VOLTAR

Na rota dos investimentos

OESP, Caderno Especial-Novo Mapa do Brasil , p. H1-H16
23 de Out de 2005

Na rota dos investimentos
O Nordeste, a mais carente das regiões, atrai recursos públicos e privados bilionários e abre frentes de negócios que poderão tirá-lo do atraso

A segunda mais povoada das regiões brasileiras, o Nordeste, é também a mais carente e cheia de contrastes. Nos nove Estados que a compõem vive uma população de quase 50 milhões de habitantes. De um lado, uma minoria desfruta de um padrão de vida que nada deve aos dos abonados dos centros mais ricos do País. De outro, um contingente majoritário sobrevive com dificuldades, enfrentando cada dia como se fosse o último.
Não por acaso, entre os Estados colocados nas dez últimas posições do ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), figuram os nove da região - o décimo é o Acre. Esse desempenho pífio tem várias causas. Uma delas é a persistência de elevados índices de mortalidade infantil, que chegam a 36,9 por mil nascimentos, contra 27 da média nacional. Uma segunda é a deplorável distribuição da riqueza, traduzida no fato de que entre os seis Estados com pior renda per capita cinco são do Nordeste - à frente o Maranhão, seguido por Piauí, Alagoas, Ceará e Paraíba. O sexto do grupo é o Tocantins.
Nada mais natural, portanto, que na hora da distribuição do bolo assistencial do governo federal coubesse à região uma parte substancial dos recursos. É o que ocorre com o dinheiro do Bolsa-Família. Quase 52% dos R$ 488 milhões distribuídos em agosto deste ano pelo programa tiveram como destino o Nordeste, beneficiando 3,7 milhões de famílias.
Felizmente, há indícios de que essa situação começa a ser revertida, como se pode ver nesta segunda edição da série Novo Mapa do Brasil. No lugar das tradicionais frentes de trabalho, criadas no passado para abrandar os efeitos da miséria, estão surgindo frentes de negócios, nos mais diferentes setores de atividade. O têxtil é um deles. Graças à maciça migração de empresas do Sul e do Sudeste, a região se tornou o segundo maior pólo de produção de tecidos e de confecções do Brasil. Da mesma forma, consolidou-se um pólo petroquímico vigoroso, está sendo formado outro na área de celulose e assiste-se à descoberta pelos grandes investidores de áreas promissoras como o turismo, a fruticultura e a agricultura.
A soma de tantas oportunidades se traduz num inédito fluxo de recursos, que faz do Nordeste a segunda região com mais investimentos anunciados para os próximos anos - nada menos de US$ 18,8 bilhões, de acordo com levantamento da consultoria Simonsen Associados, de São Paulo.

O novo Tratado de Tordesilhas
Portugal e Espanha ocupam e dividem o litoral nordestino com investimentos de grande porte em hotéis de luxo e resorts

