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Não acredito em sustentabilidade e preservação com miséria

FSP, Entrevista de 2ª, p. A10
Autor: CRISTINA, Tereza
22 de Jul de 2019

Não acredito em sustentabilidade e preservação com miséria
Não acredito em sustentabilidade com miséria, diz ministra da Agricultura
Tereza Cristina afirma que produtor precisa ter ganho para proteger o ambiente
ENTREVISTA DA 2ª

Ricardo Della Coletta
BRASÍLIA

A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, 65, afirma não acreditar em "sustentabilidade e preservação ambiental com miséria" e defende que produtores rurais sejam recompensados pelas áreas que conservarem.

"Onde tem miséria você não vai preservar", diz, em entrevista à Folha. Ela reconhece que o Brasil tem uma imagem ruim no exterior sobre preservação ambiental e argumenta que muitas vezes o setor agrícola europeu usa isso como justificativa para proteger seus produtores rurais de mercadorias brasileiras.

Uma das principais negociadoras do acordo de livre-comércio assinado entre o Mercosul e a União Europeia, Tereza Cristina argumenta que os setores nacionais mais vulneráveis terão um tempo para se adaptar.

Ela prega ainda "pragmatismo" nas relações comerciais do país e diz que não ouve mais ninguém do governo falar sobre mudança da embaixada em Israel de Tel Aviv para Jerusalém -o que gerou ameaças de boicote de árabes às exportações brasileiras de carne de frango.

O acordo entre a União Europeia e o Mercosul gerou fortes críticas de sindicatos agrícolas europeus e até de governos. A implementação do tratado está sob risco?

Acordo é acordo. Os comissários da União Europeia tinham mandato, não estavam lá para fazer algo que não é para ser cumprido. Cada um tem que trabalhar a sua parte para honrar aquilo que está sendo discutido há 20 anos.

No Brasil também tem gente que acha que o acordo não foi essas coisas. Em acordo, você não contempla 100%, por isso que tem um prazo para que as tarifas caiam pouco a pouco.

Quais medidas o governo vai anunciar para proteger os setores mais vulneráveis?

Nós conversamos com vários setores que têm mais fragilidade para esse acordo. Agora começa uma nova fase. Temos a parte legal, a parte dos Congressos do Mercosul; eles [europeus] têm lá a fase deles.

Não é uma coisa que vai acontecer rapidamente. Todo o mundo estima que, para esse acordo ser implementado, vai levar de um ano e meio a dois anos. Temos esse prazo para trabalhar nossas cadeias produtivas. Do leite e do vinho e de outras mais que possam ter alguma fragilidade.

Boa parte da resistência na Europa vem de segmentos ambientalistas. O Inpe mostrou que o desmatamento na Amazônia foi 57% maior do que no mesmo mês do ano passado. Isso não prejudica a defesa do acordo?

Primeiro a gente tem que usar ciência, temos que ter dados concretos.

O dado do Inpe não é um dado concreto?

Não estou dizendo que não é, mas a gente tem que analisar o dado frio. É igual a estatística: se falar que tenho dois celulares e que perdi um, perdi 50%. Você tem que analisar esses dados e ver se o desmatamento foi em área que poderia ocorrer.

Temos um Código Florestal, que é diferente para os vários biomas. Na Amazônia, 80% [da propriedade rural] têm que ser preservados e 20% podem ser desmatados. Essas lacunas que foram vistas são de desmatamento legal ou ilegal? Se for ilegal, temos que ir em cima, multar, tirar de lá, ver o que está acontecendo.

Agora está aparecendo a verdade nua e crua. Por que o pessoal lá do setor de carnes [na Europa] tem medo do Brasil? Porque o Brasil é muito competitivo. Tem o lado da preocupação com a sustentabilidade e com o ambiente, mas também o comercial, do prejuízo que o produtor lá vai ter.

Olha nosso tamanho, a nossa produção em termos de carne. Nosso boi é verde. Em pouco tempo vamos demonstrar que temos um programa de pecuária de baixo carbono. Claro que eles têm o direito de usar coisas contra o Brasil.

A sra. considera que o governo Jair Bolsonaro tem uma imagem negativa no exterior sobre ambiente?

Não é o governo Bolsonaro, a imagem do Brasil lá fora é ruim faz tempo. Pode até ter piorado, mas nunca trabalhamos isso corretamente. Não vou culpar A, B ou C, mas precisamos mudar a imagem.

