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Não há conflito entre crise econômica e ambiental

O Globo, Razão Social, p. 4-5
Autor: STERN, Sir Nicholas
03 de Jul de 2012

Não há conflito entre crise econômica e ambiental
Ex chefe do Banco Mundial, Stern diz que saída para caos na economia é mudança social

Entrevista: Nicholas Stern

Camila Nobrega
camila.nobrega

Conhecido mundialmente por elaborar o Relatório Stern, que calculou pela primeira vez o custo para o mundo das mudanças climáticas em 2006, Nicholas Stern, ex-economista-chefe do Banco Mundial, teve que cancelar as participações em programações da Rio+20, Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, após uma indicação médica de repouso por conta de uma intoxicação alimentar. Mas, da Inglaterra, acompanhou todas as negociações e conversou com colegas presentes no Brasil. Por telefone, o atual membro do Parlamento inglês e coordenador do Centro Grantham na London School of Economics não escondeu a frustração com os resultados finais da Conferência. Segundo ele, o documento assinado pelos chefes de estado não contempla três problemas essenciais: a urgência apontada pela ciência para frear o aquecimento global, o financiamento da adaptação para países em desenvolvimento pelas nações mais ricas e a necessidade de resolver a crise econômica combinada com a redução da pobreza e a preservação do meio ambiente.

O GLOBO: O que o senhor achou do texto final do documento da Rio+20, celebrado por chefes de estado e entendido como único possível na conjuntura atual?

NICHOLAS STERN: Concordo que é melhor do que nada. O medo de que não houvesse documento algum fez com que esse seja celebrado. Mas é frustrante, e é grave. Ele não representa a urgência que as pesquisas científicas apontam. Se quiséssemos manter a elevação da temperatura em 2"C, teríamos que reduzir as emissões totais de carbono em 50 bilhões de toneladas, com base no nível de emissões que tivemos no século XIX. Para ter uma probabilidade razoável de alcançar esse objetivo, tais emissões devem ser reduzidas para menos de 35 bilhões em 2030 e muito abaixo dos 20 bilhões em 2050. Isso significa não mais de 2 toneladas de emissões per capita. A média atual é de cerca de 7 toneladas.

O GLOBO: Quais são as principais consequências de um acordo fraco?

NICHOLAS STERN: O atraso é perigoso. Precisamos de formas práticas de medir emissões, sabermos as quantidades relacionadas às atividades econômicas, em números. A Rio+20 era uma oportunidade de se dar um passo a frente, e já começou em clima de fracasso. O resultado foram três problemas graves, evidenciados no documento final. O primeiro é que a academia não está sendo levada a sério como deveria. Já temos provas científicas sobre o aquecimento global, e a degradação do planeta em vários sentidos. Em segundo lugar, há um erro grave de se apontar uma tensão entre crescimento econômico, social e ambiental. Não há conflito. Isso é um dos grandes erros que marcarão a Rio+20. Foi uma oportunidade desperdiçada de se combinar crescimento econômico, superando a pobreza, aumentando a justiça social, reduzindo a desigualdade e protegendo o meio ambiente. E o terceiro ponto é que os países ricos não estão assumindo a responsabilidade que deveriam. Eles devem apoiar as nações em desenvolvimento.

O GLOBO: Em 2006, o senhor apresentou um dos relatórios mais famosos em relação a mudanças climáticas, o relatório Stern, apontando que um investimento de apenas 1% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial poderia evitar a perda de 20% do mesmo PIB num prazo de de 50 anos. Por enquanto, esse investimento não foi posto em prática. E, na Rio+20, o fundo de US$ 30 bilhões para apoio a adaptações em países em desenvolvimento foi negado. Como o senhor interpretou a atitude?

