau é o que possui mais integrantes vacinados até o momento. Já os da etnia Juma serão imunizados apenas mais adiante devido a um surto que acometeu sua aldeia. A contaminação também crescia na terra indígena Rio Branco.

"Nossa situação é bem complicada. O estado inteiro não tem leito. Se as pessoas adoecem, ou manda para fora ou vão morrer. Essa é situação de Rondônia e não é diferente para os indígenas. O que está assustando a gente é essa história de uma nova cepa. Isso assusta muito. Estamos morrendo como no ano passado, mas aumentaram as infecções. Espero que a vacinação ajude a conter", afirmou a indigenista.

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