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Não ao apartheid!

Página 20
Autor: Cleber Borges
29 de Jul de 2007

Este título lembra gritos de manifestantes ou bandeiras de não segregacionistas do pós-guerra das décadas de 40 a 80 do século passado. No final dos anos 40, os judeus, que haviam saído do julgo dos nazistas, queriam e conseguiram um território para a sua nação. Nas duas décadas seguintes, libertários - como Martin Luther King - queriam e conseguiram acabar, em parte, com o fim da discriminação racial nos EUA. Nos anos 70, protestantes e católicos irlandeses promoveram verdadeiras carnificinas em nome da religião. Felizmente, isso acabou por lá. Nos anos 80, só depois de sair de uma prisão e se eleger presidente, Nelson Mandela conseguiu acabar com o abismo social que havia entre brancos e a maioria negra da África do Sul.

Estamos falando de tempos remotos e de lugares distantes? Será? Será que esse apartheid, que essa segregação racial não existe mesmo no Brasil, no Acre? Nem de forma escamoteada? Por que então a raça negra é praticamente inexistente no Estado e por que os índios, mesmo havendo treze nações no território, são vistos como verdadeiros parias da sociedade, principalmente em Sena Madureira?

Para se constatar isso, basta observar, de forma mais acurada, a maneira como esses povos são tratados. Em qualquer rua, em qualquer praça, dezenas de indivíduos ou famílias dos mais de 4 mil índios das etnias Kaxinawá, Kulina, Manchineri e Jaminawa vivem perambulando, maltrapilhos, com ar de esfomeados e, pior, sem que ninguém lhes dê atenção ou lhes dirija a palavra. O número de "indigentes" é grande porque Sena Madureira é cidade-pólo para municípios vizinhos como Santa Rosa do Purus e Boca do Acre. É verdade que muitos andam embriagados e se prostituindo, mas isso não seria conseqüência do abandono? Violentos não são. A prova disso é o baixo índice de criminalidade registrado entre eles.

Na ribanceira do rio Iaco, próximo à Praça 25 de Setembro - a principal da cidade - inúmeras famílias de índios vivem amontoadas de forma promíscua e subumana embaixo de toscas barracas de lonas de plástico. Lá, eles convivem com as intempéries do tempo, com insetos e outros animais peçonhentos, com a insalubridade (lixo e esgoto) e com a falta de perspectiva. O que eles querem é apenas oportunidade de desfrutar, minimamente, dos benefícios que uma cidade possa lhes oferecer.

E o poder público não foi constituído para resolver questões sociais como essas? De forma simplista, muitos preferem transferir a assumir o problema. O Governo Federal faz sua parte com programas como o Bolsa-Família e ajuda com salário-maternidade e aposentadorias por idade ou invalidez, através do INSS. A Funai (Fundação Nacional do Índio), que também é vinculada à União, dá uma relativa assistência social encaminhando as aposentadorias e fiscalizando, como pode, os direitos fundiários dos índios. Em Sena, os dois únicos servidores do órgão se incumbem de monitorar as demandas e, na maioria das vezes, encaminhá-las para outras instâncias. "Para todo o Estado, temos um orçamento de R$ 800 mil dos quais R$ 500 mil são gastos na administração, manutenção de veículos, compra de combustíveis, pagamento de funcionários etc. O que sobra é que nós investimos no social", afirma Júlio Barbosa, Chefe do Serviço de Assistência da Fundação. Júlio Barbosa diz que no ano passado a instituição promoveu reunião com uma série de entidades para melhorar a situação dos índios, mas que pouca coisa foi feita.

O Estado também atua através da Assessoria Especial dos Povos Indígenas, que é ligada diretamente ao gabinete do governador. Com o intuito de minimizar os problemas surgidos com a aproximação do homem branco e com a crescente devastação das florestas, inúmeras organizações governamentais ou privadas também foram criadas ao longo dos últimos anos. Atualmente existe o CIMI (Conselho Missionário Indigenista), OPIN (Organização dos Povos Indígenas do Acre, Sul do Amazonas e Noroeste de Rondônia), CPI (Comissão Pró-Índio), Federação Kaxinawá, Ocaej (Organização da Comunidade Indígena Jaminawa), Opirj (Organização dos Povos Indígenas do Juruá), Opitar (Organização dos Povos Indígenas de Tarauacá), Opire (Organização dos Povos Indígenas do Rio Envira), Opijapan (Organização dos Povos Indígenas do Médio Juruá), Associação dos Agentes Indígenas Agroflorestais, Citoakore, para fortalecimento dos direitos das mulheres apurinãs, dentre outras.

Essas instituições existem, trabalham, mas o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) das nações indígenas acreanas continua muito aquém do desejável. A inclusão social, sobretudo para aqueles que procuram as cidades, ainda não veio. A solução, segundo Júlio Barbosa, seria atualizar o censo demográfico e depois elaborar um orçamento no qual se privilegiasse as atividades produtivas e melhorasse a saúde, educação e o transporte dessas nações. A prefeitura de Sena Madureira já vem trabalhando nesse sentido. Ela está construindo cinco postos de saúde para os índios, dois às margens do rio Purus e três no rio Caeté. "O que a prefeitura e a Funai fazem não é suficiente. O que precisa, na realidade, é um enfrentamento conjunto. Não posso e não devo simplesmente espantá-los da cidade", diz o prefeito Nilson Areal, demonstrando com palavras o contrário do que muitos segregacionistas gostariam de fazer na prática. Lá fora, a luta teve êxito, aqui, a nossa também pode ter.

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