Primeiro, trabalhar com dados científicos, mostrar exatamente o que acontece. Ninguém sabe que no Brasil temos Código Florestal, essas áreas de preservação obrigatórias para o dono da propriedade. Quando compra uma propriedade, ele paga sobre 100 hectares e sabe que na Amazônia só pode usar 20.

Propostas do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, como mudar regras do Fundo Amazônia, não prejudicam essa imagem?

O ministro é muito preocupado [com o ambiente]. Está fazendo ajustes que precisam ser feitos até para ajudar a agricultura. Nunca o vi defendendo ilegalidade, falando que concorda com desmatamento ilegal. Vejo-o tentando destravar uma pauta que travou o país.

Não acredito em sustentabilidade e preservação ambiental com miséria. Onde tem miséria você não vai preservar. A gente tem que abrir um pouco a cabeça e ver que quem conserva tem que ter algum ganho. É uma das coisas que defendo e venho apanhando de vez em quando.

Nós precisamos usar essa cota que o produtor faz de preservação; dependendo do lugar em que está, poderia ganhar por isso. Vamos dizer: tenho 50% da minha área desmatada e posso chegar a 80%. Esses 30% que ainda posso desmatar vão me dar retorno? Vale a pena eu deixar ele em pé, vou ganhar para fazer essa preservação? Por que não?

O mundo não quer que o Brasil preserve? Então vamos fazer uma moeda verde para que essa preservação ocorra de maneira sustentável. Está faltando muito bom senso para todos os lados. A agricultura precisa destravar em algumas áreas, os nossos competidores não têm as amarras que o produtor [nacional] tem.

A sra. é apontada como uma das negociadoras mais pragmáticas do acordo com a UE. Como é possível que o tratado tenha saído justamente num governo que tem, ao menos no Ministério das Relações Exteriores, uma orientação nacionalista e antiglobalista?

Acho que não tem incoerência. Uma coisa é uma visão geopolítica, e outra, uma visão prática. O acordo com a UE é muito favorável para o Mercosul. Ou o Mercosul se destravava e se abria ou a tendência dele era minguar.

Mas as declarações que o chanceler Ernesto Araújo já deu contra a China [principal comprador de produtos agrícolas do Brasil] foram interpretadas como sinais prejudiciais para a agricultura.

Não vão conseguir me intrigar com o Ernesto. Tenho conversado muito com o chanceler, e, todas as vezes que eu precisei, ele tem sido parceiro do Ministério da Agricultura.

O ministro tem as posições dele, mas assinou comigo uma carta de apoio ao [candidato] chinês [Qu Dongyu] ao comando da FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação). Volta e meia vejo coisas na imprensa que não refletem a verdade.

O tema da mudança de embaixada de Tel-Aviv para Jerusalém está superado?

Até onde sei, sim. É um assunto que foi deixado de stand-by. Não ouvi mais. Recentemente estive com vários empresários e secretários dos Emirados Árabes Unidos que vieram ao Brasil conversar. Estiveram com o presidente e com vários ministros. Há uma sintonia total. O Brasil tem que ser pragmático na área comercial. É o que eu tenho tentado fazer no Ministério da Agricultura.

A sra. destituiu o presidente da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). Por quê?

Nós precisamos mudar o modelo, a Embrapa é uma das nossas joias da coroa. Vamos indicar uma diretoria afinada com o que a gente quer fazer pela frente.

Bolsonaro falou sobre isso na FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária) dias antes do anúncio da demissão.

Ele falou na FPA que queria "repotencializar" a empresa. Acho que o que ele estava falando é que a Embrapa precisa ter agilidade e mais recursos.

Há possibilidade de privatização?

Não existe isso [privatização]. O que a gente quer é dar uma agilidade à Embrapa.

Como a sra. vê a possível indicação do deputado Eduardo Bolsonaro para embaixador do Brasil em Washington?

É uma indicação diferente. Mas o Eduardo é um deputado que teve 1,8 milhão de votos e preside a Comissão de Relações Exteriores [da Câmara]. Ele tem uma coisa que pode ser muito útil ao Brasil: acesso ao governo americano.

Agora, ele é jovem, não tem experiência diplomática ainda. Se realmente se confirmar, precisará de um time de qualidade, e o Itamaraty tem gente muito boa para assessorá-lo.

Se o Eduardo for para Washington, vou precisar conversar muito com ele, porque o Ministério da Agricultura vai precisar muito dele lá.

FSP, 22/07/2019, Entrevista de 2a, p. A10

https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/07/nao-acredito-em-sustentab…

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