VOLTAR

Não é por falta de advertências

OESP, Espaço Aberto, p. A2
Autor: NOVAES, Washington
13 de Mai de 2005

Não é por falta de advertências

Washington Novaes

Na próxima semana, o Conselho Nacional do Meio Ambiente discutirá proposta de resolução que permite intervenção humana e supressão de vegetação em áreas de preservação permanente (topos de morros, margens de rios, entorno de nascentes, entre outras), além de projetos de mineração. Se for aprovada, permitirá também a regularização de áreas ocupadas por favelas e loteamentos de baixa renda - o que criaria condições, em seguida, para obras de infra-estrutura e saneamento.
É assunto quase explosivo. Quem é contra argumenta ser um despropósito legalizar essas ocupações, com prejuízos graves para a biodiversidade (e conseqüências na temperatura, no regime de chuvas), para o manejo dos recursos hídricos e a conservação de nascentes e reservatórios de abastecimento, além de permitir que prossiga a ocupação de áreas de deslizamento e outros riscos. Quem é a favor insiste em que há hoje no Brasil, principalmente nas áreas metropolitanas, milhões de pessoas vivendo nesses lugares. E não há recursos para removê-las dali e dar-lhes habitação adequada em outras áreas. Portanto, se a ocupação não for regularizada, não será possível implantar o saneamento básico e tudo será ainda pior. Triste dilema, criado como sempre pela "falta de recursos", hoje absorvidos na geração de superávit primário e no pagamento de juros da dívida.
Mas é quase inacreditável que continuemos a permitir, 2 mil anos depois de Cristo, o desmatamento e a ocupação de topos de morros (principalmente para pastagens e monoculturas de grãos), quando - como foi lembrado aqui ao comentar livro recente do professor José Eli da Veiga - 500 anos antes de Cristo Sólon já propunha na Grécia uma lei para impedir esse tipo de ocupação. E não é a única prática inadequada entre nós. No final do século 18, o escritor alemão J. W. Goethe, criador do Fausto, na sua narrativa Viagem à Itália 1786-1788, já comentava que a manutenção da extraordinária fertilidade de alguns campos italianos se devia ao sistema de rotação de culturas (uma a cada ano, durante três anos, seguidas de um ano de descanso total). São práticas que ainda não chegaram a grande parte dos cultivos brasileiros.
O recente Atlas do Solo Europeu, publicado pela União Européia e comentado pela BBC News (3/5), mostra que, apesar desses cuidados, em grande parte do território a agricultura européia, principalmente no Leste, está seriamente ameaçada, por causa de "declínio do solo". No conjunto europeu, 16% das terras estão nessa situação; no Leste, mais de um terço; no Sul, é preocupantemente baixo o teor de matéria orgânica dos solos; na Inglaterra e no País de Gales, os solos problemáticos subiram de 35% para 42% entre 1980 e 1995. Para tanto contribuem práticas agrícolas inadequadas, erosão, uso excessivo de fertilizantes e pesticidas, mudanças climáticas, poluição industrial, perda da biodiversidade, entre outras causas. De quais delas estamos livres por aqui? Mas os europeus podem subsidiar seus produtores e até pagar para que não plantem e dêem tempo para os solos se recuperarem. E nós?
Não é só da Europa que vêm advertências. Também uma recente entrevista do ministro do Meio Ambiente da China, Pan Yue, à revista alemã Der Spiegel, pede atenção - principalmente neste momento em que há tanto entusiasmo com as compras chinesas no Brasil. O desenvolvimento econômico - disse ele - implicou alto custo para o meio ambiente, porque "estamos usando matérias-primas demais para sustentar o crescimento" e porque já não há terras suficientes para alimentar 1,3 bilhão de pessoas, que serão o dobro em 2050. Metade das águas dos sete rios principais já não tem qualidade para ser consumida. Um quarto da população não tem acesso a água de boa qualidade. Um terço das pessoas enfrenta graves problemas com a poluição do ar urbano (a China tem cinco das dez cidades mais poluídas do mundo). Menos de 20% do lixo tem destinação adequada. E ainda será preciso transferir 186 milhões de pessoas para as cidades, que não têm condições de recebê-las. O perigo maior, segundo o ministro, é "a crença de que o crescimento econômico proverá recursos financeiros para lidarmos com as crises relativas ao meio ambiente, à escassez de matérias-primas e ao crescimento populacional". Isso não acontecerá. E o país já cancelou 30 grandes projetos, inclusive várias hidrelétricas.
Para completar, está aí o relatório Millenium Ecosystem Assessment, preparado por 1.300 cientistas de 95 países e divulgado há poucos dias por este jornal, advertindo que 60% dos serviços ecossistêmicos - recursos naturais e processos que sustentam a vida - estão sendo degradados ou usados de modo insustentável. Cresce o risco de mudanças drásticas como as climáticas ou o colapso dos estoques pesqueiros (New Scientist, 2/4) . Um dos caminhos apontados pelo relatório como responsáveis pelo aumento do problema é exatamente a conversão de ecossistemas naturais em cultivos agrícolas e a remoção de florestas para extração de madeira e polpa. As florestas foram completamente erradicadas de 25 países e em outros 29 a área florestada diminuiu em mais de 90%. Quase um quarto da superfície terrestre já está ocupado por plantios. O desflorestamento e a drenagem de áreas úmidas (outra prática hoje corrente nas monoculturas brasileiras) têm contribuído também para a disseminação de patógenos que afetam seres humanos.
São muitos documentos chamando a atenção para nossas práticas insustentáveis. Resta ver até quando prevalecerão o economicismo absolutista e a desculpa de "falta de recursos" para adotar caminhos adequados.

Washington Novaes é jornalista.

OESP, 13/05/2005, Espaço Aberto, p. A2

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.