NICHOLAS STERN: O apoio dos países desenvolvidos é essencial para a transição para uma economia de baixo carbono, e isso não está acontecendo. Eles são claramente responsáveis pela maioria constrangedora das emissões históricas e ainda emitem muitas vezes mais que a média mundial. Os Estados Unidos emitem em torno de 22,1 toneladas per capita e a União Europeia 9,4 toneladas. Por isso, esses países devem liderar com seu exemplo, reduzindo suas emissões. É preciso também fazer transferência de tecnologia para formas mais eficientes de produção, e para isso são necessários investimentos. Se não, os países em desenvolvimento sofrerão ainda mais as consequências do aquecimento global e replicarão o modelo de crescimento adotado pelos países ricos. O planeta não aguentará.

O GLOBO: Logo antes da conferência, em um artigo seu publicado pelas Nações Unidas, o senhor afirmou que a falta de cuidado com o meio ambiente tem custos econômicos imensos. O senhor citava um relatório recente da Cepal, do BID e da WWF, que calcula que a mudança climática gerará custos acima de US$ 100 bilhões por ano em 2050. Quais são os principais riscos que a humanidade está enfrentando, com a demora em colocar ações em prática?

NICHOLAS STERN: Riscos de um caos econômico maior, e de problemas sociais e ambientais irreversíveis. Estamos num mundo em que as emissões estão crescendo, a biodiversidade está sendo reduzida drasticamente. Por outro lado, se você olhar para locais e populações específicas, pode ver mudanças. O México aprovou uma nova lei que cria objetivos ambiciosos em energias renováveis e o compromisso de reduzir suas emissões em 30% para 2030 e 50% para 2050, comparando com um cenário de tendência. A Colômbia adotou um plano de adaptação à mudança climática e estratégias para um desenvolvimento baixo em carbono e para reduzir o desflorestamento. O Brasil diminuiu bastante o desmatamento. Precisamos prestar mais atenção aesses casos. A boa notícia é que temos alternativas. Elas estão aí e estamos descobrindo novas a cada dia. Mas falta vontade política, isso ficou claro na Rio+20.

O GLOBO: Com a ausência da ação de chefes de Estado, quem deve liderar o processo?

NICHOLAS STERN: Deve haver uma coalização de acadêmicos, empresas e da sociedade civil em geral para pressioná-los. Isso está começando a acontecer, mas precisa ser mais forte. Importantes líderes mundiais não estão presentes à Rio+20 e um dos principais argumentos é a urgência da crise econômica, especialmente na Europa.

O GLOBO: O que o senhor acha dessa posição?

NICHOLAS STERN: É equivocada. Os líderes mundiaisdeviam ter ido ao Rio para deixar a mensagem de que este é o momento de mudar rumos de investimentos e políticas públicas. A Rio+20 era uma oportunidade para encontrar saídas para os efeitos da crise econômica por meio de alternativas de redução da pobreza e de preservação ambiental. O presidente Obama fez um discurso recente sobre a crise europeia e falou sobre isso. Ele entende a situação, os principais chefes de Estado entendem. Mas não colocam o discurso em prática.

O GLOBO: O senhor foi economista-chefe do Banco Mundial, trabalhando num foco mais voltado para resultados econômicos. Suas perspectivas mudaram desde então?

NICHOLAS STERN: Sim. A ideia de que as crises sociais, como o agravamento da pobreza, e as questões ambientais estão conectadas com as crises econômicas. Isso ficou claro para mim nos últimos dez anos. Cada vez mais economistas estão entendendo isso. Precisamos liderar a erradicação da pobreza em casamento com meios menos agressivos à natureza. Temos que pensar essas conexões, se não criaremos novas crises o tempo todo. E os riscos são grandes.

O GLOBO: Quando o senhor acha que chegaremos a um ponto crítico?

NICHOLAS STERN: Num prazo de dez anos, será muito mais difícil para evitar as piores consequências. Há empresas fazendo progressos importantes, com desenvolvimento de tecnologias, há avanços na academia e na sociedade civil. Mas se não houver uma coalização para transformar esses exemplos em grande escala, a pobreza se agravará, teremos mais perda de biodiversidade. A Rio+20 não deu o passo à frente que poderia ter dado.

O Globo, 03/07/2012, Razão Social, p. 4-5

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