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Natureza selvagem

Isto E, Ciencia, Tecnologia & Meio Ambiente, p.86-87
23 de Jun de 2004

Ecologia
Natureza selvagem
Livro desvenda a fauna e a flora de uma das regiões mais belas e intocadas do sul do Brasil
Celina Côrtes
Uma paisagem de tirar o fôlego, inóspita e desolada, habitada por animais tão estranhos ao Brasil como pinguins, leões e lobos-marinhos, se mantém praticamente intocada no Sul do País. São 220 quilômetros de faixa litorânea entre a Praia do Rio Grande e o Chuí, quase na fronteira com o Uruguai, onde uma extensa formação de dunas protege o litoral da erosão, dos ventos intensos e das ondas do mar. A região, habitada por mais de 300 diferentes espécies de fauna e flora, foi radiografada pela primeira vez pelos pesquisadores Lauro Barcellos, Ulrich Seelinger e César Vieira Cardoso, do Rio Grande do Sul, e estampada nas 100 páginas do livro Areias do Albardão, um guia ecológico ilustrado do litoral no extremo sul do Brasil, que acaba de ser lançado pela Jauá Editora.
A obra, que levou três anos para ser concluída, tem perfil acadêmico, mas é de agradável leitura e recheada de belas imagens. Traz informações sobre a história do local e curiosidades, como os vários naufrágios ocorridos na região desde 1552. O mar forte, junto com o clima frio e a dificuldade de exploração das dunas, costuma afastar visitantes e moradores. Um dos acidentes mais famosos foi o do navio inglês Prince of Wales, em 1851, tragédia que causou um conflito diplomático depois que a Inglaterra acusou o Brasil de pirataria. Com o livro, pretendemos mobilizar a comunidade para a preservação deste complexo meio ambiente”, explica o oceanógrafo Lauro Barcellos, 47 anos, fundador do Museu Antártico e há 30 anos diretor do Museu Oceanográfico, ambos da Fundação Universidade Federal do Rio Grande.
Fósseis – Um dos destaques do livro é o efeito causado pela enorme quantidade de conchas de moluscos que foram depositadas nas areias das praias e nas dunas, durante séculos, pelas ondas do mar. Quando os raios de sol incidem sobre elas, vê-se um reflexo, um brilho indescritível, como se fosse um tapete de lantejoulas. Nas praias é comum também o aparecimento de fósseis de dentes de tubarões e mamíferos terrestres gigantes, que viveram ali há dez mil anos. As cadeias de dunas separam o mar do maior complexo lagunar do mundo, formado pelas lagoas dos Patos e Mirim, que já foram superfícies secas há 17 mil anos, durante o período pleistoceno. Nessa época, o nível do mar era 120 metros mais baixo e a terra avançava cerca de 70 quilômetros mar adentro.
As lagoas também mudaram durante as etapas geológicas. Elas receberam fluxos contínuos da água doce, que era carregada pelos rios até o mar. Ao encontrar as correntes do litoral, essas águas movimentaram grandes quantidades de sedimentos e formaram bancos de areia que caracterizam o estuário da Lagoa dos Patos. Na Mirim, a formação de um banco arenoso deslocou a desembocadura das águas cada vez mais para o sul, até que há quatro mil anos o canal se fechou completamente, formando o Banhado do Taim e a Lagoa da Mangueira. Com exceção de uma parte do litoral que é protegida pela Estação Ecológica do Taim, todo o resto dessa natureza selvagem pode ser conhecida. Mas só pessoas de espírito aventureiro terão fôlego para explorar esse precioso trecho que faz parte dos 600 quilômetros de praias arenosas do Rio Grande do Sul. A começar pelo transporte. Como não há solo consolidado, a viagem é feita pelas areias, o que exige equipamentos especiais. Além disso, a hospedagem mais próxima fica a 100 quilômetros, em Santa Vitória do Palmar. Porém, tirando esses pequenos detalhes, quem chegar à região não irá se arrepender. Como recompensa, poderá ser recebido por imensos leões-marinhos, que chegam a pesar até 300 quilos – provavelmente provenientes da costa patagônica ou de regiões polares – e costumam repousar preguiçosamente sobre as areias do litoral. Uma experiência, sem dúvida, inesquecível.

Isto É, 23/06/2004, p. 86-87

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