Manuela Rios
FORTALEZA

Mais uma vez espanhóis e portugueses descobriram o Brasil. Com a bagagem recheada de dinheiro e de megaprojetos, grandes conglomerados da Península Ibérica estão desembarcando no Nordeste brasileiro e, numa espécie de Tratado de Tordesilhas informal, vêm dividindo o território para erguer complexos hoteleiros na forma de resorts, pousadas de luxo, campos de golfe, condomínios e vilas residenciais.
"Não viemos para concorrer com os brasileiros", afirma Orlando Giglio, diretor comercial no Brasil do grupo espanhol Iberostar. "Vimos somar e gerar demanda para o setor." "Queremos trazer muitos turistas da Europa e de outros continentes", diz Paulo Seixas, gerente financeiro do projeto Reserva Imbassaí, do grupo português Reta Atlântico.
É na Bahia que o fenômeno da investida ibérica é mais evidente. "Analisamos diversos Estados do Nordeste, alguns até mais próximos da Europa, mas só na Bahia a infra-estrutura básica de transportes e telecomunicações estava pronta", diz Giglio, que está tocando na Praia do Forte, a cerca de 60 quilômetros de Salvador, as obras do primeiro resort do Iberostar no Brasil: um mega complexo de US$ 260 milhões, com 2 milhões de m² e 2,5 km de praia, 1,6 mil apartamentos divididos entre quatro hotéis e um condomínio com 208 casas. A primeira fase deverá ser inaugurada em janeiro e a conclusão das obras está marcada para 2008.
Por enquanto, o Iberostar terá como principal concorrente o vizinho Praia do Forte EcoResort, que há 25 anos se instalou numa área de 120 km², e criou o conceito pioneiro do ecoturismo na região. Num futuro próximo está prevista a chegada de outro forte rival, o grupo espanhol Trusan, que já adquiriu no local uma área, também com 2,5 km de praia.
Segundo Érico Mendonça, da Secretaria do Turismo da Bahia, o Trussan aportará cerca de US$ 400 milhões num complexo de quatro hotéis no local. Para enfrentar a concorrência, Giglio conta com a vantagem da verticalização do Iberostar, um grupo que controla duas companhias aéreas e uma de cruzeiros marítimos, 600 agências de viagens e uma cadeia de 92 hotéis espalhados pelo mundo. "Cuidamos de tudo, da venda do pacote ao transporte e hospedagem", diz Giglio. "Isso é um fator multiplicador de clientela."
A meio caminho entre a Praia do Forte e a Costa do Sauípe, o Reserva Imbassaí deve inaugurar sua primeira etapa em 2006. Em 2012, quando estiver concluído, o complexo, instalado num terreno de 132 hectares, terá absorvido R$ 220 milhões e englobará três hotéis - num total de 850 apartamentos - e dois condomínios residenciais. "Metade das casas e apartamentos será vendida a estrangeiros", diz Seixas.
Se a Bahia lidera as preferências dos empreendedores ibéricos, eles não se esqueceram dos outros Estados nordestinos. Capitaneado pelo Banco Privado Português, um grupo de investidores lusitanos se associou ao empresário cearense Ivens Dias Branco para a construção do maior complexo turístico da América Latina.
Com oito hotéis, seis pousadas, 600 bangalôs e 600 residências, o Aquiraz Golf & Beach Villas ocupará uma área de 280 hectares no município de Aquiraz, a 25 quilômetros de Fortaleza, e deve custar R$ 800 milhões. O projeto contará ainda com o apoio do governo cearense que aplicará R$ 150 milhões na melhoria da infra-estrutura.
A expansão da hotelaria no Nordeste não é bancada exclusivamente pelos ibéricos. O grupo francês Accor acaba de inaugurar seu terceiro resort no Brasil, o Parthenon Marulhos, em Porto de Galinhas (PE) - os outros dois estão na Costa do Sauípe . "Os resorts estão explodindo no Nordeste, até por causa do tsunami na Ásia", diz José Ozanir, gerente-geral do Parthenon. O empreendimento operado pelo Accor foi construído pela empreiteira Queiroz Galvão, que investiu R$ 40 milhões no projeto.
Se há dúvidas sobre a existência de demanda para tanta oferta de quartos de hotel, vilas e loteamentos no Nordeste, elas não transparecem nos planos dos empreendedores. "Os turistas europeus despertaram para o Brasil. São só seis horas de viagem e uma passagem em vôo charter custa menos de 300", diz Giglio. Por sinal, além de analisar as oportunidades em Foz do Iguaçu, ele cogita erguer mais um Iberostar no Nordeste.
Nem sempre quantidade rima com qualidade
O risco de o turismo de massa transformar o Nordeste brasileiro numa costa mediterrânea, onde a ocupação desordenada provocou uma devastação ambiental, começa a preocupar os empresários locais. "No turismo, quantidade é o inverso de qualidade", afirma Carlos Eduardo Regis Bittencourt, sócio e diretor da Terravista Empreendimentos, que desde 2002 opera um resort em Trancoso, no sul da Bahia. Para Bittencourt, o turismo de massa, que tem como emblema os pacotes de viagem, é um poderoso dínamo econômico, mas também um grande predador.
A onda do turismo de massa, que começou na costa do Mediterrâneo, singrou o Atlântico rumo a Miami, Cancún e Caribe, antes de bater no litoral nordestino. "Os investidores estrangeiros repassam a operação às grandes cadeias hoteleiras. Não se integram ao dia-a-dia da comunidade", diz Bittencourt. Os turistas, levados por grandes operadoras, chegam em vôos lotados, com tudo predefinido: roteiros, horários e gastos. Segundo ele, o turista vira um garimpeiro. "Não se preocupa com a preservação do destino nem tem interesse pela cultura e a vida locais."
Para Érico Mendonça, da Secretaria de Turismo da Bahia, a definição de áreas de proteção ambiental, com limites de ocupação rigorosos, vai evitar o risco de devastação ambiental. Outra questão delicada, e que vem causando preocupação nos últimos tempos é a exploração do chamado turismo sexual, que já se tornou um grave problema em Fortaleza e Recife e está crescendo em localidades como Porto Seguro.

Íntegra da notícia veja pdf em anexo.

OESP, 23/10/2005, Caderno Especial-Novo Mapa do Brasil , p. H1-H16

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.